Capítulo II – Intérprete de Língua Gestual"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""%&!
3. O Trabalho dos/as ILG nas Escolas
Reconhecendo que a Língua Gestual (LG) é a língua natural
21da criança Surda, o
contexto deve proporcionar às crianças e jovens Surdos a possibilidade de contato
precoce e o mais frequente possível à LG. Então, uma vez que crianças e jovens surdos
comunicam em LG e com a implementação da Educação Bilingue nas escolas torna-se
imprescindível a presença de um/a intérprete de Língua Gestual Portuguesa (ILGP) no
contexto sala de aula quer nas atividades curriculares ordinárias, quer em atividades
realizadas dentro e fora do contexto escolar, nomeadamente em visitas de estudo ou
toda e qualquer atividade que envolva a participação do/a aluno/a surdo/a, “Ao
intérprete de LGP compete a tradução da língua portuguesa oral para a língua gestual
portuguesa e da língua gestual portuguesa para a língua oral das actividades que na
escola envolvam a comunicação entre surdos e ouvintes, bem como a tradução das
aulas leccionadas por docentes, reuniões, acções e projectos resultantes da dinâmica
da comunidade educativa.”
22Assim, pode-se afirmar que o/a ILGP é um elemento fulcral no seio da
comunidade escolar pelo apoio que presta a todos os elementos constituintes da mesma
e, essencialmente, no apoio a alunos/as surdos/as e suas respetivas famílias nas
diferentes situações pedagógicas e sociais que enfrentam no seu dia-a-dia.
Sendo o contexto escolar a área de interpretação mais requisitada para o trabalho
efetivo de ILG, Quadros define intérprete educacional como sendo “aquele que atua
como profissional intérprete de língua de sinais na educação.” (2004: 59).
Sem dúvida alguma, o/a intérprete em contexto educativo tem como principal
função servir de elo de comunicação e interação entre o/a aluno/a surdo/a e o ambiente
envolvente, nomeadamente colegas e professores dentro e fora da sala de aula. Isto é,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
21 “Língua natural – sistema linguístico usado por uma comunidade e que constitui uma realização
particular da capacidade humana para a linguagem.” (Sim-Sim, 2005: 18).
INTÉRPRETE DE LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA NO SISTEMA EDUCATIVO
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além de traduzir e interpretar dentro da sala de aula, o intérprete serve como um elo de
ligação entre alunos/as surdos/as e seus colegas ouvintes, membros da comunidade e
corpo docente em qualquer contexto que a sua atividade seja necessária.
Assim sendo, o/a intérprete não restringe a sua função ao contexto sala de aula. O
seu trabalho abrange tudo o que diz respeito a alunos/as surdos/as, interagindo fora da
sala de aula e criando, deste modo, uma relação com crianças e jovens Surdos, bem
como com os/as alunos/as ouvintes de forma a facilitar a comunicação e interação entre
pares. Deduz-se, portanto, que o/a intérprete encontra-se integrado na restante equipa
educativa, partilhando informações sobre as necessidades, dificuldades, problemas e
interesses do/a aluno/a maximizando o trabalho em equipa.
No entanto, como já foi referido anteriormente, o/a ILGP é um profissional pouco
conhecido em Portugal, principalmente nas escolas onde se encontra o grosso dos/as
intérpretes a exercer funções.
Da mesma forma, os últimos anos, no que concerne à evolução da profissão, têm
sido marcados por alguns debates e questões relacionados com trabalho do/a intérprete
em sala de aula. É essencialmente do contexto educativo que surgem as grandes
questões acerca da atuação do/a intérprete junto de crianças e jovens Surdos. Essas ditas
questões giram em torno de conceitos e definições que tendem a considerá-lo/a um/a
profissional que ora presta um serviço como técnico que traduz e interpreta a mensagem
aos alunos e vice-versa, ora é considerado/a um/a profissional que vai além das suas
funções ou do que está estabelecido como normativo.
Indo de encontro a este ponto, Fernandes & Carvalho (2005) com base em
Metzger (2000) apresentam quatro modelos na evolução do/a ILG, dos quais iremos
valorizar apenas dois, em função das questões que orientam e justificam a produção
deste trabalho. Assim, por um lado, temos o modelo «Conduit» que define o/a intérprete
como profissional na área da tradução e interpretação da LGP “mas como um
profissional com comportamento mecanizado” (Fernandes e Carvalho, 2005: 142).
Numa fase mais recente, apresenta-se o modelo «Bilingual, Bicultural Specialist» que
abrange, não só as competências linguísticas, mas também as questões culturais que se
colocam a propósito das duas comunidades. Aqui o/a intérprete “deve ter o domínio de
ambas as línguas (Língua Portuguesa e Língua Gestual Portuguesa) e, ao mesmo
tempo, ser conhecedor de ambas as culturas.”. (Fernandes & Carvalho, 2005: 142)
Os termos como “modelo educativo” ou “professor-tradutor” são muitas das vezes
associados ao papel que o/a intérprete assume em contexto escolar. Termos esses que
muitos defendem não corresponder de todo ao trabalho que um/a intérprete realiza com
alunos/as surdos/as. Há outros que, no entanto, defendem o oposto, sendo que o
contexto e realidade da nossa educação escolar, leva a que o/a intérprete assuma tarefas
e responsabilidades no futuro educativo das nossas crianças ou que “o desconhecimento
sobre as atribuições do intérprete que atua em sala de aula faz com que os professores
transfiram a responsabilidade do ensino para eles, impedindo-os de exercer a sua
função.”. (Vieira, 2007: 44).
Já foram aqui referidas as linhas de conduta previstas no código de ética. Na
educação, o código de ética também assume um papel preponderante e passa pela
“confiabilidade, imparcialidade, discrição, fidelidade e distância profissional” (Vieira,
2007: 64). Contudo, na prática, estes conceitos e a deontologia do/a próprio/a
profissional podem ser postos em causa, quando estes participam na vida do/a aluno/a e
se sentem responsáveis por eles.
Dá-se aqui também uma atenção especial ao que Vieira (2007) menciona como o
“descanso” do/a ILGP, já que este/a profissional passa o seu grande tempo com
alunos/as Surdos/as, “ele permanece com os alunos surdos em vez de repousar seu
corpo físico, cognitivo e mental” (Vieira, 2007: 49), ocasionando um cansaço extremo,
uma vez que em Portugal o horário do/a ILGP nas escolas é de 35 horas em contato
direto com o/a aluno/a, e não está contabilizado o tempo extra que pode utilizar em
função de outras atividades ou projetos implementados nas escolas.
Sem dúvida alguma o contexto educativo suscita e levanta algumas questões no
que diz respeito à prática do/a ILGP e pela complexidade que envolve este profissional.
Perlin (2006: 137) refere que:
“Quanto mais se reflete sobre a presença dos intérpretes de Língua de
Sinais, mais se compreende a complexidade de seu papel, as dimensões e a
profundidade de sua atuação. Mais se percebe que os intérpretes de Língua de
Sinais são também intérpretes da cultura, da língua, da história, dos
movimentos, das políticas da identidade e da subjetividade surda, e
apresentam suas particularidades, sua identidade, sua orbitalidade.” (cit. In
INTÉRPRETE DE LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA NO SISTEMA EDUCATIVO
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Outras dinâmicas e variáveis afetam o trabalho do/a ILGP, as relações em sala de
aula e em todo o contexto, as especificidades dos/as alunos/as Surdos/as e a sua
linguagem própria.
Em suma, o/a intérprete de Língua Gestual Portuguesa assume um papel de
grande importância no contexto educativo e contribui em pleno para a inclusão dos/as
alunos/as surdos/as nas nossas escolas.
Quem são os/as ILGP nas nossas escolas? Como se definem? Como são vistos
ou percecionam os diferentes modos como são vistos? Com que desafios e exigências se
confrontam? Que dilemas vivem? Como se relacionam nos contextos escolares? Que
importância atribuem ao trabalho que realizam?
São estas algumas das muitas questões que, se algum modo, permitem contribuir
para a reflexão sobre o trabalho do/a ILGP e que, por isso, inspiram o trabalho que se
passa a apresentar nos próximos capítulos, onde se apresenta o projeto de investigação
que permite prosseguir este debate.
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Capítulo III – Enquadramento e Procedimentos
No documento
Intérprete de língua gestual portuguesa, sobre a sua (in) visibilidade no sistema educativo
(páginas 45-49)