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3.2 A proteção jurídica do trabalhador

3.2.3 Agressões à Saúde do Trabalhador

3.2.3.2 Trabalho noturno

O trabalho noturno é aquele prestado entre 22h de um dia e 5h do dia seguinte, para trabalhos urbanos; entre 21h de um dia e 5h do dia se-guinte, para trabalhos rurais de plantio e colheita; e entre 20h de um dia e 4h do seguinte para trabalhos rurais de pecuária. É vedado para os tra-balhadores menores, conforme art. 7º, XXXIII da CR/88.

De acordo com o art. 73 da CLT, salvo nos casos de revezamento quinzenal ou semanal, os trabalhadores recebem um adicional de 20%

pelo labor prestado nesses horários. A hora noturna será computada como 52 (cinquenta e dois) minutos e 30 (trinta) segundos, o que representa uma redução de 12,5% (doze e meio por cento) (BR. PB, 2012b), com re-lação à hora diária, que é de 60 (sessenta) minutos.

Nesses casos, o cuidado com o trabalhador está vinculado à inversão dos horários e à necessidade de descanso no período noturno. Se ele realiza atividades nesse intervalo, invariavelmente precisará descansar no perí-odo diurno, o que altera a ordem biológica do corpo humano, além de dificultar seu relacionamento social.

Sebastião Geraldo de Oliveira explica que o trabalho noturno gera um conflito entre os sincronizadores endógenos, controlados pelo sistema ner-voso central, e os sincronizadores ambientais-sociais, “acarretando uma dessincronia dos ritmos circadianos” (2011, p. 187) (ritmos referentes à periodicidade diária de 24 horas). De acordo com Leda Ferreira:

É comum se ouvir de um trabalhador relatos de dificuldades para se manter acordado no turno da noite, principalmente entre as 3-4 horas da madrugada e dificuldades para dormir durante o dia: sono curto, entrecortado, não recu-perador. Estes sintomas também devem ser encarados como uma perturbação da ordem temporal interna, mais particularmente do ciclo sono-vigília. De fato, a qualidade e quantidade do sono é dependente da hora do dia em que ele ocorre (FERREIRA, 1987, p. 29).

Leda Ferreira explica que o trabalho possui inúmeras maneiras de marcar os indivíduos: algumas são mais visíveis, como os acidentes de tra-balho, e outra menos, como o desgaste físico e mental. Este é gradativo e, com o passar do tempo, agrava o bem-estar e a saúde do trabalhador.

Em geral, as empresas que funcionam ininterruptamente exigem um nível de produtividade constante em todos os seus turnos e consideram que os traba-lhadores possam alcançá-lo com facilidade. Porém isto não é verdade. Os indivíduos respondem diferentemente a estímulos iguais em horas do dia di-ferentes.

[...]

A mudança frequente de horários de trabalho perturba o funcionamento nor-mal do organismo e o torna mais suscetível às agressões presentes na situação de trabalho (FERREIRA, 1987, p. 30).

O trabalho constante nessas condições prejudica muito o bem-estar e a saúde do trabalhador, que tenta se adaptar a dormir durante o dia e trabalhar à noite. Em muitos casos, essa adaptação nem acontece e a ne-cessidade de dormir vai sendo contemplada em partes, ao longo do dia.

Sebastião Geraldo de Oliveira (2011, p. 188-190) informa que “O acú-mulo diário da insuficiência do sono provoca sintomas crescentes de fadiga psíquica e o consequente aparecimento de doenças”, além de “baixa resis-tência imunológica, bem como sofrimento mental e envelhecimento precoce”. Ainda segundo o autor,

As pesquisas realizadas certificam a ocorrência acentuada de irritabilidade, an-gústia, hipersensibilidade a ruídos, nervosismo, ansiedade, insônia, cefaleias, astenia matinal, alterações de caráter, desatenção, úlceras gástricas e duode-nais, alterações intestiduode-nais, alcoolismo, obesidade, depressão e fraqueza geral.

Amauri Mascaro Nascimento expõe o relato de Claude Fohlen, um historiador que relatou um conjunto de perguntas e respostas feitas ao pai de duas meninas que, à época da Revolução Industrial Inglesa, trabalha-vam exaustitrabalha-vamente por períodos prolongados:

1. Pergunta: A que horas vão as menores à fábrica? Resposta: Durante seis semanas foram às três horas da manhã e voltaram às dez horas da noite. 2.

Pergunta: Quais os intervalos concedidos, durante as dezenove horas, para descansar ou comer? Resposta: Quinze minutos para o desjejum, meia hora para o almoço e quinze minutos para beber. 3. Pergunta: Tinha muita dificul-dade para despertar suas filhas? Resposta: Sim, a princípio tínhamos que sacudi-las para despertá-las e se levantarem, bem como vestirem-se antes de ir ao trabalho. 4. Pergunta: Quanto tempo dormiam? Resposta: Nunca se dei-tavam antes das 11 horas, depois de lhes dar algo que comer e, então, minha mulher passava toda a noite em vigília ante o temor de não despertá-las na hora certa. 5. Pergunta: A que horas eram despertadas? Resposta: Geralmente, eu e minha mulher nos levantávamos às duas horas da manhã para vesti-las.

6. Pergunta: Então, somente tinha quatro horas de repouso? Resposta: Escas-samente quatro. [...] 9. Pergunta: As menores estavam cansadas com esse regime? Resposta: Sim, muito. Mais de uma vez ficaram adormecidas com a boca aberta. Era preciso sacudi-las para que comessem. 10. Pergunta: Suas filhas sofreram acidentes? Resposta: Sim, a maior, a primeira vez que foi tra-balhar, prendeu o dedo numa engrenagem e esteve cinco semanas no hospital de Leeds. 11. Pergunta: Recebeu o salário durante esse tempo? Resposta: Não, desde o momento do acidente cessou o salário [...] (NASCIMENTO, 2009, p.

17).

O relato demonstra as condições nada dignas em que viviam os tra-balhadores à época da Revolução Industrial, ficando claros os reflexos gerados pelas jornadas de trabalho altamente fatigantes e extensas. Por-tanto, para evitar o desgaste desmedido do trabalhador, além da jornada de trabalho diária limitada, a Constituição da República de 1988, em seu art. 7º, XIV, também resguardou jornada de trabalho reduzida para aque-les que trabalham em regimes de revezamento. Ela não pode ultrapassar 6 (seis) horas diárias (salvo negociação coletiva que disponha diferente),

em virtude da importância de haver um período satisfatório de descanso para o trabalhador.

Esse parece ser um dos melhores caminhos em casos de atividades que sejam muito extenuantes para o trabalhador: reduzir a jornada de tra-balho, permitindo-lhe maior tempo de descanso, ao invés de somente pagar-lhe valores referentes à compensação pelo cansaço sofrido. Essa mesma ideia é a que utilizaremos para tratar dos agentes de insalubridade e periculosidade mais adiante.