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envelhecimento e curso de vida

1.3.3 trabalho, reforma e incapacidade

Como foi assinalado, no universo dos reformados distinguimos entre refor- mados que o são por terem atingido a idade de reforma após uma carreira profissional longa e os que, devido a qualquer incapacidade, tiveram de a interromper e de abandonar o mercado de trabalho. São estes últimos que

analisaremos agora. No  conjunto dos inquiridos, os reformados por inca- pacidade representam um pouco mais de um décimo (12,1%), o que por si é já bastante significativo, fazendo com que, somados aos outros reformados, seis em cada dez entrevistados sejam reformados. Tratando-se de uma amos- tra acima de 50 anos, em que a condição activa está ainda muito presente, trata-se de um sinal claro do envelhecimento da população. Mas, no caso destes reformados por incapacidade, pode não ser uma questão exclusiva- mente associada ao envelhecimento, na medida em que o abandono do mer- cado de trabalho pode ter ocorrido em qualquer idade da trajectória profis- sional, inclusivamente em idades jovens.

Admitindo, como admitem, que o regresso ao mercado de trabalho é uma impossibilidade (apenas um dos entrevistados considerou possível esse regresso), a “contribuição” destes reformados para o rácio da dependên- cia decorre da idade do abandono do mercado de trabalho. Considerando o número de anos desde que o abandonaram, um pouco menos de metade (43,2%) está “retirada” há menos de dez anos (Quadro 1.14); um quarto entre 10 e 19 anos (24,5%); e o terço restante há 20 ou mais anos (32,2%). O peso destes tempos tem de ser controlado pela idade dos indivíduos. Atendendo a que metade dos reformados por incapacidade (48,5%) tem entre 60 e 74 anos e que o período de há menos de dez anos é o mais importante, pode dizer-se que a incapacidade atinge sobretudo indivíduos na segunda metade da trajectória profissional, maioritariamente com idades acima de 50 anos. Esta tendência é também corroborada pelos dois outros grupos etários. Com efeito, os inquiridos acima dos 74 anos estão mais representados na catego- ria de maior duração (20 anos), enquanto os mais novos estão na categoria oposta. O aumento do número de anos desde a paragem forçada da activi- dade profissional tem mais a ver com a idade dos indivíduos do que com a idade com que saíram do mercado de trabalho.

Um dado relativo à incapacidade que sobressai deste inquérito é o facto de afectar bastante mais as mulheres do que os homens. Sendo já mais numerosas (55,3%) do que os homens, entre a população de reformados por incapacidade, elas estão ainda mais representadas (61,2%). A incapacidade tem, assim, uma incidência predominantemente feminina que se distribui de uma forma não totalmente coincidente. As mulheres marcam posição nos períodos curtos e os homens nos de maior duração, sugerindo que a paragem forçada da actividade atinge estes últimos numa idade mais precoce.

A consideração do estado civil permite trazer elementos adicionais de caracterização da população de reformados. Um primeiro resultado chama a atenção para a maior presença dos viúvos. É a única situação que reforça a sua representação, sobretudo nas categorias de maior duração, acima de

20 anos, o que não surpreende, atendendo a que os viúvos são um dos gru- pos com idade média mais elevada. Interessante é verificar que os solteiros, um grupo mais novo, se concentram exclusivamente na duração mais curta (menos de dez anos), facto que aponta para que este seja um dos grupos mais prematuramente afectado pela incapacidade, a qual poderá também justifi- car, eventualmente, a permanência desta condição civil.

As variáveis que a seguir se referem – escolaridade, classe subjectiva e nível de rendimento – mostram o resultado substantivo mais interessante no que respeita à reforma por incapacidade ao apresentarem uma associação com as condições socioeconómicas. Com efeito, os reformados por incapaci- dade aparecem sobretudo nas posições mais baixas das variáveis socioeconó- micas, Por exemplo, enquanto no conjunto da população o peso das catego- rias ciclo básico e classe baixa é de, respectivamente, 51,9 por cento e 55,4 por cento, nos reformados por incapacidade é de 63,4 por cento e 61,1 por cento (Quadro 1.14). No rendimento, observam-se relações semelhantes. A pena- lização é clara: o risco de incapacidade profissional é tanto maior quanto mais baixa for a posição na hierarquia social, seja medida pela educação, pelo rendimento ou através da percepção subjectiva. Além desta exposição, estes segmentos da população parecem ser afectados de outro modo, ou seja, atra- vés dos tempos mais longos de paragem forçada da actividade profissional que assinalam.

Com efeito, a fraca escolaridade, as classes baixas e os níveis menos elevados de rendimentos destacam-se nos períodos de interrupção da activi- dade acima de 20 anos, enquanto as outras categorias das variáveis em causa mostram-se bem posicionadas nos períodos de duração inferior. Esta con- centração bipolar sugere que a duração da incapacidade está também asso- ciada às condições socioeconómicas. Quanto mais baixo for o status social, maior o risco de incapacidade. Ainda que as razões de saúde desempenhem, sem dúvida, um papel importante, na medida em que as condições de saúde e as socioeconómicas estão correlacionadas, as condições de trabalho, desig- nadamente as que envolvem actividades de esforço físico, podem também contribuir de forma significativa para uma maior exposição ao risco da inca- pacidade. Neste sentido, a influência da baixa escolaridade é crítica, pois não só restringe a oferta de trabalho às profissões que exigem um esforço físico permanente e por vezes penoso, mas também porque acaba por condicionar fortemente o nível de rendimento e, através deste, a percepção subjectiva do posicionamento social.

Quadro 1.14 Reformados por incapacidade

< 10 anos 10-19 anos 20-29 anos 30 ou mais anos Total

Total 43,2 24,5 18,8 13,4 100,0 (Total absoluto) (43) (24) (19) (13) (99) Sexo Homens 34,9 37,5 44,4 46,2 38,8 Mulheres 65,1 62,5 55,6 53,8 61,2 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Idade 50-59 anos 51,2 8,3 0,0 7,7 25,3 60 a 74 anos 46,5 75,0 26,3 38,5 48,5 75 ou mais anos 2,3 16,7 73,7 53,8 26,3 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Estado civil Casado 62,8 70,8 38,9 46,2 58,2 Separado/divorciado 16,3 0,0 5,6 7,7 9,2 Viúvo 14,0 29,2 55,6 46,2 29,6 Solteiro 7,0 0,0 0,0 0,0 3,1 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Escolaridade

Não sabe ler nem escrever 7,0 7,7 15,8 7,7 8,9

1º ciclo do ensino básico 60,5 53,8 73,7 76,9 63,4

2º ciclo do ensino básico 7,0 11,5 5,3 0,0 6,9

3º ciclo do ensino básico 9,3 7,7 5,3 7,7 7,9

Secundário 11,6 19,2 0,0 0,0 9,9 Superior 4,7 0,0 0,0 7,7 3,0 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Classe subjectiva Classe baixa 53,7 60,9 66,7 76,9 61,1 Classe média 46,3 39,1 27,8 23,1 37,9 Classe alta 0,0 0,0 5,6 0,0 1,1 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

< 10 anos 10-19 anos 20-29 anos 30 ou mais anos Total Total 43,2 24,5 18,8 13,4 100,0 (Total absoluto) (43) (24) (19) (13) (99) Rendimento individual Nenhum 0,0 0,0 0,0 11,1 1,3 Até 350 € 57,1 35,0 53,3 22,2 46,8 351-500 € 14,3 20,0 33,3 22,2 20,3 501-800 € 8,6 15,0 6,7 33,3 12,7 801-1500 € 17,1 25,0 6,7 0,0 15,2 1501-2500 € 2,9 0,0 0,0 11,1 2,5 Mais de 2500 € 0,0 5,0 0,0 0,0 1,3 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 (Total absoluto) (35) (20) (15) (9) (79)

Comparando com os outros reformados, as pessoas reformadas por incapacidade apresentam-se social, económica e inclusive educacionalmente mais vulneráveis e, consequentemente, mais pobres. Atendendo a que o seu número está longe de ser negligenciável, pode-se identificar o risco da para- gem forçada da actividade profissional por incapacidade como uma das cau- sas que contribui para o nível globalmente baixo de rendimento do conjunto dos reformados na sociedade portuguesa, o qual limita a qualidade de vida a que podem aceder.