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trajectos profissionais: início, interrupções e actual ocupação

envelhecimento e curso de vida

1.3.1 trajectos profissionais: início, interrupções e actual ocupação

No que respeita à reforma, vivemos num tempo de mudança que afecta de modo distinto as várias gerações de reformados – a geração que está actual- mente reformada e as gerações que o farão dentro de alguns anos. A reforma significa coisas diferentes para os que a vivem e para os que são activos, variando igualmente em função dos trajectos através dos quais se consumou ou irá consumar-se a passagem entre a actividade e a inactividade. O inqué- rito procurou conhecer estes diferentes grupos e trajectos a fim de caracteri- zar não só a condição de reformado na sociedade, mas também para perceber a relação entre trabalho e reforma na sociedade portuguesa à luz da recente tendência para o prolongamento da vida profissional, quer seja analisada sob o paradigma do envelhecimento activo, quer seja vista sob o ângulo das restrições orçamentais impositivas devido aos desequilíbrios financeiros que resultam do rácio entre activos e inactivos.

O retrato ocupacional traçado pelo inquérito aponta para a presença de apenas 32,5 por cento de activos entre a população com mais de 50 anos (Quadro 1.7). Exceptuando as outras situações (9,6%), compostas sobretudo por mulheres que se ocupam do lar (domésticas), os inactivos são maioritaria- mente reformados, evidenciando-se a percentagem dos reformados por inva- lidez (12,1%). Esta distribuição reflecte, naturalmente, a composição etária da população em causa, que se traduz na percentagem de reformados, mas tam- bém as relações de género consubstanciadas na sub-representação feminina na população activa e, inversamente, no seu peso desproporcionado em deter- minadas categorias de inactivos, especialmente na categoria outras situações. Quadro 1.7 Situação perante o trabalho segundo o sexo

Homens Mulheres Total

Ocupação n % n % n %

Empregado 128 28,8 121 22,1 249 25,0

Desempregado 39 8,8 37 6,8 76 7,7

Reformado/pré-reformado 221 49,7 231 42,2 452 45,5

Reformado por invalidez 42 9,4 78 14,2 120 12,1

Outras situações 15 3,4 81 14,8 96 9,7

Total 445 100,0 548 100,0 993 100,0

O inquérito recolheu alguns elementos, como a idade com que se começou a trabalhar ou o tempo de interrupção da actividade profissional, que permitem definir algumas das tendências das trajectórias profissionais

anteriores às actuais situações ocupacionais. Atendendo a que elas envolvem processos desiguais que se desenrolam no tempo, essas tendências têm de ser analisadas à luz da geração, da idade e do sexo. A idade do início profissio- nal ou com que se começou a trabalhar, já que nem sempre há uma corres- pondência perfeita entre os dois termos, constitui um elemento crítico na caracterização das trajectórias profissionais. Idades mais precoces ou mais tardias de iniciação reflectem essencialmente os tempos mais curtos ou mais longos da escolaridade dos indivíduos, que variam social e geracionalmente. Na  amostra inquirida, apenas 4 por cento dos entrevistados declararam nunca ter trabalhado a tempo inteiro, uma percentagem abaixo da catego- ria ocupacional doméstica (7%). O trabalho faz, portanto, parte da vida das gerações inquiridas. Esta omnipresença não se traduz, no entanto, nas mes- mas durações das trajectórias profissionais. Não sendo legítimo compará-las, porquanto algumas delas, principalmente as dos indivíduos mais novos, se encontram ainda em desenvolvimento, resta comparar a idade com que se entrou no mercado de trabalho.

Um dos resultados mais salientes diz respeito à idade relativamente pre- coce com que os indivíduos inquiridos começaram a trabalhar. A maior parte antes dos 16 anos e muitos deles com idades bem abaixo deste limiar (Quadro 1.8). Apenas na geração mais nova, entre 50-59 anos, a idade abaixo de 16 anos deixa de ser maioritária, mas mesmo assim as percentagens mantêm-se eleva- das. Nas gerações mais velhas, as percentagens são sempre elevadas, sobretudo nos homens. Por exemplo, 3/4 dos homens de mais de 75 anos começaram a trabalhar antes dos 16 anos. Para a maioria das pessoas com mais de 50 anos, as trajectórias profissionais começaram cedo, em alguns casos bastante cedo, pelo menos à luz dos actuais critérios laborais. Este início precoce reflecte uma escolaridade curta, uma actividade essencialmente manual e vidas activas longas. Estes factos não poderão deixar de se repercutir na fase final do curso de vida, ou seja, no período da reforma em que a maior deles se encontra. Quadro 1.8 Idade com que começou a trabalhar e tempo de interrupção da vida profis- sional segundo o sexo e a idade

Homens Mulheres Total

50-59 60-74 + 75 Total 50-59 60-74 + 75 Total

Idade com que começou a trabalhar

Menos de 16 anos 47,9 63,5 74,1 59,4 38,1 54,4 62,9 50,5 54,7

16-20 anos 36,4 18,0 16,1 24,6 37,5 26,7 14,7 28,0 26,4

21 ou mais anos 15,7 18,5 9,8 16,0 24,4 18,9 22,4 21,6 19,0

Homens Mulheres Total

50-59 60-74 + 75 Total 50-59 60-74 + 75 Total

Tempo de interrupção da vida profissional Nenhum 47,9 55,7 70,5 55,3 36,9 58,4 82,0 55,8 55,5 Menos de 1 ano 7,0 3,5 4,9 5,1 5,8 6,7 6,0 6,2 5,7 1-2 anos 28,1 15,0 9,7 19,1 18,6 14,3 3,7 13,6 16,3 3-4 anos 5,8 21,7 9,9 13,7 13,4 7,4 3,8 8,8 11,1 Mais de 5 anos 11,1 4,0 5,0 6,9 25,3 13,2 4,5 15,6 11,4 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

No entanto, é visível de geração para geração uma quebra contínua, quer nos homens, quer nas mulheres, da iniciação precoce ao trabalho, resultado, sem dúvida, do avanço da escolaridade, dos progresso da legislação laboral e, possivelmente, da diminuição da importância da actividade agrícola fami- liar, que durante muito tempo compatibilizou uma escolaridade básica ou mesmo nula com uma iniciação precoce ao mundo de trabalho. Da geração masculina mais velha para a mais nova há uma quebra de cerca de 25 pontos percentuais, passando de 74,1 por cento para 47,9 por cento (Quadro 1.8). Nas mulheres, a diminuição é da mesma ordem. Portanto, um recuo signifi- cativo da iniciação laboral precoce ao longo do tempo.

Quanto à relação entre homens e mulheres, a distribuição mostra que a iniciação precoce é mais importante neles, qualquer que seja a geração. É possível que parte destas diferenças se deva ao modo como a pergunta está formulada, que remete mais facilmente para actividades assalariadas reali- zadas a tempo inteiro, em que os homens estão mais presentes, do que para actividades associadas ao espaço doméstico através das quais muitas mulhe- res, com particular evidência nos meios rurais, se iniciavam no trabalho. Nesta interpretação, a iniciação mais precoce dos homens reflectiria antes a situação perante o trabalho ou a actividade profissional do que o trabalho propriamente dito. Em todo o caso, continuaria a verificar-se uma posição desigual perante o trabalho, com as mulheres desproporcionalmente repre- sentadas nas actividades que ocorrem no espaço doméstico.

O segundo elemento de caracterização das trajectórias profissionais refere-se ao tempo de interrupção da actividade profissional. Trajectórias desenvolvidas de forma ininterrupta ou, pelo contrário, com entradas e saí- das frequentes e suspensões temporárias da actividade profissional têm con- sequências distintas em termos de remuneração; na progressão na carreira, quando esta possibilidade existe; e na duração da própria trajectória pro- fissional, que constitui um factor condicionante dos direitos da passagem

à reforma. No  que respeita às interrupções profissionais, geração e sexo são também as duas variáveis a ter em conta. Um pouco mais de metade dos inquiridos diz nunca ter tido períodos de interrupção do trabalho. Nos que assinalam interrupções, o período mais vezes referido é de um a dois anos (16,3%) e o menos referido é o de menos de um ano (5,7%). Os restan- tes, representando quase um em cada quatro inquiridos, assinalam períodos acima de três anos (Quadro 1.8). A tendência, portanto, é para a maioria não indicar interrupções e de um quarto dos inquiridos apontar para períodos de interrupção da actividade profissional tendencialmente elevados.

A interrupção da actividade profissional apresenta uma dinâmica gera- cional que se traduz no seu crescimento da geração mais velha para a mais nova. Entre estas duas gerações, há uma quebra de cerca de 20 por cento nos homens e de 40 por cento nas mulheres. A geração de mais de 75 anos conhece poucas interrupções profissionais e, quando as assume, tende a dis- tribuí-las de uma forma mais ou menos homogénea pelos períodos em causa. Na geração mais nova, entre 50-59 anos, as interrupções são mais frequentes e aumenta a variabilidade entre as durações dos períodos fora do mercado de trabalho. Esta tendência de crescimento dos períodos de interrupção da acti- vidade profissional pode reflectir não só mudanças na composição da popu- lação e na economia, por exemplo, o maior assalariamento em virtude da diminuição do campesinato e dos trabalhadores independentes que faz com que aumente a exposição ao desemprego, mas também nas políticas sociais que consagram direitos que legitimam o afastamento temporário do mer- cado de trabalho, como a maternidade, a doença ou mesmo o desemprego. O surgimento destes direitos promove períodos de interrupção da actividade profissional, principalmente nas gerações que deles mais beneficiaram.

Quanto às diferenças entre homens e mulheres, bem como à sua evo- lução, elas são importantes, como demos a entender quando referimos o aumento da interrupção da actividade profissional entre a geração mais velha e a mais nova. Com efeito, na geração de mais de 75 anos, as mulheres dizem mais vezes do que homens nunca tê-la interrompido (respectivamente, 82% e 70,5%). Na geração de 50-59 anos, as posições invertem-se, passando as mulheres a indicar interrupções mais frequentes (Quadro 1.8). As razões avançadas para as interrupções, que analisaremos a seguir, ajudarão, sem dúvida, a compreender esta troca de posições, que estará, pelo menos em algumas delas, relacionada com as mudanças na economia e as suas repercus- sões no desemprego e com o surgimento dos direitos sociais atrás referidos, que estão entre as explicações possíveis para o aumento das interrupções da actividade profissional. É de admitir que estes factores explicativos possam também ser responsáveis, pelo menos parcialmente, pela tendência feminina

de aumento dos tempos de interrupção, particularmente visível na geração mais nova. Nesta geração, em comparação com os homens, as mulheres apa- recem nos tempos de interrupção mais longos, designadamente de 3-4 anos e de 5 ou mais anos.

Os motivos pelos quais se deixa de trabalhar, temporariamente na maioria dos casos e definitivamente em alguns, são bastante marcados pelo género (Quadro 1.9). A hierarquia masculina destaca, em primeiro lugar, o serviço militar (61,5%) e, em segundo, o desemprego (23,8%). A doença ou outra razão são também motivos com alguma importância. A  hierarquia feminina é mais dispersa, com quatro motivos mais ou menos semelhantes. Na primeira posição surgem as razões associadas à esfera reprodutiva, como cuidar das tarefas do lar ou cuidar dos filhos (29,7%), às quais se juntam as razões conexas da maternidade (21,3%) e, numa parte dos casos, de doença (27%). Esta última razão é bastante mais vezes assinalada pelas mulheres, reforçando a sua vinculação à esfera reprodutiva, ao contrário do que acon- tece com o desemprego, em que a convergência em relação aos homens é maior, apesar de estarem um pouco mais expostas (26,8%).

Quadro 1.9 Razões de interrupção do trabalho segundo o sexo e a idade

Homens Mulheres Total

Razões de interrupção do trabalho n % n % n %

Licença de maternidade 1 0,6 53 21,3 54 11,9

Tratar da casa/cuidar dos filhos 0 0 74 29,7 74 29,7

Serviço militar 126 61,5 1 0,3 127 28,0

Continuar os estudos 4 2,0 3 1,3 7 1,6

Desemprego 49 23,8 67 26,8 115 25,4

Doença, internamento, reabilitação 31 15,2 67 27,0 98 21,7

Outra razão 21 10,4 45 17,9 66 14,5

Total 205 100,0 248 100,0 453 100,0

O facto de o serviço militar ser o principal motivo masculino ajuda a explicar por que razão a geração de mais de 75 anos apresenta uma interrup- ção da actividade profissional superior à das mulheres, ao contrário do que se verifica com as gerações mais novas. Com efeito, a mobilização militar em consequência da guerra colonial afectou uma boa parte da geração mais velha que se encontrava a trabalhar, pois a transição para o mercado naquela época ocorria, como se viu, bastante cedo. Para as gerações seguintes, a transição para o mercado de trabalho começou verdadeiramente a ser feita depois do serviço militar. Se a esta tendência se juntar o desenvolvimento progressivo

de determinados direitos sociais relacionados com a esfera reprodutiva, que dizem basicamente respeito às mulheres, identificam-se algumas das razões que poderão explicar a inversão dos tempos de interrupção da actividade profissional entre homens e mulheres ao longo das diferentes gerações.