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O Trabalho, os seus Constrangimentos e a Relação com a Saúde, na Perspetiva dos

Capítulo III. Trabalho e Saúde: Da Avaliação à Compreensão, Apoiados na Perceção

9. O Trabalho, os seus Constrangimentos e a Relação com a Saúde, na Perspetiva dos

Pretendíamos com o terceiro objetivo determinar, a partir da perceção dos fisioterapeutas, se o trabalho que realizam afeta a sua saúde e identificar alguns dos problemas de saúde que atingem estes trabalhadores relacionando esses problemas com o seu trabalho. Analisemos então os resultados relativos às questões de saúde.

O incómodo percecionado com a exposição a diferentes condições e caraterísticas de trabalho está correlacionado de forma positiva com a perceção, dos fisioterapeutas, relativa à sua saúde. Ou seja, não só a maioria destes profissionais perceciona que a sua saúde está afetada pelo trabalho que realiza, como se constata uma associação entre esta perceção e o incómodo que referem. Esta associação, embora moderada, é significativa. Deste modo a um maior incómodo percecionado com as condições e caraterísticas de trabalho, corresponde uma perceção do estado de saúde como estando mais afetado pelo trabalho. Os profissionais de saúde estão, então, frequentemente expostos a constrangimentos laborais que podem afetar a sua saúde física e mental sendo que é assumido que as caraterísticas do trabalho levam a doenças e lesões (Eriksen, Ihlebæk, Jansen & Burdorf, 2006; Fiabane, Giorgi, Sguazzin & Argentero, 2013).

A reforçar este quadro verifica-se que quanto maior o número de problemas de saúde referidos pelos fisioterapeutas, mais a saúde é percecionada como estando afetada pelo trabalho. O ritmo de trabalho e os constrangimentos que para ele contribuem têm importância face à saúde, pois quanto mais constrangimentos relacionados com o ritmo de trabalho maiores são as exigências colocadas aos trabalhadores e, assim, maior o impacto negativo na sua saúde e bem-estar (Eurofound, 2012).

Por outro lado, os problemas de saúde que os fisioterapeutas mais referem são os músculo-esqueléticos, os de dores de costas e as varizes. Não é difícil associar estes

problemas aos esforços físicos, às posturas penosas, mas também, à tensão provocada pelas exigências a que estão sujeitos no contacto com os utentes. Estudos em populações genéricas de trabalhadores mostram que a combinação de esforços físicos e psicológicos elevados está associada com o aumento substancial do risco de episódios de dores nas costas, especialmente lombares (Eriksen et al., 2006). O trabalho na área da saúde expõe os trabalhadores a diversos agentes de stresse ocupacionais, com um enfoque particular no contacto muito próximo com os utentes, que pode mobilizar emoções e conflitos, tornando os seus trabalhadores particularmente suscetíveis ao sofrimento psíquico, conduzindo a doenças relacionadas com o trabalho (Rios, 2008).

Um outro dado relevante é quando analisamos a perceção da influência do trabalho sobre a saúde por parte de homens e mulheres. Apesar do incómodo relatado ser, em muitas circunstâncias, maior por parte das mulheres, são os homens que consideram mais que a sua saúde está afetada pelo trabalho. Esta constatação pode ter explicações várias, mas uma delas pode estar relacionada com o menor “à vontade” dos homens em relatar incómodo com problemas relacionados com agressões ou intimidação. O relato de queixas e a forma de o dizer por parte das pessoas estão relacionados com o que cada um experiencia e dependem muito das condições de enunciação (Molinié, 2010). Ou seja, a relação estabelecida entre alterações na saúde e o vivenciar circunstâncias problemáticas no trabalho pode existir, mas não ser assumida da mesma forma por homens e por mulheres.

De forma similar, a referência a mais problemas de saúde e bem-estar, em função do trabalho, no sexo masculino, relativamente ao feminino, aparece em diferentes estudos. Nolfe, Petrella, Zontini, Uttieri e Nolfe (2010) ao relacionarem alterações de ansiedade, de humor e de adaptação com a presença de violência, em trabalhadores italianos, verificaram que a sua severidade era maior nos homens do que nas mulheres. Santos et al. (2009) concluem que no sexo masculino (mais do que no feminino) as alterações psiquiátricas estão mais correlacionadas com o bullying no local de trabalho. Em outro estudo com trabalhadores de diferentes países verificou-se que quanto maior são as diferenças entre sexos em termos de características de trabalho, mais diferenças existem entre sexos no que diz respeito à saúde (Sekine et al., 2011).

As mulheres relatam os mesmos problemas que a amostra global, embora com percentagens mais elevadas para os problemas músculo-esqueléticos e varizes. Os

homens referem problemas idênticos, mas não sofrem tanto com o problema de varizes e sim com dores de cabeça.

Por setor o cenário é idêntico, embora sejam os fisioterapeutas do público que mais referem que a sua saúde está afetada pelo trabalho. Os problemas de saúde são comuns e iguais aos da amostra total, mas as varizes são mais referidas no setor público. De salientar, mais uma vez, o maior percentual global de mulheres, na nossa amostra, mas, também, a existência de mais mulheres, relativamente a homens, no setor público que no privado.

Relativamente à relação entre os problemas de saúde identificados e o trabalho, na perspetiva dos fisioterapeutas, os problemas mais causados pelo trabalho são as dores nas costas e os problemas músculo-esqueléticos. São os homens, mais que as mulheres, que fazem esta relação de causalidade e os fisioterapeutas do setor público no caso das dores nas costas e os do privado para os problemas músculo-esqueléticos. Problemas agravados pelo trabalho são referidos como sendo as varizes e as dores de costas. Quer a amostra global, quer os fisioterapeutas do público e do privado o referem. No entanto, são as mulheres mais que os homens que consideram que o seu trabalho agrava este problema. Em relação às dores de costas serem agravadas pelo trabalho são os homens e os fisioterapeutas do privado que mais o afirmam.

Dados recolhidos relativos ao consumo de medicamentos na nossa amostra revelam que, a sua toma é percentualmente baixa, ou seja, só uma minoria de fisioterapeutas diz recorrer a medicação. Existe consumo de medicamentes para problemas crónicos como por exemplo, a hipertensão, o colesterol, os triglicerídeos e a diabetes. Outro tipo de medicação está relacionado com a dor, a ansiedade e depressão, a tensão/humor, os problemas de sono e as alergias ou problemas respiratórios.

No que concerne aos problemas de saúde relacionados com o trabalho, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais são uma realidade que não pode ser esquecida. Na nossa amostra, os acidentes de trabalho já aconteceram a um quarto dos fisioterapeutas, e as doenças profissionais têm uma expressão mais reduzida, 2,8% dos fisioterapeutas referem ter doença profissional, metade está em avaliação. Estas doenças estão relacionadas com problemas músculo-esqueléticos. Outra questão importante são as faltas por problemas de saúde que ocorreram em 13% dos fisioterapeutas e destes, 2,8% são por problemas de saúde relacionados com o trabalho.

Indo um pouco mais longe na análise das questões relativas à saúde e sua relação com o trabalho procurámos encontrar preditores dos problemas de saúde que os fisioterapeutas mais referem, entre as variáveis demográficas e profissionais e, ainda, nas condições e caraterísticas de trabalho a que estão mais expostos. Realizámos o mesmo para encontrar preditores da perceção da saúde estar afetada pelo trabalho. Os resultados da regressão logística permitem-nos, assim, fazer esta análise.

Relativamente às dores de costas constatámos que uma menor exposição ao trabalho monótono, ao ter de dar resposta às dificuldades/sofrimento das pessoas e a não permanecer muito tempo de pé com deslocamento é protetora face a esse problema. Ao aparecimento de problemas músculo-esqueléticos está associada a exposição a comportamentos de discriminação ligada à idade, à expetativa da dificuldade de realizar o trabalho aos 60 anos, a trabalho pouco criativo e a esforços físicos intensos. Ou seja, uma menor exposição a estas condições protege os fisioterapeutas desses problemas. De uma forma que nos parece consequente, estes problemas de saúde aparecem associados a situações que envolvem esforço físico e posturas estáticas ou a circunstâncias cuja vivência desencadeará tensão relacional que pode ser traduzida em termos físicos.

O género e o setor são preditivos da existência de problemas de varizes. Os homens estão mais protegidos e no setor público os fisioterapeutas têm maior probabilidade de vir a sofrer de varizes (como já fizemos referência, o setor onde a presença de mulheres é mais elevada). Por outro lado os fisioterapeutas que não fazem deslocações profissionais frequentes, que não necessitam de estar sempre na presença de outros, que não necessitam de se confrontar com situações de tensão nas relações com o público e que não têm que fazer várias coisas ao mesmo tempo têm duas vezes menos probabilidade de terem varizes, ou seja, os que são menos confrontados com situações indutoras de desconforto físico e relacional.

As dores de cabeça não são preditas pela variável género apesar de, como já referimos, serem os homens a apresentar mais dores de cabeça. Todavia, ter de fazer várias coisas ao mesmo tempo, trabalhar com iluminação inadequada e a sensação de pouca satisfação com o trabalho são as condições de exposição que mais contribuem para o problema, o que significa que os fisioterapeutas que a elas estão menos expostos estarão mais protegidos. Mais uma vez, as questões relacionadas com a tensão, neste caso, provocada por condições adversas do ponto de vista da intensidade de trabalho e

da satisfação que este pode provocar estão relacionadas com problemas de saúde. Embora, não sendo uma atividade em que a iluminação constitua, em princípio, uma condição problemática, parece que a sua inadequação pode ter um papel a desempenhar, no caso, negativo.

Da mesma forma que para outras variáveis anteriormente referidas, também, o problema de dores de cabeça pode ser explicado pelas variáveis idade e antiguidade em sentidos contrários. Isto é, os fisioterapeutas mais velhos parecem estar mais protegidos desse problema, mas os com maior antiguidade na profissão têm maior probabilidade de dele sofrerem. Reafirmando o que atrás defendemos relativamente à idade dos fisioterapeutas mais velhos não ser muito elevada e por isso termos trabalhadores com antiguidade elevada numa faixa etária mais jovem do que seria de esperar, não nos parece que tal seja suficientemente explicativo. De facto, as associações entre trabalho e saúde que encontrámos parecem-nos, na sua maioria, claras e explicáveis, mas este não é o caso, apesar de toda a exploração que fizemos dos dados.

A perceção de a saúde estar afetada pelo trabalho não é predita por nenhuma variável demográfica, mas está associada à exposição a condições de calor/frio, gestos repetitivos, posturas penosas e a estar muito tempo de pé com deslocamento, dependência do trabalho dos colegas, a ter de fazer várias coisas ao mesmo tempo, a ter de respeitar pausas sem as poder escolher, à sua opinião não ser considerada, à agressão verbal por parte de colegas e público e a ter de dar resposta às dificuldades/sofrimento das pessoas. Por outro lado, está associada a caraterísticas do trabalho como sejam a realização de um trabalho monótono, que seja difícil de realizar aos 60 anos, onde se sintam explorados e com o qual estão pouco satisfeitos.

Os resultados evidenciados pelo NHP mostram que as dimensões de saúde que os fisioterapeutas consideram estar mais afetadas são as Reações emocionais, a Dor e o Sono, com maior expressão nas duas primeiras. Os problemas mais relatados são: sentir- se nervoso, tenso, perder a paciência com facilidade, sempre cansado, dificuldade em estar de pé durante muito tempo, “dores em pé, “dores quando mudo de posição, dores durante a noite”, dificuldade em baixar e dormir mal de noite. Estes resultados confirmam, pelo menos em parte, não só alguns problemas de saúde identificados, mas, também, os constrangimentos referidos no que diz respeito às situações que envolvem tensão em

termos emocionais (em função de relacionamentos, queixas, intensidade de trabalho, por exemplo).

10. Síntese Conclusiva

No seguimento dos objetivos que delineámos para este primeiro estudo, concluímos que os fisioterapeutas reconhecem constrangimentos nas suas condições de trabalho. Estas condições implicam uma exposição a situações que geram perturbação, essencialmente no domínio do contacto com o público, no caso utentes e seus familiares, onde necessitam de responder a dificuldades ou sofrimento, a lidar com as exigências que por eles lhe são feitas e a ter de ultrapassar situações de tensão. Da mesma forma, os constrangimentos físicos, onde as posturas difíceis, os esforços e os gestos repetitivos são considerados problemáticos.

Identifica-se, assim, que os fisioterapeutas estão sujeitos, principalmente, a riscos relacionados com o Contacto com o Público e com os Constrangimentos Físicos. Secundariamente os riscos a que na sua atividade podem estar submetidos derivam de Caraterísticas do Trabalho, como por exemplo a hipersolicitação ou a dificuldade que percecionam de realizar o que fazem quando forem mais velhos e do Ritmo de Trabalho, nomeadamente, por terem de fazer várias coisas ao mesmo tempo e de se apressarem para cumprir os seus objetivos.

A partir da comparação entre os fisioterapeutas do sexo feminino e masculino, não são encontradas diferenças de monta na avaliação que fazem. Caraterizam as suas condições de trabalho de forma idêntica e genericamente os riscos a que estão expostos parecem ser os mesmos. No entanto, as mulheres revelam incómodo mais elevado com a exposição em todas as componentes de condições e caraterísticas de trabalho, com exceção das associadas ao Ritmo de Trabalho e às Relações Sociais, onde são os homens a referi-lo. Assim, o sexo feminino será mais afetado pelas situações relativas ao Contacto com o Público.

Em relação ao setor profissional parece haver diferenças não somente em relação à exposição a condições e caraterísticas adversas, mas, também, em relação ao incómodo que a exposição provoca. Os fisioterapeutas que trabalham no setor público estão mais expostos do que os do privado, nomeadamente, a situações associadas ao Ambiente

Físico dos seus locais de trabalho, à componente física do seu trabalho e às relações com o público. No privado, parecem ser mais preocupantes as questões do ritmo de trabalho.

A exposição aos riscos a partir das condições de trabalho pode ser predita por diferentes variáveis. Assim, o setor profissional, o género, o estado civil, a idade e a antiguidade estão associados à exposição aos riscos. Parece que trabalhar no setor privado, ser do sexo masculino, ser casado e ser mais velho são variáveis mais protetoras para muitas situações. É, ainda, constatável que os fisioterapeutas mais velhos e com mais antiguidade se encontram no setor público.

Verificámos, ainda, que o trabalho dos fisioterapeutas influencia a sua saúde. A maioria dos fisioterapeutas perceciona a sua saúde como estando afetada pelo trabalho e, de facto, esta perceção está positivamente associada com o maior incómodo que referem para determinadas condições e caraterísticas do trabalho e com um maior número de problemas de saúde que detêm. Da mesma forma, esta perceção é predita pela exposição a determinadas condições de trabalho, no âmbito do Ambiente e Constrangimentos Físicos, do Ritmo e das Caraterísticas de Trabalho.

São os homens e os fisioterapeutas que trabalham no setor público que mais referem que a sua saúde está afetada pelo trabalho

Os problemas de saúde que, os fisioterapeutas, mais referem são as dores de costas e os músculo-esqueléticos. Estes problemas são preditos pelas condições de trabalho a que relatam estar expostos, isto é, uma menor exposição a algumas dessas condições é protetora do aparecimento dos problemas. Variáveis como o género, o setor, a idade e a antiguidade, também, estão associadas de formas diferentes aos problemas de saúde dos fisioterapeutas. As dimensões de saúde mais afetadas, através do NHP, são as reações emocionais, a dor e o sono.

PARTE II: RISCOS PSICOSSOCIAIS E FATORES