• Nenhum resultado encontrado

Trabalho: um processo contraditório expresso na exclusão/inclusão da força de

CAPÍTULO III – O TRABALHO NA PERSPECTIVA DE INCLUSÃO DAS

3.1. Trabalho: um processo contraditório expresso na exclusão/inclusão da força de

Na Constituição Federal de 1988, Art. 193, o trabalho inscreve-se como base da ordem social, a qual tem como objetivo a promoção do bem-estar e da justiça social. Assim sendo, nesta Constituição, o trabalho - ao lado da educação, saúde, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados – é preconizado entre os direitos sociais, tributa-se e equipara-se, portanto, à via para o alcance da cidadania social.

Na formulação marxista, o trabalho, numa forma exclusivamente humana, é a base da atividade econômica, e é mediante a sua realização, em interação com a natureza, que são obtidos produtos para a satisfação material das necessidades humanas, “condição natural eterna da vida humana” (Marx, 1980, p.208). Todavia, nesse processo, o homem transforma concomitantemente a si mesmo, como ser humano e social, embora o ser social não se reduza ao trabalho, conforme refletimos no capítulo I.

Dos enunciados precedentes, abstrai-se que o trabalho inscreve-se, aparentemente, como base para fenômenos distintos, um de natureza social e outro econômico, porém ambos convergindo para o mesmo fim: o atendimento das necessidades humanas e a constituição do ser social, cujo alcance indica a manutenção e reprodução humana.

Contudo, as formulações acerca do modo de produção capitalista empreendidas por Marx possibilitam-nos compreender que o aspecto econômico é indissociável do aspecto social, e mais, dos aspectos jurídicos, políticos e ideológicos. Para este autor, existe uma interpenetração entre eles, todos os aspectos estão assentados sob a mesma base econômica, conforme o próprio Marx nos esclarece:

Na produção material da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social,

político e espiritual. (...) Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez (1978, p.129).

Ademais, a mesma matriz teórica indica que, historicamente, o trabalho assume conformações distintas, consoantes ao modo de produção dominante em cada formação social. Para o que interessa neste estudo, analisaremos o trabalho na sociedade capitalista, cuja característica central é a exploração do trabalho fundamentada na extração da mais-valia, obtida pelo tempo de trabalho excedente e intensificação do ritmo de trabalho.

Como nos reportamos no Capítulo 1, a exploração do capital orienta-se pela busca desenfreada de lucro, razão de existência da produção capitalista. O lucro é alcançado na esfera da produção, oriundo de um acréscimo de valor, materializado em mercadoria, concretizado quando o capitalista obtém mais dinheiro do que aquele empregado no início da produção, cujo valor é determinado pela quantidade de trabalho utilizado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua realização. Tal lucro é chamado de mais- valia.

A mais-valia resulta da relação entre trabalho necessário e trabalho excedente. O processo de produção de mais-valia efetiva-se quando o capitalista, para a produção de mercadorias, investe dinheiro em outras mercadorias: meios de produção (instalações, máquinas, equipamentos, matérias primas, insumos) e força de trabalho humano, e dela extrai mais valor, mediante trabalho excedente. Estas mercadorias, porém, participam do processo de forma distinta, consoante as suas especificidades. A mercadoria meios de produção é adquirida por um valor, determinado pelo tempo pretérito de trabalho socialmente necessário, e esse valor não cria novos valores, somente transfere o seu valor à mercadoria produzida. Essa invariabilidade de valor denomina-se capital constante. O valor da mercadoria força de trabalho é obtido igualmente ao das demais mercadorias e materializa-se no salário correspondente à sua (re) produção. Entretanto, a força de trabalho humano, ao ser acionada, cria uma identidade própria, gera um valor superior ao que foi desembolsado para a sua aquisição ou, retomando Marx, “o vendedor da força de trabalho, como o de qualquer outra mercadoria, realiza seu valor de troca e aliena seu valor de uso” (MARX, 1980, p.218).

Ao refletirmos sobre a mais-valia, observa-se que a força de trabalho, ao ser utilizada pelo seu comprador, na jornada de trabalho, cria o valor equivalente à sua (re) produção. Esse tempo de trabalho é chamado de tempo necessário. No entanto, a força de trabalho simultaneamente gera um valor excedente através da extensão do tempo necessário à sua

manutenção, o qual é designado de tempo excedente. É desse tempo de trabalho excedente que se extrai a mais-valia, da qual o capitalista se apropria. É, pois, mediante a extração da mais-valia que se concretiza a exploração do trabalho humano.

Segundo Netto e Braz (2006), a exploração dos trabalhadores intensifica-se a partir do advento da organização científica do trabalho iniciada sob o paradigma taylorista, e nós acrescentamos que ela se potencializa com a acumulação flexível, balizada no modelo toyotista. Tal exploração combina a produção de mais-valia absoluta, extraída do prolongamento da jornada de trabalho, com a produção de mais-valia relativa, obtida pela intensificação do ritmo de trabalho. Portanto, o desenvolvimento das forças produtivas contribui simultaneamente para o crescimento da produtividade e para o aumento do tempo de trabalho excedente, resultando na ampliação da mais-valia apropriada pelo capitalista.

Entretanto, como já foi explicitado anteriormente, a lógica que move o modo de produção capitalista é a busca ininterrupta de lucro, requisito indispensável para a sua sobrevivência. Para tanto, parte da mais-valia extraída através da exploração da força de trabalho, no trabalho excedente, é reconvertida em capital, o qual será reaplicado para ampliar a produção de mercadorias. A isto Marx (1984) chama de acumulação de capital.

A acumulação capitalista, na sua dinâmica de auto-reprodução, conduz o capitalista a investir mais capital nos meios de produção do que na força de trabalho. Essa desproporcionalidade de investimento entre estas mercadorias desencadeia como principal conseqüência para os trabalhadores a constituição do exército industrial de reserva, isto é, uma quantidade expressiva de trabalhadores que não encontra compradores para a sua força de trabalho, ou nas palavras de Marx, uma superpopulação relativa, que aparece como sobrante às necessidades de acumulação. Netto e Braz (2006, p.132), apoiando-se na teoria marxiana, ressaltam que “tal exército é componente necessário e constitutivo da dinâmica histórico-concreta do capitalismo. Não há exemplo de economia capitalista sem desemprego: suas taxas podem variar”. Apreende-se, pois, que há uma relação diretamente proporcional entre a reprodução ampliada do capital e a reprodução dos trabalhadores excedentes, na medida em que a taxa de acumulação decresce, a demanda pela força de trabalho também diminui.

Ou, nas palavras do próprio Marx,

A acumulação capitalista produz constantemente – e isso em proporção à sua energia e às suas dimensões – uma população trabalhadora adicional relativamente supérflua ou subsidiária, ao menos no concernente às necessidades de aproveitamento por parte do capital (1984, p.199).

No entanto, a produção capitalista, além da exploração que lhe é imanente, expõe de maneira inconteste um paradoxo fundamental: a produção é social enquanto a riqueza socialmente produzida é apropriada pelos capitalistas. Com efeito, a apropriação privada da riqueza, gera a pobreza daqueles que a produziram. Portanto, é lógico deduzir que o processo de criação da riqueza é, contraditoriamente, o mesmo que gera a pobreza. Todavia, da contradição fundamental desdobra-se outra, manifesta na colisão entre as relações sociais de produção e o desenvolvimento das forças produtivas, que aflorou com o desenvolvimento do capitalismo. As relações sociais que antes contribuíram para o desenvolvimento das forças produtivas, inverte-se, e passa, então, a freá-lo. Nesta direção Marx expressa-se:

Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até o fim então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões (1978, p.130).

Essas contradições, associadas à exploração capitalista, têm múltiplas implicações nefastas para os trabalhadores, das quais ressaltamos duas mais agudas, que são: a ampliação da superpopulação relativa e da pauperização, que se expandem em sincronia com o desenvolvimento destrutivo do capital.

Por esse veio teórico, compreende-se porque o capitalismo na contemporaneidade detém um exército industrial de reserva, formado por uma população de desempregados, subempregados e de trabalhadores precarizados com percentuais tão elevados como dantes nunca se registrou na história humana, atingindo, na década de 1990, 6% e 7%, correspondendo, conforme a OIT, a mais de 800 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, ao observarmos um estudo da Região Sudeste e outro da Região Nordeste, evidencia-se, segundo o DIEESE, que em 2005 a taxa de desemprego aberto oscilou entre 20,6% em São Paulo e 20,7% no Recife. Contraditoriamente, explicita-se o crescimento exponencial de riqueza nas mãos de uma minoria que, conforme Netto (2006), está concentrada nas mãos de 447 bilionários, o equivalente à renda da metade mais pobre da população mundial, cerca de 2,8 bilhões de pessoas vivendo na pobreza. Esse quadro desolador e inquietante Marx já resenhava há mais de um século.

Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva do seu trabalho, tanto maior o exército

industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza. [...] Quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército de reserva, tanto maior o pauperismo oficial (1984, p. 209)

As formulações precedentes revelam e reiteram a importância do trabalho na vida humana, embora no decorrer do tempo tenha sido alvo de transformações e, sob certas formações sociais, de forma mais intensa no capitalismo, tenha se distanciado e desvirtuado para muitos homens e mulheres daquilo que é sua razão de existir, satisfação de necessidades humanas, dada a exploração e contradições que lhes são próprias, acarretando desemprego e pobreza, as quais se intensificam quando não se obtém trabalho. Portanto, o trabalho reafirma- se como condição imprescindível à (re) produção humana.

Ora, se se concebe o trabalho como alicerce para o alcance de todos os bens materiais e espirituais, o primeiro questionamento que daí advém é: como fazer valer esse direito, juridicamente garantido, numa conjuntura adversa ao emprego? Segundo, a sociedade capitalista tem como característica dispor de um contingente de força de trabalho sobrante como parte constitutiva dessa dinâmica. Partindo dessa premissa, por que a legislação estabelece o trabalho como direito que deve ser acessado por todos? Como se configura a cidadania dos que estão desempregados na sociedade burguesa?

Historicamente, as pessoas com deficiência constituem-se, pela sua condição, parte da população sobrante, conforme confirmam os registros efetuados no Capítulo II. No Brasil, apenas 2,05% das pessoas com deficiência em idade economicamente ativa e em condições de trabalho encontram-se inseridas no mercado de trabalho. A exclusão relaciona-se à condição de ser deficiente, associada a estigmas (discriminação, preconceito), baixa qualificação, e a suposta baixa produtividade, como pode ser observado nas seguintes falas:

Eu acho que existe preconceito, as barreiras são muito grande, porque a gente não pode trabalhar por exemplo, no comércio, tem que ter a compreensão do patrão pra ser admitido. Eu sofri isso na pele, passei na seleção das casas pernambucanas, mas quando eu me apresentei para fazer a entrevista fui discriminado, mas de uma forma sem me magoar. Vamos esperar, você vai ser chamado, aguarde, aquele empurrando com a barriga como diz o ditado popular, né? (SIC, ANTONIO).

Na fala do sr. Emanuel evidenciam-se as dificuldades relacionadas à baixa qualificação e à baixa de produtividade decorrente da deficiência. Ele assim se expressa:

Para ser operador de máquina a pessoa tem que ter o 2º, eu não tenho. Reconheço que eu não dava pra essa função porque meu grau de estudo é

pouco. Eu tenho um problema de deficiência na mão, eu não tenho condição de ficar subindo e descendo, levando uma coisa, tem as máquinas para subir, lá é alto e só com uma mão, praticamente eu não tenho força nessa mão e, isso tudo atrasa, né, nem que eu não queira (SIC, EMANUEL).

As considerações anteriores são suficientes para inferirmos que o trabalho na sociedade capitalista constitui um processo contraditório, porque os mesmos mecanismos que incluem a força de trabalho humano são também os mesmos que excluem uma quantidade significativa de trabalhadores do processo de trabalho. Todavia, tal contradição não anula a centralidade do trabalho para a constituição do ser social.

No item seguinte, esboçaremos a percepção que as pessoas com deficiência têm acerca do processo de inclusão no mercado de trabalho.

3.2 Percepção das Pessoas com Deficiência no Processo de Inclusão no Mercado

Documentos relacionados