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Atividades Produtivas

2. AS TEORIAS SOBRE REDES

2.1.2 Tradução dentro do conceito da TA-R

Em nossa pesquisa exploratória a respeito da TA-R, muitas vezes observamos que a mesma é referenciada como sinônimo ou como sendo a própria Sociologia da Tradução. Um dos textos mais importantes sobre a sociologia da tradução é o estudo realizado sobre o estabelecimento de relações de poder em uma comunidade de pescadores na Baía Saint Brieuc, França, onde três biólogos marinhos tentaram desenvolver uma estratégia de conservação de vieiras (CALLON, 1986).

Callon (1986) ao estudar o trabalho de cientistas na criação de vieiras no sul da França buscou explicitar o processo de negociação e consenso que surgiu entre os diversos atores da pesquisa, entre eles cientistas, pescadores e as próprias vieiras (elemento não-humano). Tal trabalho apresentou os conceitos de Tradução, Ponto de Passagem Obrigatório (PPO) e Simetria generalizada.

De acordo com nossa pesquisa exploratória a respeito do tema, a sociologia da tradução pressupõe três princípios metodológicos básicos, quais sejam: i) agnosticismo: explicado como sendo o aspecto relacionado a imparcialidade do observador com relação aos atores engajados na controvérsia, ou no objeto de pesquisa/estudo. Não deve haver nenhum tipo de privilégio a nenhum ponto de vista em particular; ii) simetria generalizada: entendida como sendo a parte referente ao comprometimento do observador na busca em explicar os pontos de vista conflitantes nos mesmos termos. Requer o uso de um único repertório para descrevê-los. Os atores, tanto humanos como não-humanos devem ser tratados da mesma forma; e iii) livre associação: refere-se ao fato do observador precisar abandonar todas as distinções pré-estabelecidas entre os fenômenos naturais e sociais. Ele deve rejeitar a hipótese de uma fronteira definitiva que separa os dois elementos.

32 Para Callon (1987), a tradução é um mecanismo de convergência entre os diversos elementos heterogêneos (humanos, não-humanos, econômicos, políticos, etc.) em uma rede sociotécnica.

A tradução também é entendida como a mobilização de atores em torno de um objetivo comum, o Ponto de Passagem Obrigatório (PPO), o qual estabelece a ligação na rede de atores. Callon observa que os cientistas estabeleceram um PPO e formularam identidades para os pescadores, vieiras e comunidade científica, tornando-se, portanto, porta-vozes desses grupos. Esse é um aspecto também presente na estratégia negocial DRS do BB. A ideia da rede DRS é levar todos os atores/parceiros, através da fase de sensibilização, a “abraçarem” a mesma causa, o mesmo objetivo em comum a ser perseguido, alcançado.

Para Callon (1987)os processos de tradução estão divididos em quatro etapas: 1. Processo de problematização: que envolve a identificação dos atores e estes buscam se tornar indispensáveis aos outros através da definição de problemas e sugerem que estes sejam superados por meio de PPO. Nessa etapa, o ator central define um problema de tal forma que os outros reconhecem este problema como sendo deles também e começa a haver uma tentativa de se encontrar uma proposta para resolvê-lo. Procura também definir identidades, os objetivos e as necessidades. Em outras palavras, o ator central define um PPO pelo qual todos tem de passar para satisfazer seus interesses;

2. Processo de atração (ou interessamento ou persuasão): é a etapa que se configura em uma série de processos através dos quais os atores buscam “aprisionar”, reter, outros atores em seus respectivos papéis propostos. Esta etapa engloba o mapeamento das preferências e alianças dos atores e suas possíveis ligações com o PPO. É nesse momento que o ator central busca convencer os demais atores definidos na etapa anterior a aceitar a sua visão do problema. Para isso, o ator central se vale de vários artifícios (negociações) visando manter a participação dos demais atores e então, construir uma aliança. Os atores nem sempre participam diretamente das negociações, mas sim os seus porta-vozes ou representantes. Para exemplificar melhor: um fornecedor de produtos relacionados a Tecnologia de Informação (TI) fala em nome de um sistema, e o sindicato dos produtores rurais fala em nome dos produtores/proprietários de terras. Porém, é de se esperar que não haja garantia de que os atores (sistema ou produtores rurais) irão necessariamente agir conforme os acordos fechados pelos seus porta-vozes. Este fenômeno é conhecido na literatura sobre a Sociologia da Tradução como “traição”.

33 3. Processo de envolvimento (ou engajamento ou alistamento): é a etapa onde ocorre uma sucessão de estratégias a partir das quais os atores buscam definir e inter-relacionar os vários papéis que foram designados aos demais. Esse processo tenta evitar possíveis desacordos e assim permitir a construção de um sistema de alianças estáveis, identificados por Granovetter como sendo os “laços fortes”. Essa etapa envolve as negociações para eventuais alterações das preferências dos atores da rede na direção do PPO. Essa etapa só irá ocorrer se a anterior tiver obtido êxito. Nesta etapa os papéis são definidos e aceitos pelos atores. Contudo, como o envolvimento não é necessariamente definitivo, pode ocorrer também nesta etapa o que já nos referimos anteriormente, ou seja, a “traição” de um aliado (ator alistado).

4. Processo de mobilização: é a etapa onde se percebe o uso de uma sequência de métodos utilizados pelos atores para garantir que o porta-voz por eles nomeado seja capaz de representar a coletividade, sem riscos de traição em período subsequente. Engloba as ações dos atores para que o objetivo seja alcançado. É aqui que a rede “transforma” os atores em entidades representativas do interesse coletivo e leva a designação de porta-vozes oficiais. Estes representantes mobilizam os atores tornando as suas proposições aceitas e indiscutíveis. Muitas vezes, como parte do processo de mobilização, ocorre a “inscrição”, isto é, uma vez alcançado o acordo entre os atores, este compromisso precisa ser registrado socialmente através de uma inscrição. Como exemplo de “inscrição” podemos citar a criação de textos (criação de um manual de rotinas a serem observadas) ou artefatos técnicos (como sistema informática para acompanhar o processo de produção de leite nas propriedades rurais).

Portanto, a tradução ocorre quando os atores/parceiros passam por essas quatro etapas e alternam suas preferências para o PPO, criando uma unicidade de objetivos o qual será posteriormente inscrito em artefatos materiais.

A nosso ver, a tradução não se configura como sendo um conceito funcionalista, haja visto que a tradução não é perene. Assim, as tensões que ocorrem entre os diversos e diferentes atores/parceiros podem levar ao desfazimento da rede que havia sido previamente estabelecida. Isto é, segundo Callon (1986), o PPO inicialmente estabelecido pode não mais atrair os interesses dos atores e a rede sofrer um processo de descontinuidade.

Já na visão de Latour a tradução corresponde à “interpretação dada pelos construtores de fatos aos seus interesses e aos das pessoas que eles alistam” (LATOUR, 2000, p.178). Tradução (ou translação) de interesses significa adaptar o objeto de tal maneira que ele atenda aos interesses explícitos dessas pessoas, cedendo e deixando-se alistar por elas,

34 deslocando-se do interesse explícito, fazendo desvios de rota e tornando-os invisíveis de tal forma que o grupo alistado ainda acredite estar percorrendo uma linha reta (sem abandonar seus próprios interesses), remanejando e deslocando interesses e objetivos e inventando novos grupos, associando-os a novos e inesperados aliados. Nesse ponto podemos fazer um paralelo com a teoria de Granovetter a respeito da força dos laços fracos. Segundo Granovetter (2000), são os laços fracos que permitem que o conhecimento flua para outras redes. São os atores/parceiros que constituem os laços “fracos” os responsáveis por retransmitir o conhecimento para outras redes que eventualmente participem (família, escola, trabalho, etc.).

Latour atenta também para duas formas de interpretação da palavra tradução. Do ponto de vista linguístico, traduzir significa transpor de uma língua para outra e, no sentido geométrico, significa transpor de um lugar para outro. Assim, “transladar interesses significa, ao mesmo tempo, oferecer novas interpretações desses interesses e canalizar as pessoas para direções diferentes” (LATOUR, 2000, p.194).

Em função do exposto podemos dizer que o conceito de tradução é um elemento se suma importância com vistas ao entendimento da TA-R. Resumidamente podemos dizer que traduzir significa, principalmente, atribuir a um elemento de uma rede de atores/parceiros “uma identidade, interesses, um papel a ser representado, um curso de ação a ser seguido e um projeto a ser posto em prática” (CALLON, 1986, p.24).

Ao abordar os métodos de tradução, Latour destaca a figura do porta-voz. Para o autor o porta-voz é um agente indispensável para o desenvolvimento de uma tradução bem sucedida. Este agente “é aquele que fala em lugar do que não fala” (LATOUR, 2000, p.119). Em síntese, é este o ator da rede que representa os interesses de seus pares, sendo, portanto, a voz de um grupo.

Latour nos trás ainda outra contribuição importante. A questão das modalidades positivas e modalidades negativas. O sociólogo francês faz uma diferenciação entre modalidades positivas (sentenças que afastam o artefato de sua condição de produção) e modalidades negativas (argumentos que conduzem o artefato para sua condição de produzido). Tais modalidades não se situam apenas no campo da política, mas no campo do tecnológico também. São processos de tradução.