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2.1 CONTEXTO DA BIOENERGIA NO PAÍS

2.1.4 Trajetória da produção e o mercado de etanol

O marco da produção de etanol no Brasil vincula-se o contexto da Guerra de Yom Kippur, em outubro de 1973, quando o panorama mundial do petróleo muda de maneira drástica. Trata-se de um conflito entre israelenses e árabes, que buscavam recuperar territórios perdidos por Israel durante a Guerra dos Seis Dias em 1967, e ao mesmo tempo chamar a

atenção do Ocidente para a situação dos povos árabes. Entre suas implicações, decorreu ao primeiro embate do petróleo, devido à desafronta dos países árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) frente à ajuda e apoio norte-americano a Israel (ROEHR, 2001).

Com o término da guerra o mundo necessitava adaptar-se, pois o barril de petróleo aumentara 300 %. Este episódio teve função central para a detonação de uma crise econômica mundial e foi um marco na historia do século XX. A partir desse período, a reflexão do mundo sobre a questão energética foi decisiva e medidas foram adotadas por vários países para conter a dependência da importação do petróleo.

Com a significativa mudança, o interesse mundial por outras fontes de energia ressurgiu e levou diversos países a buscarem soluções mais adequadas, às peculiaridades nacionais (BERTELLI, 2007).Assim, o mercado de etanol combustível se tornou mais forte e resistente.

Posteriormente ao Primeiro Choque do Petróleo, veio à discussão a questão energética, consolidada nas inquietações com segurança de suprimento de combustíveis e seguida dos desdobramentos macroeconômicos, como impacto inflacionário e déficits no balanço de pagamentos (YERGIN, 1992). Nesse cenário, criou-se o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), no ano de 1975, que primeiramente concretizou a política de incentivos ao etanol e elevou progressivamente o teor de mistura na gasolina (LEITE, 1997).

Na segunda etapa do programa Proálcool, entre os anos de 1979 e 1985, posteriormente o Segundo do Choque do Petróleo, com a ampliação de motores movidos excepcionalmente a etanol hidratado (graduação alcoólica de aproximadamente 95%) e a concepção de mecanismos causadores de incitação à compra de veículos providos desta tecnologia, bem como à produção e ao consumo de etanol, ocorreu um amplo crescimento do consumo de etanol (SHIKIDA; BACHA, 1999). A partir desse período, destaca-se o etanol sob a ótica econômica da demanda, não como um bem complementar à gasolina, mas sim um bem substituto.

Um conjunto de condições adversas, como a diminuição da base governamental ao Programa, na segunda metade da década de 1980 e o progresso da produção nacional de petróleo, minou a confiança dos agentes econômicos e desencadeou uma crise de desabastecimento de etanol entre os anos de 1989 e 1990. Em resposta, a adição compulsiva de anidro sofreu seguidas reduções, chegando até mesmo a ser completada por etanol importados e mistura com metanol durante aquela época (PARRO, 1996). Destaca-se que nos

anos seguintes, as vendas de veículos movimentados pelo etanol caíram sensivelmente, implicando numa diminuição gradual do consumo de hidratado (SHIKIDA; BACHA, 1999).

No ano de 2003 foi implantada a tecnologia bicombustível, chamada flex, na frota brasileira, que permite o abastecimento com etanol hidratado ou gasolina C ou qualquer mistura de ambos. A produção desses veículos foi incentivada pelo enquadramento do motor flex no grupo de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) reduzido, um ano antes (TEIXEIRA, 2005). Também é importante destacar a redução da alíquota de Impostos sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pelo Estado de São Paulo incidente sobre o etanol hidratado, de 25% para 12%, em 2003 (COSTA; GUILHOTO, 2011).

Os veículos “flexíveis” tiveram grande aceitação e as vendas desses modelos impulsionaram a alteração gradativa do perfil da frota. A partir do ano de 2007, aproximadamente 90% dos veículos leves novos vendidos possuem a nova tecnologia (ANFAVEA, 2011).

Entre os anos de 2003 a 2009, devido a condições favoráveis de oferta e preço de etanol, o consumo de etanol hidratado quintuplicou. Entretanto, nos três anos que se seguiram as condições de mercado transformaram-se radicalmente e a liberdade dada ao consumidor pela nova tecnologia, desta vez provocou compressão de 40% no consumo de etanol hidratado. Em resposta, entre os anos de 2009 e 2012 as vendas de gasolina C cresceram acentuadamente. Outro fato digno de nota é o progresso do consumo total dos dois combustíveis: entre o período de 2003 e 2013, a soma mais que duplicou o que representa um crescimento de mais de 7% médio anual (ANP, 2007). Na figura 5 observa-se a evolução da produção mundial de etanol entre os anos de 2000 a 2012.

Figura 5 - Evolução da produção mundial de etanol entre os anos de 2000 a 2012

Fonte: ÚNICA (2012a).

O etanol originário a partir de biomassas agrícolas, também pode ser obtido por meio de materiais celulósicos, resíduos agrícolas e do primeiro ciclo de aquisição do etanol. O etanol resultante do material celulósico é chamado de etanol de segunda geração, o qual pode ser produzido por um processo enzimático ou de hidrólise ácida, semelhante ao usado com matérias amiláceas. Entretanto, para obter o etanol de segunda geração são utilizadas enzimas do milho, por exemplo. Assim estudos são realizados para diminuir os custos das enzimas, e tornar viável a produção de etanol (BENSUSSAN, 2008).

No Brasil existem 441 unidades de produção de cana-de-açúcar, onde 153 produzem exclusivamente etanol, outras 268 produzem misto de etanol e açúcar, as demais fabricam apenas açúcar. No Centro-Sul do país é que está centralizada a produção de etanol, que conta com 354 da totalidade das usinas instaladas no Brasil. O maior número de usinas em operação está localizado no estado de São Paulo, sendo 190 unidades (CNI, 2012). A figura 6 demonstra a concentração das usinas produtoras de etanol no Brasil.

Figura 6 - Concentração das usinas produtoras de etanol no Brasil

Fonte: ANP (2014)

O quadro 4 ilustra a produção e exportações de etanol dos cinco maiores produtores mundiais e totais mundiais exportado, em 2012, em mil m³.

Quadro 4 - Cinco maiores produtores de etanol em 2012

Produção (mil m³) % do total Exportações (mil m³)

Estados Unidos 50.346 61,1% 2.807 Brasil 21.111 25,6% 3.055 Europa 4.312 5,2% Nada Ásia 3.604 4,4% Nada Canadá 1.750 2,1% Nada Total mundial 82.416

Fonte: RFA (2014), EIA (2014) e MDIC (2014).

Apesar do etanol se constituir de um produto relativamente homogêneo quanto à qualidade, existem diferenças a serem notadas nos processos produtivos dos dois países. O etanol no Brasil é produzido especialmente com base na cana-de-açúcar, já nos EUA o etanol é produzido a partir do milho. Essa distinção acaba afetando a produção, a rentabilidade

energética e as reduções de emissões de gases de efeito estufa (GEE) durante o ciclo de vida, diante da substituição dos combustíveis fósseis (WANG et al, 2012).

No Brasil a produção de etanol em sua maioria é obtida por meio do processamento da cana-de-açúcar. Para aquisição de etanol é preciso ajustar a matéria-prima orgânica com os processos de conversão de energia. Assim, a partir da produção agrícola o etanol pode ser produzido, bem como o uso de vários resíduos. As matérias primas devem conter o insumo básico para a produção e pode ser dividida em três categorias: açúcares, amidos e lignocelulósico.

Osaçúcaressão localizados na cana de açúcar, na beterraba, no sorgo, no melaço entre outros, e podem ser transformados em etanol após procedimento de fermentação e de destilação. Já os amidos são encontrados nos grãos tais como: milho, cevada, trigo e arroz. Os amidos ainda podem estar presentes em tubérculos como batata, mandioca e batata-doce. Portanto, os materiais de origem lignocelulósico são geralmente resíduos florestais, resíduos da cana-de-açúcar, como o bagaço resultado do processo de produção do etanol. Assim, destaca-se que cada cultura agrícola apresenta certo rendimento de etanol por tonelada produzida (SCHUTZ, 2013). Desta forma, a partir de várias fontes foi possível obter subsídios acerca do rendimento do etanol por tonelada produzida de uma série de culturas agrícolas.

Quadro 5 - Rendimento de etanol de diversas matérias-primas

Cultura Rendimento etanol litros

tonelada-1

Referência Localidade

Cana-de-Açúcar 63 Leal et al. (2008) NI

Cana-de-Açúcar 90 Sobrinho (2012) Mato Grosso

Cana-de-Açúcar 80 Magalhães (2007) Tocantins

Cana-de-Açúcar 72 Rosado Júnior, Coelho, Feil (2008) RS

Milho 348 Leal et al. (2008) NI

Milho 345-395 Sobrinho (2012) Mato Grosso

Milho 350 MSW Capital (2011) Média

Nacional

Milho 400 MSW Capital (2011) EUA

Batata-doce 129 Leal et al. (2008) NI

Batata-doce 170 Magalhães (2007) Tocantins

Batata-doce 165 Rosado Júnior, Coelho, Feil (2008) RS

Sorgo Sacarino 58,6 Lima, Santos, Garcia (2011) Goiás

Sorgo Sacarino 62 Rosado Júnior, Coelho, Feil (2008) RS

Beterraba 92 Leal et al. (2008) NI

Trigo 356 Leal et al. (2008) NI

Batata 94 Leal et al. (2008) NI

Tupinambur 82 Leal et al. (2008) NI

Nota: NI (Não Informado)

O quadro 5 demonstra informações de oito plantas, das quais pode se obter etanol, evidenciando que o rendimento varia entre as culturas e entre as localidades. Para a cana de açúcar, o rendimento varia de 63l a 90l t ha-1. O milho também apresenta rendimentos variados. Nos EUA o rendimento do etanol por tonelada de milho é, em média de 400 L t-1, já no Brasil este rendimento fica em torno de 350 L t-1. A variedade de culturas para a aquisição de etanol atribui uma série de possibilidades que podem ser consideradas do ponto de vista da disponibilidade de matéria-prima localizada em cada região (MACHADO, 2010).

Percebe-se que, existe uma ampla multiplicidade de matérias-primas para serem transformadas em etanol. Entretanto, algumas se sobressaem no mercado, como a cana-de- açúcar e a beterraba. O milho e o trigo são os amidos que se destacam na comercialização. Para insumos lignoceulósicos, estudos estão sendo realizados para tornar sua produção viável (MACHADO, 2010).

Pesquisas da Food and Agriculture Organization (FAO), revelam que no ano de 2010 o mundo produziu 1,7 bilhões de toneladas de cana-de-açúcar, e a cultura do milho vem ocupando o segundo lugar com uma produção aproximada de 840 milhões de toneladas, menos da metade da cana-de-açúcar. A cultura da soja surge na sexta posição com uma produção de quase 265 milhões de toneladas. Já o sorgo destaca-se entre as 25 maiores culturas mundiais com uma produção aproximada de 56 milhões de toneladas. O Brasil é o país que mais produz cana-de-açúcar. Estimativas demonstram que, em 2010 o país produziu 717 milhões de toneladas, correspondendo por quase 42% da produção mundial desta cultura. A produção dos outros nove maiores produtores mundiais não excede a produção do Brasil, aproximando-se com somente 701 milhões de toneladas produzidas na mesma época (FAO, 2012).

O interesse mundial pelos biocombustíveis, especialmente pelo etanol, tem provocado inúmeras discussões em vários países em relação ao uso da terra e de energia. Essa discussão no Brasil se estende por anos, desde a implantação do Programa Proálcool na década de 70, pois dizia-se que a produção de cana-de-açúcar poderia destruir o meio ambiente e agravar o problema da fome no país. Passaram-se anos e esse debate se mostrou insustentável, pois a região Centro-Sul do Brasil uma das mais produtoras de cana, tornou-se um importante produtor de grãos, carne e açúcar (SZWARC, 2014).

Diante disso, muitos especialistas entendem que o problema da fome está ligado ao desemprego, a dificuldades de comprar alimentos devido aos baixos salários, e não com a produção de etanol utilizando como matéria-prima alguns alimentos. As críticas à expansão do etanol no Brasil, geralmente baseiam-se em condições de outros países e sem

conhecimento da realidade nacional. Dentre os aspectos positivos, relativos à dimensão ambiental, destaca-se o fato de que a cana-de-açúcar, matéria-prima utilizada na produção de etanol, dispensa irrigação e não afeta biomas e florestas protegidos, mesmo porque nenhuma legislação o permitiria (SZWARC, 2014).

Szwarc (2014) defende que o Brasil é um país que apresenta uma significativa área de terras agricultáveis que pode sustentar a produção de alimentos e a de etanol, preservando o meio ambiente. Além disso, ressalta-se a importância da inserção do etanol como fonte na matriz energética, pois o mesmo possibilita a diminuição da emissão de CO2 proveniente de combustíveis fósseise gera benefícios ambientais.

A cana-de-açúcar no Brasil é a matéria-prima mais utilizada para a produção de etanol. Contudo, o país vem fazendo experiências para produzir etanol a partir de outras culturas, como cereais (milho, sorgo granífero). Assim, o sorgo sacarino também vem sendo testado para produção de etanol, sendo este plantado na entressafra da cana-de-açúcar, procurando abastecer o mercado no ano inteiro (FAO, 2012).