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2. EJA E O ENSINO DE HISTÓRIA

2.1. A Educação de Jovens e Adultos no Brasil e em Uberlândia-MG

2.1.1. Trajetória histórica da EJA no cenário educacional brasileiro (1934-2017)

Em uma sociedade, a função das leis é, de forma conceitual, controlar os comportamentos e ações dos indivíduos de acordo com os princípios daquela sociedade. Mas, por trás disso, elas também são consequência do exercício da cidadania, das lutas e dos movimentos sociais, do diálogo com os indivíduos, que buscam, por meio das legislações, tanto preservar quanto transformar certas normas sociais:

Toda a legislação possui atrás de si uma história do ponto de vista social. As disposições legais não são apenas um exercício dos legisladores. Estes, junto com o caráter próprio da representatividade parlamentar, expressam a multiplicidade das forças sociais. Por isso mesmo, as leis são também expressão de conflitos histórico-sociais. Nesse sentido, as leis podem fazer avançar ou não um estatuto que se dirija ao bem coletivo. A aplicabilidade das leis, por sua vez, depende do respeito, da adesão e da cobrança aos preceitos estabelecidos e, quando for o caso, dos recursos necessários para uma efetivação concreta (BRASIL, 2000, p. 12).

Nessa perspectiva, para uma melhor compreensão do processo de construção do direito à EJA no Brasil, torna-se necessário situá-la no contexto do direito à educação. Apesar das primeiras iniciativas de uma ação educativa junto ao jovem e adulto serem missionárias e datarem desde os anos iniciais do período colonial, em 1549, discutiremos a história da EJA no século XX, quando são implementadas políticas públicas educacionais nacionais.

Com esse recuo já é possível entender o contexto histórico da EJA, conhecer a legislação, observar as mudanças e as permanências, além da presença da disciplina de História nessas experiências, enfim compreender as transformações pelas quais ela passou e, também, entender suas implicações político-sociais. Portanto, pretendemos apresentar alguns elementos históricos para relembrar alguns ordenamentos legais já extintos e possibilitar o apontamento de temas e problemas que sempre estiveram na base das práticas e projetos relacionados à EJA e de suas diferentes formulações no Brasil.

A Revolução de 1930 marca a reformulação do papel do Estado (antes Província) no Brasil. As mudanças políticas e econômicas, provocadas pelo processo de urbanização e aceleração da industrialização, quando centenas de pessoas migraram do campo para as cidades em busca de melhores condições de vida, trouxeram necessidades até então não consideradas, como a ampliação da escolarização para adolescentes e adultos, a formação mínima da mão de obra do próprio país e a manutenção da ordem social nas cidades. Com isso, os recentes trabalhadores urbanos necessitavam da leitura e da escrita.

No sentido de influenciar as diretrizes governamentais, um grupo de educadores, a exemplo de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, apresentou ao governo e à Nação várias propostas de reforma pedagógica e reforma do ensino por meio de um extenso documento chamado “Manifesto dos Pioneiros de Educação Nova”, que defendia a escola pública obrigatória, gratuita e laica. Assim, o ideal proposto pelo grupo, conforme aponta Carvalho (2010, p. 34), “era que o aluno tivesse voz e desenvolvesse a capacidade de ação, não se limitando a receber o conhecimento, como se fosse uma caixa vazia”.

As ideias dos pioneiros da educação nova exerceram profunda influência no pensamento educacional da época em favor da escola como parte de uma sociedade democrática, de modo que a tendência ao fortalecimento e à mudança do papel do Estado é explicitada, como política de Estado, na Constituição de 1934,23 que reconheceu, pela primeira vez em caráter nacional, “a educação como direito de todos e (que ela) deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos” (art. 149, grifo nosso).

A Constituição, ao se referir no art. 150 ao Plano Nacional de Educação (PNE), diz que ele deve obedecer, entre outros, ao princípio da educação primária, gratuita e de frequência obrigatória para todas as crianças, extensiva aos adultos (§ único, a). Isso demonstra que o legislador teve a intenção de declarar expressamente que o “todos” do art. 149 inclui os adultos do art. 150 e estende a eles o estatuto da gratuidade e da obrigatoriedade (BRASIL, 2000). Com isso, a Constituição consolidou o sistema público de ensino, extensivo aos adultos, ocorrendo, consequentemente, experiências significativas na área. Aqui ficam claras a obrigação e responsabilidade do Estado pela educação básica.

Nos aspectos educacionais, a nova Constituição propôs um Plano Nacional de Educação, fixado, coordenado e fiscalizado pelo governo federal, determinando de maneira clara as esferas de competência da União, dos estados e municípios em matéria educacional: vinculou constitucionalmente uma receita para a manutenção e o desenvolvimento do ensino; reafirmou o direito de todos e o dever do Estado para com a educação; estabeleceu uma

série de medidas que vieram confirmar este movimento de entregar e cobrar do setor público a responsabilidade pela manutenção e pelo desenvolvimento da educação (HADDAD & DI PIERRO, 2000, p. 110).

Com a nova Constituição, ficou claro o dever da União com relação à educação, sobretudo à educação de adultos, que pela primeira vez era reconhecida e recebia um tratamento particular. E, naquele momento, a receita destinada a União foi dividida entre estados e municípios para que estes a pudessem gerir, reafirmando o dever e a obrigação do poder público com a educação no país. No entanto, na prática, isso não aconteceu, em razão da burocratização do sistema público brasileiro.

Em 1937, em decorrência do golpe de Estado, foi apresentada uma Constituição que instaurou o Estado Novo. A tendência de uma maior democratização social e educacional foi desacelerada na Constituição de 1937, de forma que o Estado, na opinião de Haroldo de Resende (2010), se eximiu da educação pública, assumindo um papel meramente suplementar, descuidando do atendimento educacional aos jovens e adultos.

Assim, frente à mobilidade do país para a modernização e à criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP, o Decreto Federal nº 19.513, de 1945, regulamentou o Fundo Nacional do Ensino Primário – FNEP e determinou que 25% dos recursos de cada auxílio deveriam ser destinados para auxiliar o desenvolvimento do ensino supletivo destinados a adolescentes e adultos analfabetos. No entanto, por priorizar o ensino médio e o universitário e privilegiar as elites dirigentes do país, não houve, então, ensino primário para todos e muito menos educação de adultos não escolarizados.

Com a destituição de Vargas e a importância da democracia política, volta-se ao cenário movimentos sociais e temas culturais reprimidos à força. Um dos momentos de tal retorno foi a Constituição de 1946,24 que reconheceu a educação como direito de todos (art. 166) e também estabeleceu que o ensino primário oficial fosse gratuito para todos (art. 168, II).

Ainda na década de 1940, aconteceram algumas iniciativas políticas e pedagógicas significativas para a educação de adultos, como o lançamento, em 1950, da Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA, que criou uma infraestrutura nos estados e municípios para atender à educação de jovens e adultos, incluindo a elaboração de material didático destinados à eles, bem como a realização de dois eventos essenciais para a área: o I Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1947, e o Seminário Interamericano de Educação de Adultos, em 1949.

No final da década de 1940 e início dos anos 1950, tornava-se uma necessidade promover a educação do povo para acompanhar a fase de desenvolvimento que se instalava no país, face ao crescimento das indústrias. Nesse sentido, como salientam Haddad & Di Pierro (2000), a educação de adultos passava a ser condição primordial para que o Brasil se realizasse como nação desenvolvida. Com os esforços empreendidos pelo Estado para promover uma educação e uma qualificação mínima à força de trabalho, as taxas de analfabetismo das pessoas acima de cinco anos de idade tiveram um decréscimo para 46,7% no ano de 1960 (HADDAD & DI PIERRO, 2000, p. 111).