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3.2 O Professor Universitário e sua Trajetória Docente

3.2.2 Trajetória Pessoal e Profissional

Além dos pontos já levantados, é necessário compreender a trajetória de vida, tanto pessoal quanto profissional, dos professores. É a partir de Ortega e Gasset (1970) que temos a definição de trajetória de vida, como tempo, duração, e, portanto, finitude. Assim, as idades, etapas vão se entrelaçando em uma mesma duração histórica, formando a trajetória pessoal e profissional.

A trajetória pessoal pode ser entendida, segundo Isaia (2003, p. 370), “como o pano de fundo a partir do qual a vida dos professores adquire consistência e significado existencial.” O professor, sujeito em questão, além de ter escolhido essa profissão, desenvolve sua trajetória pessoal, ou seja, além de ser professor é filho, marido, pai, amigo, amante. Dos vários estudos que procuram compreender esse sujeito, optei pela concepção por toda a vida, pois a sucessão dos momentos é que forma o sujeito. Assim sendo, as fases do desenvolvimento pelas quais cada

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pessoa passa, são determinados pelos parâmetros de tempo, espaço e estilo de vida. Também há influência do grupo, pois no seu percurso, cada sujeito interage com todos aqueles que com ele compartilham os mesmos parâmetros geracionais, constituindo uma geração.

A fim de compreender a trajetória pessoal, optei por enfocá-la a partir da abordagem psicossocial de Erikson (1998), que privilegia a interação entre processo psíquico e social, sem desconsiderar que ela advém da teoria freudiana. Erikson (1998) entende que o desenvolvimento humano, do nascimento à morte, é determinado por interações sociais, porém não só por elas, pois o substrato orgânico também é considerado. O indivíduo agindo sobre o meio, modifica-o e vice-versa, privilegia a interação entre processo psíquico e social concebendo o fator psicossocial como aquele capaz de explicar a dinâmica do transcurso existencial. Daí compreende-se o nome da teoria.

Como observado anteriormente, a abordagem ericksoniana, se dá ao longo de etapas, representando as oito idades do homem, desde o nascimento até a velhice. O que determinaria cada uma dessas etapas seria um marco existencial específico que separaria uma da outra. A isso, o autor chamou de crise.

Assim, cada crise possui dois pólos formados por um elemento sintônico que é positivo ou ajustado e por um elemento distônico, que é negativo ou transtorno. Mesmo que o elemento positivo sobreponha-se ao negativo, continua presente, necessitando, assim, de um equilíbrio dinâmico entre ambos.

Sinteticamente, a teoria Ericksoniana, em termos de fases, assim se configura:

1º Estágio Confiança básica x desconfiança básica. Esperança 2º Estágio Autonomia x vergonha e dúvida. Vontade 3º Estágio Iniciativa x culpa. Finalidade 4º Estágio Indústria (destreza ou habilidade) x inferioridade. Competência 5º Estágio Identidade x confusão de identidade. Fidelidade 6º Estágio Intimidade x isolamento. Amor 7º Estágio Generatividade x estagnação. Cuidado 8º Estágio Integridade x desesperança. Sabedoria

(Erikson, 1998)

Para Erickson (1998), a primeira idade caracteriza-se pela confiança básica versus desconfiança básica. A segunda idade caracteriza-se pela autonomia versus vergonha e dúvida. A terceira é a da intimidade versus culpa. A quarta idade é a da indústria entendida como destreza ou habilidade, versus inferioridade. A quinta idade é a da identidade versus confusão de papel. Nessas 5 primeiras fases,

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o sujeito teria consumido seus primeiros 20 anos de vida. Como é quase impossível, no Brasil, antes dos 20 anos, tornar-se professor universitário, já com a graduação concluída, acreditamos que é a partir desta fase que encontraremos professores substitutos na UFSM. Logo, para Erickson (1998), o sujeito estaria na adultez onde mudanças e transformações significativas continuariam a ter lugar, alterando o modo como os adultos e o mundo transacionam, ou seja, influenciando-se mutuamente.

Procurando compreender as demais fases, na sexta idade, segundo Erickson (1998), teríamos a intimidade versus isolamento. É quando o jovem adulto, que emergiu da busca e persistência numa identidade, dispõe-se, agora, a fundi-la com a de outros. Está preparado para a intimidade, isto é, a capacidade de confiar a filiações e associações concretas, e de ser fiel a esses vínculos mesmo que lhes imponham sacrifício e compromissos significativos, tudo acrescido à capacidade do adulto jovem experimentar sua própria vida interior e afiliações concretas de amizade e de amor com outras pessoas. Como pólo oposto, encontra-se o isolamento, caracterizado pela evitação, em especial, de compromissos.

A sétima idade é a da generatividade versus estagnação, correspondendo à idade adulta, etapa esta em que se situam os professores do ensino superior. A generatividade consiste na preocupação do indivíduo em firmar e guiar a nova geração. São sinônimos mais populares de generatividade os conceitos de produtividade e criatividade sexual e social. A generatividade não só entendida como a capacidade de gerar novos seres, produtos e idéias, mas também como autogeração. Ocorre uma necessidade psíquica de sentir-se responsável pelo desenvolvimento de outras pessoas e do seu próprio. Nessa fase, o cuidado é a qualidade em contraposto à resistência do adulto em se comprometer com as obrigações, o que seria a estagnação.

Erickson (1998) comenta, também, a oitava idade onde ocorreria a integridade do ego versus desesperança, que, no caso do professor substituto, normalmente, ele não estaria nesta idade, ainda.

Pela explanação anterior, pude perceber que em cada fase há crises formadas por forças psicossociais, cuja resolução ou não, permite a passagem paulatina de uma para outra. E por que seria um processo psicossocial? Segundo Erickson (1998), por ser um conceito integrador, capaz de explicar a dinâmica do desenvolvimento humano, acrescido ao fato de depender de três processos de organização que se completam entre si. O biológico, que envolve a organização dos

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sistemas orgânicos, o psíquico, que está voltado para a organização da experiência individual mediante o trabalho de síntese elaborado pelo Eu e, o social que é constituído na organização cultural das relações interpessoais.

Até então, foi apresentada a trajetória pessoal. Por ora pretende-se demarcar o entendimento da trajetória profissional que corresponde às diversas gerações pedagógicas, sendo que, em cada instituição teremos vários sujeitos, normalmente com diferentes anos de trabalho. Isaia (2003) entende que a trajetória profissional não é só uma sucessão de gerações, mas principalmente o entrelaçamento de várias gerações pedagógicas em determinado momento histórico. Isso ocorreria pelo percurso dos professores em uma, ou em várias instituições de ensino nas quais estão engajados.

Não tendo a pretensão de abarcar o estudo sobre trajetória profissional, até por que não é esse o objetivo, pois os sujeitos desta pesquisa não conseguem desenvolver essa trajetória, pretendo estabelecer relações entre as idades e os ciclos vitais dos professores e suas características pessoais e profissionais.

As investigações sobre o ciclo vital dos professores defendem, pois, que existem diferentes etapas na vida pessoal e profissional que influenciam o professor como pessoa. Contudo, não significa que todas as etapas são passagens obrigatórias. Existem aspectos ou situações pessoais, profissionais, contextuais que influenciam os professores, e, desse modo, não permitem que as propostas de formação de forma homogênea e padronizada sejam tratadas.

Esse entrelaçamento das dimensões pessoal e profissional denomina-se Trajetória de Formação. Mas o que é trajetória? Ou dever-se-ia dizer trajetórias? O termo trajetória:

pode ser entendido como as porções do tempo que vão se sucedendo ao longo da vida dos professores, representando a explicitação temporal da mesma. Envolve um intrincado processo vivencial que engloba fases da vida e da profissão, compreendendo não apenas o percurso individual de um professor ou grupo de professores, mas uma rede composta de multiplicidade de gerações, muitas vezes entrelaçadas em uma mesma duração histórica (Isaia, 2003, p.370).

Assim, esse conceito objetiva-se a partir do tempo em que sucede a vida do professor. Engloba as fases da vida, próprias de todo ser humano e da profissão. No caso da docência, peculiar a ela. Torna-se impossível quando se fala em trajetória docente definir os limites do pessoal e do profissional. Como nos coloca Nóvoa (1992), é impossível separar o eu profissional do eu pessoal. O professor é a

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pessoa, e uma parte importante da pessoa é o professor. A isso é chamado processo identitário da profissão docente.

O processo identitário dos professores não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. Com certeza é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço da construção da maneira de ser e de estar na profissão. É um processo de construção do sujeito historicamente situado. Daí, a necessidade de enfocar o processo identitário como a maneira como cada um sente e se diz professor. Esse processo passa também pela capacidade de exercermos com autonomia as atividades, pelo sentimento de que cada um controla seu trabalho. A maneira como o ensino está diretamente dependente daquilo que sou como pessoa quando exerço o ensino. Acrescido a isso, o professor que está num dado contexto e num momento histórico, como resposta a necessidades que são postas pelas sociedades, adquirindo estatuto de legalidade. O processo identitário, inclusive, é confirmar aquela maneira na qual obtenho êxito, e refutar aquelas as quais apresentam dificuldades. Obviamente, que, para isso, é necessária muita prática, anos de atividades, os quais, enquanto professor substituto não temos, pois, essa atividade docente é tratada como mercadoria qualquer, substituível a qualquer momento, conforme as exigências do mercado.

Procurando usar uma metáfora para sintetizar as idéias até então expostas, no que se refere à trajetória poderíamos compará-la à coluna vertebral. Esta é formada pelas vértebras e pela espinha dorsal. Comparamos as vértebras com a trajetória profissional, pois cada nova instituição em que ingressamos, auxilia no ser completo em que há de se tornar. Especificamente, com o professor substituto, essa trajetória está capenga, pois sua trajetória é de somente dois anos.

A espinha dorsal, ou seja, o centro da coluna é o lado pessoal do professor. É a partir do referido lado pessoal que o professor é o sujeito que é. O desenvolvimento vai sendo influenciado por toda a vida, mas é na adultez, que as mudanças alterarão o modo como se constitui enquanto pessoa.

Para Nóvoa (1992), a construção de identidades passa sempre por um processo complexo graças ao qual cada um se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional. É um processo que necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças. Como nos coloca Isaia (2003, p. 370), “a identidade profissional é formada por um contínuo que vai desde a fase de opção pela profissão, passando pela formação inicial, até os

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diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola, compreendendo o espaço-tempo em que cada professor continua produzindo sua maneira de ser professor.” Surgem questionamentos: Como é que cada um se torna o professor que é hoje? De que forma a ação pedagógica é influenciada pelas características pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada professor? Há várias respostas, porém, dentre elas, encontramos, segundo Nóvoa (1992), os três AAA que sustentam o processo identitário dos professores, e realça a trama dinâmica que caracteriza a maneira de cada um se sentir e se dizer professor:

A, de Adesão devido a princípios e valores, à adoção de projetos, um investimento positivo nas potencialidades das crianças e jovens.

A, de Ação porque na maneira de agir está o lado pessoal e profissional. Todos sabem que certas técnicas e métodos colam melhor com a nossa maneira de ser do que outros.

A de Autoconsciência porque tudo é decidido no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre sua própria ação. É muito importante, porque a mudança e a inovação pedagógica estão intimamente dependentes deste pensamento reflexivo.

Frente aos 3 AAA, poderia incluir um quarto A para o professor substituto: A, de Ausência, ou seria de Anulação pois, A, de Adesão é inexpressivo visto que o projeto de investir em jovens universitários ainda está encoberto, pois percebe-se que ele ainda está centrado em investir em si próprio. A, de Ação não se concretiza pois quando percebe que essa ou aquela maneira cola melhor, já está fora da universidade e, A, de Autoconsciência do quê? De ser professor negligenciado? De ser esquecido? De ser questionado pelos alunos de sua capacidade? De perceber a precarização das relações de trabalho dos professores substitutos? Da precariedade do vínculo como professor substituto, pois está excluído de projetos de pesquisa e extensão.