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A trajetória do planejamento urbano e da gestão do território na Zona Norte e seus desdobramentos

3 P LANEJAMENTO URBANO E GESTÃO DO TERRITÓRIO NA CONSTRUÇÃO DA Z ONA N ORTE

3.1 A trajetória do planejamento urbano e da gestão do território na Zona Norte e seus desdobramentos

Analisar a construção do território da Zona Norte sob a ótica do planejamento urbano e da gestão do território nos remete a um terceiro conceito, que é o de espaço. Isso porque identificamos um encadeamento destes três conceitos da seguinte forma: enquanto que a gestão do território norteia a organização do espaço, desde a sua gênese à sua transformação (CORRÊA, [19_ _ ], p. 7), este mesmo espaço é a base logística para a realização da gestão do território (DAVIDOVIVH, 1991, p. 16); ao passo que o planejamento urbano é, nesse processo, o instrumento condutor desta gestão, por meio da indução e do ordenamento do espaço urbano por parte do Estado, visando a resolver o conflito da apropriação do espaço urbano, presente na relação capital-trabalho (EGLER, 1994, 74).

Iniciamos então nossa reflexão sobre o processo de produção do espaço, ponderando que este se faz segundo períodos históricos e técnicas distintas, atendendo às necessidades e interesses vigentes da sociedade humana, em momentos igualmente distintos. Nesse sentido, Carlos (1982, p. 105) nos diz que “O espaço geográfico é produzido concomitantemente ao processo de produção da existência humana. Portanto, não é estático, nem acabado, mas uma produção humana ininterrupta”.

Posto que o processo de produção-(re)produção do espaço se dá em consonância ao processo de produção-(re)produção da sociedade, este se faz de forma contínua, pois a sociedade humana evolui, ao longo da história, em técnicas, em formas de organização social e em relações de poder, demandando cada vez mais uma complexa e inacabada construção do espaço ao seu dispor.

A apropriação do espaço, para Carlos (1994, p. 90), se faz segundo duas formas de uso: no sentido da reprodução do capital e no sentido da reprodução da sociedade. No primeiro modo, o uso do espaço se faz por meio da produção, contribuindo para o processo de acumulação do capital – enquanto espaço da produção; já no segundo modo, o uso de espaço se presta à reprodução da sociedade – enquanto espaço do consumo. Dessa forma, o espaço urbano é produzido em sua heterogeneidade, abrangendo as mais diversas formas de produção e apropriação, atendendo a interesses distintos.

Enveredamos por essa reflexão porque o processo de produção do espaço da Zona Norte, sobre o qual incide nossa análise, se fez ao nosso ver, segundo as necessidades e os interesses de (re)produção do espaço urbano da cidade do Natal, subordinado às diversas escalas territoriais, chegando à escala nacional, dentro do projeto de integração nacional pleiteado pelo governo federal. Ressaltando-se ainda que até mesmo o país estava subordinado a uma escala maior, qual seja, ao sistema capitalista mundial, que expandia suas multinacionais aos países subdesenvolvidos, atraídas pela oferta de mão-de-obra, de matéria- prima e de incentivos fiscais que estes ofereciam; em especial, o Brasil. A esse respeito, Rezende (1982, p. 60), ao discorrer sobre o cenário brasileiro no período compreendido entre 1964-1975, afirma que “As empresas internacionais ou multinacionais tendem a incluir o Brasil como local de produção industrial para o mercado mundial. As causas residem no baixo custo dos fatores de produção, principalmente mão-de-obra, além dos incentivos fiscais”.

Analisando o desenvolvimento brasileiro, a autora citada ainda defende que

A estratégia de desenvolvimento se baseia, portanto, nas necessidades do mercado mundial e na expansão das multinacionais no Brasil, acarretando um aumento nas exportações, mas também um sensível aumento de dependência tanto financeira quanto tecnológica (REZENDE, 1982, p. 60).

A construção do território da Zona Norte se insere, portanto, nesse contexto, como resultado da implementação de um modelo de planejamento urbano e de gestão do território,

segundo o qual atores diferenciados, a saber: o Estado, o capital e a sociedade disputam entre si formas de manter sob seu controle o processo de produção e apropriação do referido espaço, desde a sua gênese à atualidade. Muito embora saibamos que essa disputa se caracteriza, principalmente, pela desigual capacidade de barganha da sociedade, resultando na subordinação dos interesses desta aos interesses do Estado e, em especial, aos do capital.

Assim, a formação da Zona Norte se fez em conformidade com a produção capitalista do espaço, sendo este, suporte ao processo de planejamento urbano e à gestão do território, permeado de conflitos e contradições, próprios do espaço capitalista. Ao analisar a produção do espaço pelo capital, Carlos (1994, p. 22) assinala:

O espaço produzido pelo capital fundamenta-se na apropriação privada, que aliena do produtor o produto; nesse sentido, o espaço se produz a partir da sua contradição entre sua produção socializada e a apropriação individual. Essa contradição aparece no uso do solo, pois para viver o indivíduo ocupa determinada parcela do espaço.

A visão defendida pela autora pode ser claramente identificada com a formação do espaço da Zona Norte, em que a sua população passou a ser, ao mesmo tempo, produtora e consumidora do espaço. Enquanto produtora, atendia coletivamente à produção industrial, como força de trabalho; enquanto consumidora, era alocada para um espaço que se formou inicialmente pela predominância da moradia, apresentando carências de infra-estrutura e precárias condições de habitabilidade. Então, enquanto produtora, a população contribuía para a acumulação do capital; já enquanto consumidora, perdia o acesso aos bens produzidos coletivamente na cidade do Natal, pois passou a ocupar uma área carente e quase que ainda inóspita para a população.

A partir do movimento contínuo de produção do espaço geográfico, visando a atender à reprodução da sociedade e do capital, chegamos à reflexão a respeito também da sua (re)produção. Ao que propõe Carlos (1994, p. 34), que para apreendermos o

[...] espaço como produto social e histórico se faz necessário articular dois processos: o de produção e o de reprodução. Enquanto que o primeiro se refere ao processo específico, o segundo considera a acumulação do capital através de sua reprodução, permitindo apreender a divisão do trabalho em seu movimento.

Com base na idéia lançada pela autora, afirmamos que a produção do espaço da Zona Norte se deu a partir da (re)produção do espaço urbano da cidade do Natal. Pois o espaço da Zona Norte vem adquirindo uma heterogeneidade, baseada na diversidade de atividades econômicas ligadas ao setor terciário, oposta àquela da sua estrutura inicial, baseada em atividades rurais, passando em seguida, a apresentar uma homogeneidade residencial, com a expansão dos conjuntos habitacionais.

Para atingir o estágio em que ora se apresenta o espaço da Zona Norte, diversos agentes vêm atuando na sua formação. A referida área passa a abranger o processo de (re)produção do espaço urbano da cidade do Natal, associando um conjunto de atividades ligadas à reprodução do capital: indústria, comércio e serviços; e outras vinculadas à reprodução da sociedade: moradia, equipamentos coletivos, organizações de base etc.

Mas a atual dinâmica sócio-espacial que vem se conformando na Zona Norte, a partir da (re)produção do espaço urbano de Natal, no nosso entendimento, é um reflexo, principalmente, da expansão do setor terciário, dentro do contexto de (re)produção capitalista do espaço urbano. E como próprio do processo de produção do espaço sob a égide do capitalismo, é assim um espaço de conflitos entre grupos sociais, políticos e econômicos.

Nesse contexto conflituoso, fazem-se presentes ações fundamentais como o planejamento urbano e a gestão do território, configuradas como formas de intervenção política, jurídica, econômica, social, ideológica, cultural e filosófica do Estado, do capital e da sociedade civil, no processo de produção do espaço geográfico (CARLOS, 1994, p. 23).

Por ser a expressão concreta da forma como a sociedade se organiza para produzir a sua sobrevivência, o espaço geográfico é permeado de intenções e interesses dos diversos grupos sociais, que disputam entre si a hegemonia nas decisões que norteiam a produção deste espaço. Assim, segundo Castells (1983, p. 146), “O espaço urbano é estruturado, quer dizer, ele não está organizado ao acaso, e os processos sociais que se ligam a ele exprimem, ao especificá-los, os determinismos de cada tipo e de cada período da organização social”. E ainda segundo o autor citado: “O espaço, socialmente falando, assim como o tempo, é uma conjuntura, isto é, uma articulação de práticas históricas concretas” (CASTELLS, 1983, p.

472, grifo do autor).

Assim, o espaço é resultante das ações dos diversos atores que influenciam a sua produção. Estes atores são, no nosso entendimento, o Estado, o capital e a sociedade, enquanto elementos indutores da gestão do território, numa dada configuração sócio-espacial. Nesse sentido, Castells (1983, p. 159) indica os elementos que influenciam na sua produção: “Analisar o espaço enquanto expressão da estrutura social resulta, conseqüentemente, em estudar sua modelagem pelos elementos do sistema econômico, do sistema político e do sistema ideológico, bem como pelas combinações e práticas sociais que decorrem dele”.

Nessa “modelagem” defendida pelo autor, apreendemos a gestão do território, pois no pensamento de Castells, acerca da análise do espaço, este conceito se faz presente nos diversos momentos em que ele faz referência à produção espacial, porque explicita as diversas esferas que concorrem para esse fim: o jurídico, o econômico e o político que, no nosso entendimento, estão representadas pelo Estado, o capital e a sociedade, respectivamente, no referido processo, indicando a incidência de gestão do território.

A respeito do processo de produção do espaço, Castells (1983, p. 264) ainda propõe que “A análise do espaço institucional lembra assim a determinação econômica da estrutura

urbana e introduz à dinâmica social, quer dizer à luta política, que está no centro de toda análise concreta da transformação de uma cidade”.

Encontramos relação entre as idéias defendidas anteriormente e o processo de produção do espaço da Zona Norte, porque este se fez no sentido de atender à instalação do DIN e da política habitacional do SFH. Um espaço em que ocorrem, simultaneamente, o processo de reprodução do capital – por meio da indústria – e o de reprodução da sociedade – por meio da oferta de moradia nos conjuntos habitacionais. Neste processo, a sociedade contribuía tanto para a acumulação do capital, enquanto força de trabalho, criando o espaço da produção; quanto para a sua própria reprodução, por ser consumidora deste mesmo espaço, por meio da moradia, que antes mesmo de exercer a sua função social, exercia a função mercadológica.

O Estado concorreu nesse processo como promotor de benfeitorias, favorecendo o capital, pois tanto a implantação industrial quanto a habitacional foram resultantes de planos governamentais em nível estadual. Mais uma vez, ressaltamos que a ação do Estado se fez em parceria com o capital, visto que beneficiou sobremaneira o setor da indústria, por meio da instalação do DIN e da expansão da construção civil. Isso porque, a atuação da grande indústria no espaço se dá por meio de um sistema de normas, códigos e regras de eficiência, visando ao controle dos recursos humanos e materiais, na relação capital-trabalho (DAVIDOVICH, 1991, p. 15).

Seguindo a reflexão do encadeamento dos três conceitos propostos inicialmente, passamos ao de planejamento urbano, o qual é definido no pensamento de Rezende (1982, p. 23) como “[...] uma intervenção do elemento gestão sobre qualquer dos outros elementos, inclusive ele próprio, ou sobre suas respectivas relações. Algumas vezes a intervenção estatal tem por objetivo equilibrar um desajustamento na produção, outras vezes no consumo”. Vemos assim que produção e consumo aparecem como esferas de ocupação do espaço

urbano, as quais necessitam de regulação por parte do Estado, via planejamento urbano. Isso porque, é na cidade que se concentram os processos de acumulação do capital e de reprodução da força de trabalho.

A esse respeito, ainda é Rezende (1982, p. 19) que nos conduz a refletir que “No modo de produção capitalista, [...] a cidade surge como local de reprodução dos meios de produção, local de reprodução da força de trabalho e, também, fator de acumulação do capital”. É então por meio da relação conflituosa capital/trabalho, em que o produto do trabalho coletivo é apropriado individualmente pelo capital, que o Estado entra em cena para gerir tais conflitos, ordenando o espaço urbano. Assim,

[...] na ânsia de resolver a cidade, o poder público, a quem cabe a gestão do consumo coletivo, opta por ordenar a cidade, disciplinando o aparente caos, pois a nível de espaço a crise urbana aparece como um crescimento não- planejado” (REZENDE, 1982, p. 21).

Mas, para resolver esse “caos” do espaço urbano, “Algumas vezes, os planos agem enfatizando as desigualdades sociais, alocando equipamentos e infra-estrutura em áreas já ocupadas por população de alta renda, aumentando ainda mais o valor da terra no local” (REZENDE, 1982, p. 21). Essa realidade é identificada na (re)produção do espaço urbano da cidade do Natal, quando da sua expansão horizontal nos sentidos norte e sul. Ressaltamos que nesse evento, o Estado criou áreas diferenciadas de implantação da moradia, sendo a primeira designada para a população de baixa renda; enquanto que a segunda, para a população de melhor poder aquisitivo. E esta diferenciação se deu tanto no aspecto moradia quanto na distribuição espacial de equipamentos de infra-estrutura, os quais ainda hoje são insuficientes na Zona Norte.

O modelo de planejamento urbano segundo o qual o espaço da Zona Norte foi concebido não esteve dissociado daquele posto em prática no Brasil. A esse respeito resgatamos o que diz Pontes (1994, p. 25):