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3 O CASO ANALISADO: ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL PARQUE E

3.6 TRAJETÓRIAS E TÁTICAS DE MOBILIZAÇÃO

Para o entrevistado 1, as pressões populares têm o poder de causar mudanças significativas na sociedade, por entender que o poder público só trabalha sob pressão.

A impertinência é um dos caminhos de reivindicação. O que incomoda a coletividade é motivo de luta, esclarecendo a opinião pública sobre trabalhar em prol de seus direitos junto às esferas do poder público, pois as mobilizações populares foram e ainda são uma maneira de exercer a cidadania. Enxergando-se e envolvendo-se como

parte do problema no qual se encontram, não sendo apenas espectadoras passivas, as pessoas que se engajam ativamente nas lutas mobilizadoras desenvolvem uma maior consciência. Consequentemente, um cidadão mais consciente interfere mais nas decisões da cidade. Portanto, a interferência na cidade produz maiores ganhos em diversas áreas, como no lazer, na educação, no projeto urbanístico, dentre outros.

A opinião do entrevistado 1 converge com a de outros autores, que afirmam ser necessário compreender que as mobilizações são constituídas por pessoas que muitas vezes se sentem injustiçadas e compartilham com outros atores essa insatisfação, encontrando nos movimentos a liberdade de poderem manifestar sua opinião, a ponto de organizarem uma mobilização coletiva (TORQUATO et al., 2020).

Scherer-Warren (2006) e Brandão (2011) seguem na mesma linha, apontando que as mobilizações oriundas dos movimentos sociais constituem uma forma, dentre outras, de exercício da cidadania.

Na opinião do entrevistado 3, as mobilizações populares, até os dias de hoje, são uma forma de exercer a cidadania, mas precisam ser bem elaboradas, com ações específicas baseadas em um amplo planejamento, sob o risco de terem seus objetivos frustrados. Para alguns autores, os seres humanos são agentes políticos por natureza e precisam agir de modo colaborativo, articulado e organizado (CALANDINO;

SCÁRDUA; KOBLITZ, 2018).

Conforme o entrevistado 1, decorridos dois anos de funcionamento do aterro, isto é, no ano de 1985, a primeira etapa da mobilização foi a interação que se deu entre os moradores através das diversas reuniões semanais, que eram realizadas na Igreja Católica (veremos essa situação mais adiante), para debater qual seria o caminho e o trajeto a ser percorrido pela mobilização. As reuniões de avaliação das pautas e os encaminhamentos eram efetuados de forma alternada nas casas dos participantes. Dessa maneira, o movimento de mobilização foi construído, uma vez que os moradores entendiam que o local onde se encontrava o aterro sanitário tinha um proprietário (poder público) que não dava uma destinação adequada ao local. A partir da mobilização para o fechamento do aterro, houve uma compreensão maior por parte dos moradores sobre a importância ambiental da região, que não era apenas destinada à produção de árvores de eucaliptos, mas de toda uma fauna e flora que precisavam ser preservadas.

Ainda para o entrevistado 1, a bandeira inicial da mobilização era fechar o aterro. A situação caótica incomodava os moradores e potencializava suas

reivindicações, amadurecendo ainda mais uma conscientização ambiental. A princípio, o objetivo comum entre os participantes era o fechamento em definitivo do aterro, além do cuidado que a sociedade civil e o poder público deveriam ter com o local, uma vez que já existia na ocasião um certo grau de deterioração, devido à emissão dos gases provenientes das atividades do aterro, necessitando de todo um cuidado especial.

O entrevistado citou que o primeiro repertório de atuação foi a realização de um grande abaixo-assinado, com o objetivo de conseguirem o maior número possível de assinaturas, para poderem, junto à PMSP, solicitar o fechamento do aterro sanitário.

Porém, mesmo entregando o abaixo-assinado ao órgão público, essa ação não foi exitosa. A situação ambiental era emergencial do ponto de vista dos moradores, os quais, antes mesmo da deliberação da prefeitura, decidiram fechar as atividades do aterro, acampando em frente ao mesmo e impedindo sua atividade-fim (figuras 9 e 10).

Figura 9 – Acampamento de moradores em frente ao aterro “Lixão”.

Fonte: Acervo da SAL.

Com a negativa da PMSP em relação ao abaixo-assinado elaborado e devidamente protocolado, e somando-se a essa situação a falta de diálogo até então por parte da prefeitura, fazendo com que as partes não entrassem em um acordo, isso levou a mobilização a um enfrentamento sério com a prefeitura, conforme a figura 9.

Moradores insatisfeitos com o funcionamento do aterro sanitário, pertencentes a mais de dez bairros da região, resolveram acampar, desde o dia 13 de setembro de 1985, em frente ao aterro por um período de dezessete dias, por vinte e quatro horas

ininterruptas diariamente, com a finalidade de impedir o funcionamento do mesmo até que a prefeitura desse uma solução ao caso. Para Mochiutti e Guimarães (2018), nunca se pode menosprezar o impacto de uma mobilização popular, principalmente quando, através de seus agentes, consegue atingir setores da sociedade tanto públicos como privados.

Analisando o bloqueio do aterro, segundo Sanche-Pivoto (2019), não importa a quantidade inicial de participantes de qualquer mobilização social; o importante será o corpo que ele irá desenvolver, dependendo dos seus voluntários que se alistam motivados pela causa.

Segundo o entrevistado 3, esse movimento popular não era considerado uma ação político-partidária. Não havia uma manifestação ou representação de filiação ou simpatia política por parte dos moradores na organização do acampamento. Aqueles que possuíam suas preferências político-filosóficas, as tinham de modo subjetivo. Não existia proselitismo político-partidário entre os mobilizados. Todos estavam unidos no objetivo de conseguir o bem-estar comum, o que naquele momento significava o fechamento em definitivo das atividades do aterro sanitário.

Figura 10 – Acampamento em frente ao aterro em 1985

Fonte: Acervo SAL.

A figura 10 mostra a grande mobilização popular desenvolvida com a finalidade de fechar o aterro sanitário, pois para os moradores estava trazendo diversos males para os residentes do entorno do “Lixão”.

Segundo a entrevistada 2, na liderança da mobilização foi eleita uma comissão para representá-la junto à prefeitura, o que era incomum, devido à situação política na ocasião. Entretanto, no dia 30 de setembro de 1985, depois de a comissão ser

recebida e ouvida pelo prefeito Mário Covas, o mesmo decidiu atender à reivindicação e encerrar as atividades do aterro sanitário, comprometendo-se a recuperar o dano ambiental até então causado e fazer a vigilância permanente do local, enquanto os moradores mobilizados estavam acampados em frente ao aterro (anexo A). As mobilizações populares têm a capacidade de trabalhar em várias frentes, atuando em múltiplos territórios (LÜCHMANN; SCHAEFER; NICOLETTI, 2017).

Segundo a entrevistada 2, a realização do bloqueio foi considerada uma tática, um marco para a efetivação do fechamento do aterro. A comunidade se revezava em turnos e trabalhava toda a logística durante os dias acampados. Pesquisas sinalizam que quarenta e dois por cento das manifestações se utilizam de técnicas de bloqueio semelhantes ao caso do aterro sanitário para chamar atenção da sociedade civil em geral e do poder público para a solução de suas demandas (DELL’ANGELO et al., 2021).

Conforme os entrevistados, a mobilização do fechamento do aterro foi original, no sentido de que não se espelhou em nenhum outro movimento. Havia uma liderança ativa composta por pessoas até então anônimas, como a Sra. Norma, pelos membros da família Rocha, pelo Sr. Edgar, Sr. Tomás, Sra. Neide, Sr. Ângelo, dentre outros, muitos originários da área do direito e do magistério e defensores do meio ambiente.

Ainda segundo a entrevistada 2, o perfil dos participantes, entre moradores e ativistas, era bastante diversificado, desde pessoas sem escolarização formal, com formação primária básica, ginasial, colegial, com graduações como geógrafos e professores, principalmente da rede pública etc.

Para o entrevistado 1, a motivação da mobilização foram as consequências danosas produzidas pelo aterro. Após o fechamento do mesmo, surgiu a associação denominada S.O.S Mata do Carmo, formada pelas lideranças e pessoas que participaram da mobilização responsável pelo acampamento que culminou no fechamento do aterro sanitário. Após o resultado exitoso da mobilização e agora com o objetivo de transformar toda aquela área em uma APA, com a participação de pessoas de vários setores que trabalhavam com o meio ambiente, iniciou-se uma nova etapa na mobilização, ou seja, a defesa ambiental em definitivo da região, trabalhando exaustivamente a conscientização ambiental na região (anexos B, C e D).

Uma análise sobre a formação dos membros do grupo revela que mobilizações geralmente são constituídas por diversos atores oriundos das camadas sociais de

uma sociedade, agregando forças para uma determinada mobilização social (SANCHO-PIVOTO, 2019).

Os entrevistados 1 e 4 ressaltam que a mobilização entendia que havia a necessidade de criarem uma instituição como pessoa jurídica constituída para dar enfrentamento nas demandas sobre a criação da APA do Carmo. Nesse sentido, o movimento S.O.S Mata do Carmo distribuiu um documento de sua autoria intitulado

“Luta Continua”, com as preocupações ampliadas, tornando-se uma tarefa difícil para a comunidade participar da organização do espaço público, exigindo uma luta constante, visando o melhor para a população em relação aos interesses dos gestores públicos (anexos B, C e D).

Ainda segundo o entrevistado, o S.O.S Mata do Carmo deixou de ser um movimento e se tornou a pessoa jurídica necessária para dar continuidade à luta pela APA, tornando-se a ONG Sociedade Ambiental Leste (SAL), a qual teria como objetivo defender os interesses pertinentes à APA do Carmo, com foco de atuação na região do Jardim Nossa Senhora do Carmo. Durante a primeira assembleia ordinária de constituição da SAL, um de seus membros decidiu sair do grupo e criar outra ONG, que seria o Movimento em Defesa do Vale do Aricanduva (MDVA), semelhante à SAL, que também trabalharia pela defesa da APA do Carmo, porém com foco na região do Jardim Nove de Julho, no bairro de São Mateus, surgindo então duas frentes com objetivos comuns sobre a região.

Conforme a entrevistada 2, as reuniões com os moradores também foram realizadas nos salões das igrejas ou no interior dos próprios templos. Aqueles eram os locais onde os moradores da região do Vale do Aricanduva discutiam assuntos que até então, devido ao cenário político à época, podiam ser considerados subversivos.

Os padres eram considerados muito politizados e engajados em temas sociais das comunidades, fomentando as discussões, com destaque para o padre Dimas, da Paróquia Jd. N. S. do Carmo. Nos anos 80, 1985 especificamente marca o início do processo de redemocratização e fim da ditadura militar iniciada em 1964. O refúgio no seio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que promoviam as reuniões na Igreja Católica Apostólica Romana, era um dos locais onde os moradores e ativistas podiam discutir pautas de reivindicações populares.

Estima-se que, durante os anos 70, existiam aproximadamente oitocentas Sociedades de Amigos de Bairros (SABs), das quais aproximadamente 70% foram fundadas entre 1955 e 1970. Entretanto, devido à sua pequena contribuição referente

à população pobre, as pessoas passaram a boicotá-las. A crise das SABs forneceu abertura para a atuação de um ativismo mais autêntico, por intermédio da atuação das CEBs, ligadas à Igreja Católica. As CEBs, sem dúvida, contribuíram para a vida do ativismo de bairro da capital paulista, fazendo com que houvesse maior politização em São Paulo e mobilização dos participantes (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p. 86).

Segundo a entrevistada 2, a igreja era considerada um refúgio, pois a ação foi apoiada pelo clero católico, que servia como se fosse um escudo de proteção aos manifestantes contra qualquer suposta retaliação agressiva policial, pois poderiam as manifestações serem rechaçadas violentamente, mesmo sendo o movimento pacífico, lembrando que era um período de transição democrática. Destas mobilizações surgiram diversas reuniões que, segundo o documento da mobilização, eram realizadas na sede da Igreja da Paz, aos sábados, às 15h, na Rua Maria Luiza Americano, 1559, no Jardim Nossa Senhora do Carmo, no bairro de Itaquera. Das discussões participaram vários segmentos da sociedade, dentre eles do setor político, que levaram em consideração a política habitacional e o interesse coletivo do bem-estar ambiental (anexos B, C e D).

Em uma outra análise, é preciso entender que os fatos narrados contam a partir do ano de 1985, ou seja, final do período de repressão social e início da abertura política democrática no Brasil. O momento foi oportuno para o surgimento, ainda que singelo, de opiniões a princípio anônimas sobre as condições sociais urbanas junto ao poder público, considerando a força do coletivo como instrumento de representação política, no caso em tela, não partidária. Pelo menos nesse momento, cada descontente ganhava força nas reuniões, onde inúmeros participantes fomentavam as discussões.

Analisando o local das reuniões, segundo os entrevistados, aparecem no cenário as Comunidades Eclesiais de Base (CEB), o grupo comunitário, formado pelos moradores que encontraram um refúgio no seio das CEBs. Os padres católicos, por serem muito politizados e defensores contumazes das causas sociais, além de trabalharem as questões democráticas em suas bases religiosas, permitiram que nos salões ou mesmo nos próprios templos católicos as pessoas discutissem assuntos sociais de interesse coletivo.

Para os membros do grupo, as CEBs tinham duas finalidades. A primeira seria um espaço acolhedor destinado à abertura de reunião com debates sobre a relevância da conscientização ambiental e os desdobramentos e ações do grupo para

conseguirem seu objetivo, no caso o encerramento definitivo do aterro sanitário. E sobre a segunda finalidade, as reuniões dentro das dependências das igrejas davam uma sensação de segurança em relação a qualquer possível ação repressora contra o grupo por parte das autoridades, considerando o momento político vigente à época dos fatos.

Semelhante ao ocorrido nas CEBs, no caso da mobilização da APA do Carmo há um evento no movimento socioambiental popular na Amazônia, mediante uma pesquisa predominantemente qualitativa, com levantamento de dados do banco de teses e dissertações do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará. O objetivo era catalogar trabalhos similares, classificando-os em categorias, encontrando aqueles que tratassem sobre as RESEX, analisando, entre outros objetivos, os atores sociais envolvidos, os conflitos e os impactos que permeiam os processos para a criação das RESEX. Nesses estudos a menção de participação dos padres da Igreja Católica Apostólica Romana, por meio das pastorais do povo, contribuiu para a formação da liderança popular mobilizadora, em apoio às mobilizações sociais populares (SOUSA; RIBEIRO, 2022).

Conforme a pesquisa das autoras, as mobilizações sociais protagonizadas pelos seringueiros trabalharam para evitar a derrubada das árvores na região amazônica. Os movimentos contaram com vários aliados, dentre eles o assessoramento das CEBs da região, incentivando a formação da liderança local na articulação de suas reivindicações. Como resultado da pesquisa, a visibilidade das ações sociais através das mobilizações foi um dos objetivos definidos, fundamental para a criação de UCs na região.

Segundo o entrevistado 1, após o fechamento do aterro, as reuniões continuaram a existir nos mesmos locais, porém com a finalidade de trabalhar a conscientização ambiental e a preservação definitiva da região, com a criação de uma APA. Em relação à iniciativa privada, a mobilização só tinha apoio “moral”, exceção ao setor imobiliário, que via como uma ameaça aos seus interesses comerciais a criação da APA.

Como novo repertório de atuação, a estratégia utilizada foi a divulgação do movimento, com panfletagem distribuída nas comunidades e no Parque do Carmo em eventos no decorrer do ano. A divulgação aproveitou a data de início da primavera, abordando moradores da região, membros das igrejas e pessoas envolvidas com a

área da educação, mediante material didático explicando a importância ambiental da região, conseguindo, assim, engajar pessoas nas fileiras da mobilização.

Ainda segundo o entrevistado 1, as conversas internas entre os participantes eram tranquilas, revelando valores ambientais que existiam na região, registrados nas reuniões em relatórios circunstanciados, para manter todos bem informados sobre o potencial que tinham em mãos. Outro repertório de ação foi a realização de muitas reuniões entre a liderança da mobilização e a direção da COHAB-SP, para não transformar a área em um conjunto habitacional “dormitório”. A região era uma área com um alto investimento público destinado a minimizar o déficit habitacional da região, então era muito difícil conseguir que a COHAB-SP mudasse seu projeto habitacional para a região com a finalidade de cooperar com a preservação ambiental.

No entanto, havia uma contradição que ajudou a mobilização em sua argumentação com a COHAB-SP: o próprio aterro sanitário, pois ele desvalorizaria os investimentos imobiliários na região. Afinal, após seu fechamento, o poder público ainda não havia dado destinação no sentido de recuperar a degradação ambiental resultante de suas atividades.

Conforme os entrevistados 1 e 4, durante o processo de defesa ambiental da região, a mobilização compreendeu que, além de um grande esforço de conscientização ambiental com a população, seria necessária uma legislação específica para a proteção da região, trabalhando outro repertório de atuação. Iniciou-se um processo de encaminhamento de um PL, através de uma repreIniciou-sentação parlamentar na ALESP, com a finalidade de criação da APA do Carmo. As reuniões para discussão da pauta ainda se davam nos mesmos lugares desde o início da luta pelo fechamento do aterro, com uma periodicidade quase semanal e visitas à ALESP.

Segundo o entrevistado 3, a liderança da mobilização começou a fazer contato com o então deputado estadual Roberto Gouveia, que abraçou a causa, intermediando o interesse da mobilização através de sua representação parlamentar.

Mediante o PL nº 829/87, de sua autoria, seria instituída a APA, após aprovação junto à ALESP. Entretanto, a maior parte da área era de propriedade da COHAB-SP, que, por sua vez, era uma empresa vinculada à cidade. Por se tratar de um órgão público responsável pela provisão de unidades habitacionais, foi uma discussão com grandes desdobramentos, devido à ampla gama de atores envolvidos.

Para o entrevistado 4, foram momentos de muita mobilização, com incansáveis reuniões nas “bases” do movimento e com visitas periódicas à ALESP, entrando-se

de gabinete em gabinete para solicitar apoio dos deputados à criação da APA do Carmo. Segundo os entrevistados, houve uma grande força popular protagonizada pelo movimento S.O.S Mata do Carmo, o qual posteriormente seria a ONG SAL, que conseguiu apoio parlamentar através do PL nº 829/87 para votação e aprovação na ALESP. Com a aprovação do PL, o mesmo foi editado como lei. Não obstante, por pressão dos setores da habitação e do então prefeito da cidade de São Paulo, Jânio da Silva Quadros, o então governador Orestes Quércia vetou na íntegra a lei.

Mesmo diante deste cenário, a mobilização não desistiu de seu ideal, pois o veto do executivo apenas gerou uma nova pauta de reivindicação e de mobilização social. Surgiu na “agenda” da mobilização a quebra do veto do Executivo com os parlamentares na ALESP. Sendo assim, começou todo um novo trabalho de visita aos gabinetes para a derrubada do veto do governador. Era obrigatório que os parlamentares fossem unânimes na deliberação, o que ocorreu em votação posterior, revertendo assim o veto do Executivo. A Lei 6.409, de 5 de abril de 1989, foi promulgada pelo presidente da ALESP, por se tratar de derrubada de veto do governador.

Analisando as mobilizações relativas à APA do Carmo, há um caso semelhante ocorrido com a APA Escarpa Devoniana, no estado do Paraná, onde registrou-se uma insatisfação de setores formados por estudantes, profissionais, pesquisadores e, principalmente, pessoas comuns, isto é, cidadãos anônimos. Eles trabalharam uma mobilização social ambiental, no caso em questão para defender uma APA, impedindo que o PL 527/2016 pudesse suprimir uma grande área que já era protegida por estar dentro da APA Escarpa Devoniana, a setenta por cento do que seria seu perímetro original, contra os interesses do agronegócio local, que, por sua vez, desejava um espaço maior para suas atividades comerciais (ANTIQUEIRA; PICANÇO; BERTONI, 2021b).

A pesquisa da APA Escarpa Devoniana possui uma metodologia exploratória de casos semelhantes e bibliográfica, com membros fundadores do movimento de criação desta UC. Como resultado, apresentou que a união de setores da sociedade civil, dentre eles até mesmo religiosos insatisfeitos e contrários ao PL 527/2016, que diminuiria os limites territoriais da UC, seria benéfica em prol de um objetivo comum:

derrubar o referido PL. Foi efetuada uma sequência de ações coordenadas pela mobilização, iniciando com um abaixo-assinado, de forma virtual, contra a aprovação do PL 527/2016, seguido de apoio de grupos de pesquisas e instituições, inclusive da

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) local, com audiências públicas e repercussão televisiva e na mídia pública, gerando inclusive apoio do Conselho Municipal do Meio Ambiente de Ponta Grossa (ANTIQUEIRA; PICANÇO; BERTONI, 2021b).

Ainda segundo os resultados da pesquisa, com a pressão fruto da mobilização social contra a aprovação do PL 527/2016 por parte de um grupo considerado como qualificado, multiplicador, coletivizando as ações, com estudos abundantes que justificavam a reivindicação da mobilização, um dos próprios parlamentares autores do PL, deputado estadual Luis Cláudio Romanelli, retirou seu apoio, afirmando que a

“voz das ruas” o fez repensar. Dessa forma, o movimento ambiental obteve sucesso, ou seja, a mobilização social foi fundamental para a defesa e manutenção do limite territorial da APA Escarpa Devoniana (ANTIQUEIRA; PICANÇO; BERTONI, 2021).

Conforme os entrevistados, após a edição da Lei 6.409/89, que deu origem à APA do Carmo, os trabalhos da mobilização não estavam conclusos, pois faltava ainda a regulamentação da lei responsável pela efetiva implementação da APA do Carmo, mediante ato privativo por parte do governador, isto é, a edição de um decreto específico.

Segundo o entrevistado 1, não houve uma agenda pré-estabelecida da mobilização; as pautas surgiam conforme as demandas. A próxima pauta que seria incluída na agenda da mobilização seria a luta pela regulamentação da lei com um decreto. Foram realizadas várias reuniões nas “bases” da mobilização, com visitas frequentes ao setor público competente, em um período que se estendeu de 1989 até 1992, ou seja, foram mais alguns anos de discussões com reuniões frequentes nos mesmos locais. As conclusões foram encaminhadas para a arena pública do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), órgão subordinado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA).

A mobilização havia colocado em sua agenda o árduo trabalho de convencer os conselheiros do CONSEMA sobre a relevância do apoio técnico desse órgão público para a regulamentação dessa importante UC, situada na Zona Leste de São Paulo. Foram muitas visitas realizadas pela liderança da mobilização ao CONSEMA, com um trabalho individualizado de pressão, explicando a importância da regulamentação da APA do Carmo.

No dia 21 de dezembro de 1992, na sede da SMA, na 76ª reunião ordinária do CONSEMA, com a presença de conselheiros, do secretário do Meio Ambiente e presidente do CONSEMA, deputado Roberto Gouveia e representantes da

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