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2.2.2 “TAL É, SRS, O MEU PARALELO: HUMILDE ARBUSTO ENTRE ÁRVORES FRONDOSAS [ ]”

2.3 A TRAMA DAS IDEIAS

Se as ideias são o produto mais importante da produção intelectual, então devemos observar mais de perto algumas ideias que acreditamos serem “chaves” para o entendimento do que pensava João Simões Lopes Neto, bem como para o entendimento dessa pesquisa. Primeiramente, vejamos alguns aspectos para compreendermos melhor o

149 que o autor desejava expressar quando fazia alusão à nação, pátria, nacionalismo, civismo e outros. Para isso, observemos alguns exemplos do repertório amplo dessas questões, que se encontram em suas conferências (1904-1906) e no livro de leitura Terra Gaúcha: Histórias da Infância (2013), por exemplo.

Seguindo as tendências republicanas do início do século XX no Brasil e no Rio Grande do Sul, que esforçavam-se para compor uma espécie de identificação com a educação, trazendo consigo o civismo e moralismo patriótico, numa intensa campanha de divulgação dos valores decorrentes do acesso ao sistema escolar (ARRIADA; TAMBARA, 2009, p279), João Simões Lopes Neto se esforçou, em suas conferências e livro de leitura, num sentido de construir uma retórica que impulsionasse o espírito nacional, exaltando a pátria e buscando solução para os problemas apontados:

Mal patriota, desleal cidadão fora aquele, que não sei sob que falso pejo, entendesse menos amar a pátria, dissimulando-lhe os erros, cuja emenda está exigindo sejam divulgados e conhecidos. Não! A pátria quer ser amada sem reservas, mesmo com os senões e faltas de seus filhos e de suas instituições. As virtudes e os vícios de um país, não são senão os vícios e as virtudes de seus filhos. A pátria, essa, na figura ideal e amada paira acima de nossos erros e das nossas paixões; e atacar a inópia dos que a constituem é estremecê-la no filial desejo de a ver não só objeto de nosso amor, mas fonte de nosso orgulho, pira do nosso entusiasmo. (LOPES NETO, 2009, p.297)

A partir desse trecho, podemos notar que o autor colocava a pátria ou a nação170,

acima de qualquer vício ou virtudes de seus filhos. A nação para ele é sacralizada, passa

170 Cabe destacar que existem confusões terminológicas acerca dos termos pátria e nação. Não raro nos deparamos com essas confusões; o próprio João Simões, em suas conferências por vezes fala em pátria e por outras em nação, no entanto, domina em seu texto a expressão pátria, patriotismo e outras que desta derivam. Neste sentido, devemos atentar para o fato, de acordo com Llobera (2000), de as acepções atuais de pátria e nação somente se concretizarão após 1750. O autor explica (2000, p.148) que Pátria era o termo mais comum no século XVIII, referia-se ao local de nascimento e, desde o século XVII já aparecia associada à liberdade, dessa forma, a pátria era o local onde as pessoas eram livres e felizes. Já o termo nação (LLOBERA, 2000, p.148-149), antes de 1750, servia para designar determinado grupo de pessoas que viviam sob as mesmas leis e que falavam a mesma língua em um determinado território denominado Estado, ou também, país. Llobera (2000, p.149) expõe que a palavra nação também referia-se à França com certo sentido de orgulho, honra e superioridade mas, nesta época, o termo ainda não havia adquirido certo fardo emocional. Para o autor, a confusão referente ao termo pátria iniciou-se em 1754 a partir da Dissertação sobre a Antiga Palavra Pátria, do abade Coyer. A proposição deste último era dar uma resposta à ideia cosmopolita de Voltaire de que a pátria é onde se estiver, pois, somos todos filhos da humanidade e, não somente, o local onde se nasceu. A partir disso, Jaucourt, redator do termo pátria na Enciclopédia, copiou trechos das obras de Coyer e citou opiniões de Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Quanto à Rousseau, pode-se dizer que ele foi um dos responsáveis pelo fato do termo nação obter um sentido mais preciso e uma oscilação sentimental maior. Com isso nação e pátria convergiram em uma mesma forma, apesar de nenhuma ter sobreposto a outra totalmente, ambas tendem a serem observadas se tratando de uma mesma coisa, ou seja, cobrindo um terreno em comum. Assim nação também passou a ser compatível ao estado, no que se refere a sua forma concreta, inclusive física (LLOBERA, 2000, p.150).

150 à um status de religião civil, onde é cultuada a partir de suas comemorações cívicas, como os feriados e datas nacionais, além de monumentos, estátuas, prédios e os exemplos históricos dos “heróis nacionais” (CATROGA, 2005, p. 147-150). Para Catroga (2005, p.12) a religião civil, que teve seu primeiro grande teorizador em Rousseau, tem a função de sacralizar o viver comum de uma dada coletividade. O seu objetivo, ainda de acordo com Catroga, é:

[...] legitimar a Nação como “Nação Imaginada” (Benedict Anderson), apresentando-a como grande protagonista de uma teleologia de fundo épico e mitológico, como práticas educativas, que não dispensam recurso a ritos públicos, socializam. (2005, p.12)

João Simões Lopes Neto acreditava que “Não só nos livros devem ficar consignadas [a história, os acontecimentos, a memória] mais eficazmente as páginas de pedra e bronze ensinam as multidões. ” (LOPES NETO, 1906, p.02), dessa maneira, o autor acreditava que era preciso uma educação cívica pública, que se daria em várias frentes. Além da sala de aula e dos livros específicos, também as ruas deveriam “ensinar as multidões” a partir de suas placas, monumentos, prédios, enfim, “[...] ensinar à quem passe os acontecimentos de nossa terra” (LOPES NETO, 1906, p.02). Ademais, o autor diz que “recordar é viver” (1906, p.10), e havia no momento em que expõe suas ideias, segundo ele, uma indiferença dos brasileiros em relação as suas datas nacionais: “O nosso 21 de abril, o 07 de setembro, o 15 de novembro, se diluem na memória do povo e não é ingratidão que isso faz: é a falta de educação cívica. ”. (LOPES NETO, 1906, p.10).

Além dos monumentos e das comemorações nacionais, haviam ainda dois “astros” que não poderiam ser esquecidos, mas que não estavam recebendo a sua devida atenção: o Hino e a Bandeira nacional. Para ele “Se o hino é a voz, a bandeira é a face augusta da Pátria” (LOPES NETO, 2009, p.302), no entanto, o hino vinha sendo executado “[...] até em barracas de cavalinhos, em miseráveis exibições de brutos e de palhaços! ” (LOPES NETO, 2009, p.301) e a bandeira servia de “[...] cartaz nos circos de touros, de reposteiro em exibições de cobras e bonecos e de tabuleta de aviso, de quiosque de loterias, em dia de sorte grande! ” (LOPES NETO, p.302). E por isso, o autor implorava:

Não! Não consintamos mais em tal abuso. Isso é vergonhoso.

Reajamos contra tanto desamor! Tiremos dos olhos curiosos e inocentes das crianças, dos nossos irmãozinhos, dos nossos filhos, destes petizes que hoje

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são a aurora e serão amanhã o Zenith da pátria, acabemos para os seus olhos ainda puros, o espetáculo deprimente, que não se lhes apagará da memória, evitemos que vendo, desde tão tenros, a indiferença para o delito, eles sejam depois, cumplices inocentes, também! (LOPES NETO, 2009, p.302)

Observando essas colocações de João Simões Lopes Neto, notamos que o autor visava chamar a atenção do público para o perigo de compactuar com tais atos em relação aos símbolos nacionais, ademais, o autor traz a ideia de que as crianças eram o futuro da nação e, que se deveria atribuir a elas uma educação cívica, afim de que tais atos danosos não se repetissem, pois, instigando o espírito nacional nesses pequenos seres, poderíamos construir uma identidade nacional forte.

Stuart Hall argumenta que “[...] as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação. ” (2006, p.48). Nesse sistema de representações estão os símbolos (a bandeira, o hino nacional, os monumentos e etc.) e os ritos (solenidades, festividades, etc.), que despertam os sentimentos de pertencimento e de identidade nacional, dando certa coerência a nação. Para Fernando Catroga (2005, p.154) os símbolos nacionais, como o hino e a bandeira

[...] conferem uma representação quase totêmica ao patriotismo. Por eles a Nação ganha ‘une forme de nature esthétique, modo de reconhecimento e de integração das contradições regionais e sociais existentes dentro de uma territorialidade coberta pela sua una e indivisa soberania.

Não raro, tais símbolos e ritos buscam evocar na história um passado comum e glorioso, que faz com que as pessoas se sintam identificadas e representadas por tal nação. Por isso, como observou Hall (2006, p.51) “[...]uma cultura nacional é um discurso, - um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos[...]. ”. À vista disso, ao construir tais sentidos, a cultura nacional, produz concepções sobre a nação, com as quais podemos nos identificar

e logo, construir identidades171.

171 Para construir a identidade nacional é preciso que exista uma narrativa que dê sentido a isso tudo. Ponderando essas proposições, Hall (2006, p.52) coloca cinco modelos básicos pelos quais é contada a narrativa nacional: o primeiro é a “[...] narrativa da nação tal como é contada e recontada na história, nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular [...]”, estas oferecem subsídios que “[...] simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido a nação. ”. O segundo modo, refere-se a “[...] ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e na intemporal idade. ”, neste ponto a identidade nacional aparece como primordial, como se ela já estivesse nas origens da nação, mesmo que adormecida, mas sempre pronta para “atender ao chamado da nação”. No terceiro modo que auxilia a tática discursiva, Hall (2006, p.54) refere-se àquilo que Ranger e Hobsbawm chamaram de “invenção da tradição”. Hobsbawm (2012) acredita que essas “tradições inventadas” são reações à situações novas; são o contraste entre as constantes mudanças e inovações do mundo moderno. Além de

152 A educação para o civismo é uma constante em suas conferências, em ambas o assunto é basicamente esse, como já explanamos. De acordo com Arrida e Tambara (2009, p.289) as conferências eram mais uma estratégia de divulgação das concepções nacionais do autor:

Por um longo período, Simões Lopes peregrinou em várias cidades da região sul do Rio Grande do Sul em apostolado cívico. Constitui-se neste período um verdadeiro paladino da causa do civismo no estado. Em verdade, todas estas iniciativas tinham um explícito caráter de valorizar a educação no Estado. (ARRIADA; TAMBARA, 2009, p;289)

O foco de sua fala é denunciar a urgência de uma educação cívica para as crianças visando adultos mais instruídos e conscientes de seu papel de cidadãos de uma nação. Para o autor, era importante instruir as crianças, dá-las condições físicas e intelectuais para que fizessem um futuro melhor. Segundo ele, era preciso “reformar o povo” e isso se daria por meio da educação “no mais largo sentido, na mais elevada acepção desta palavra. ” (LOPES NETO, 2009, p.318). Para ele, as crianças representavam o futuro. E se conhecessem o seu passado, as glórias de seu povo, seus grandes homens e feitos e,

sobretudo, por meio da educação fariam um futuro melhor para a toda a nação172. Para o

autor, havia uma necessidade urgente de “adotarmos, mantermos e desenvolvermos uma campanha vivificadora de nacionalização, de educarmos e fortificarmos o espírito, o sentimento pátrio, o amor da tradição, o conhecimento e a consciência de nós mesmos” (LOPES NETO, 2009, p.317).

Podemos constatar, com base no que vimos até aqui, que havia uma necessidade de “reformar o povo”, ou seja, acreditava-se na ideia de um melhoramento de nossas

representarem também, uma importante dimensão para o estudo das nações e dos nacionalismos. O quarto modelo de narrativa da cultura nacional é o do mito fundacional que busca “[...] uma estória que localiza a origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles se perdem nas brumas do tempo, não do tempo ‘real’, mas de um tempo ‘mítico’. ” (HALL, 2006, p.54-55). O quinto e último modelo, baseia-se na ideia de uma cultura nacional simbolicamente focada na imagem de “[...] um povo ou folk puro, original. ” (HALL, 2006, p.56); como se houvesse um “povo” realmente originário de determinado lugar, sem levar em conta as muitas migrações e conflitos por territórios, nos quais, muitas vezes, mais de uma população se diz originária de um mesmo local e, deixando de lado também, os processos de miscigenação.

172 Acreditamos que João Simões Lopes Neto era inspirado pela ideia de “homem novo” de Jean Jacques Rousseau, expressa em sua obra Emílio ou da Educação, publicada em 1762. Essa obra revolucionou a pedagogia e serviu de inspiração para várias teorias da educação do século XIX e XX. A ideia de que a criança é boa em sua natureza, apta para aprender tudo, desde que bem instruída para que a sociedade não a corrompa e a torne má, aparece, por exemplo, nas conferências de Simões Lopes Neto e é uma das ideias chaves de Emílio. Pretendemos, nessa pesquisa, dedicar um capítulo as questões da educação no final do século XIX e início do XX.

153 condições intelectuais, morais, físicas e cívicas. Mas, por que era necessário “reformar” o povo? Essa questão, aparentemente simples, é bastante complexa. No final do século XIX, o Brasil era recorrentemente descrito como uma imensa nação mestiça (SCHWARCZ, 2003, p.165). Essa condição, do que chamavam de mistura de raças heterogêneas, era considerada um erro e, por conseguinte, era considerada uma das causas de nossa “degeneração”. Mas, o raciocínio não é tão simples quanto parece. A maioria dessas ideias estavam “embasadas” em teorias científicas europeias.

Desde que Cuvier (1769-1832) interpretou os fósseis como registros de vida passada, colocou uma espécie de dúvida no processo de criação cristão. Ou seja, os fósseis revelavam, de certa forma, que éramos muito mais antigos que imaginávamos, ou pelo mais antigos do que indicavam as Escrituras. Contudo, Cuvier não era um evolucionista e discordava de Lamarck (1744-1829). Este foi o primeiro cientista a formular uma teoria da evolução compreensiva e sistemática; para ele, “as espécies não poderiam ter surgido na Criação e se mantido estáticas desde então, pois se isto ocorresse não sobreviveriam a mudanças de meio. Como consequência, ele concluía que as espécies continuamente se alteravam, apesar de muitas vezes manter sua aparência. ” (BARROS, 2003, p.10). Na mesma linha de pensamento, Willian Smith (1769-1839), nas primeiras décadas do século XIX descobriu que a Terra contém camadas que contam o passado, portanto, o estudo dessas camadas poderia fornecer um cenário de tempos geológicos (BARROS, 2003, p.10). Dessa forma, a crença na Criação Divina era posta em cheque e o mundo ficava cada vez mais “científico”.

Contudo, foram as ideias de Darwin (1809-1832) que geraram maior impacto, principalmente as da Teoria da Evolução por meio de Seleção Natural. Segundo ela, a

[..] pressão do meio sobre as espécies poderia ser um mecanismo eficiente para selecionar o que pode sobreviver daquilo que não encontra os recursos necessários para se perpetuar [...] a evolução não leva a uma espécie mais desenvolvida, ela faz com que espécies se adaptem um mundo mutável não só pela ação de fatores distantes, como pela própria presença de organismos que agem constantemente no meio. (BARROS, 2003, p.11).

Não obstante, essas ideias chegaram ao Brasil, e o Darwinismo foi amplamente “aceito”. Até mesmo o Imperador não era de todo contrário as ideias de Darwin, no comando dos museus de ciências estavam simpatizantes dessas ideias, bem como as elites católicas aceitavam o darwinismo como forma de manter a sua supremacia branca, pois

154 o problema racial estimulou o discurso evolucionista e levou a um movimento para classificar as raças cientificamente (GLIK, 2003, p.23). Apesar disso, não levaram em conta a ideia de que evolução não quer dizer uma espécie mais desenvolvida. Além do mais, os supostos altos índices de miscigenação no país, o transformaram em um “grande laboratório racial” (GLICK, 2003, p.24).

Dessa forma, a questão da mestiçagem e, por conseguinte, das raças se torna um dos pontos mais discutidos no Brasil. O evolucionismo se mostrava, como vimos, importante ferramenta para explicar nossa “degeneração” ou para tentar um melhoramento. Ou seja, haviam os intelectuais que acreditavam que a mestiçagem “degenerava” o brasileiro, como Nina Rodrigues (1862-1906), que ainda classificava os “tipos” de mestiços, ou melhor dizendo, para ele quanto maior prevalência da raça branca mais “regenerado” e superior era o indivíduo, ao contrário, quanto mais incidência de negros – cuja presença considerava ser a maior desgraça do Brasil – tivesse o indivíduo em seu cruzamento mais “degenerado” ele seria; além disso, Nina Rodrigues acreditava que os mestiços, principalmente os “degenerados”, tinham propensão à criminalidade (RODRIGUES, 1894, p.166).

Já para Sílvio Romero, a mestiçagem “não é apenas um processo racial, mas também e, em larga medida, cultural, tornando possível uma cultura e uma identidade especificamente brasileira” (SOUZA, 2002, p.21). Dessa maneira, o autor acreditava que a mestiçagem também fazia parte do processo de seleção natural, por isso deveria prevalecer as “raças puras”, ou seja, brancas e europeias que seriam as mais fortes e por isso se sobressairiam nesse processo, transformando o brasileiro, ao longo do tempo, em um mestiço bem caracterizado. José Veríssimo ia no mesmo caminho, além de incentivar a migração europeia, principalmente a alemã, para melhorar o povo brasileiro. João Simões Lopes Neto, como já dissemos, não via a mestiçagem como algo prejudicial, para ele, a partir dela, poderíamos reunir o melhor de cada raça e fazer do brasileiro um ser único no mundo. Para ele, o brasileiro seria o fruto da soma dos “bandeirantes lendários”, com os índios (tamoios, potiguaras e guaranis adustos), e os “negros altivos de Palmares” (LOPES NETO in ARRIADA; TAMBARA, 1998). Luís Augusto Fischer (2013, p.227) nos estudos que complementam a edição de Terra Gaúcha chama a atenção para a audácia do autor em proferir publicamente, em 1904, que queria a altivez dos negros rebeldes de Palmares ao lado da força dos índios, pois o autor diz de peito aberto que queria essa

155 herança afro-brasileira, que de certa forma, ainda nos dias atuais é discriminada, imagine num período recente de pós-abolição.

As condições climáticas e geográficas também são levadas em conta para explicitar “indolência” do brasileiro, o clima era propício, sem adversidades da natureza. Mas, da mão-de-obra era escrava, segundo João Simões, herdamos o desprezo pelo trabalho braçal. Quanto à escravidão o autor pensava que:

[...] não temos do que nos envergonhar [...]. No começo do século passado, admitia ainda a Inglaterra o tráfico humano, com o qual enriqueceu e cuja supressão dificilmente conseguiu. [...] O Brasil não amou ou defendeu o cativeiro: apenas o tolerava. Ultimado o triunfo da libertação, os novos homens incorporaram-se à população em perfeito pé de igualdade173, a eles e aos seus descendentes desvendaram-se os vastos horizontes abertos a todos os habitantes do Brasil. (LOPES NETO, 2009, p.305)

Portanto, somados à ideia de mestiçagem estava ideia de que o meio influenciaria na índole do brasileiro. Essa premissa também tem origem nas ideias evolucionistas, lembremos que, segundo ela, somente sobrevivem as pressões do meio ambiente os seres mais fortes, mais preparados.

Contudo, Barros (2003, p.13), alerta que a teoria de Darwin

[...], tem como pilar o tempo. A evolução por seleção natural atua em milhões de anos, não em poucos milhares de anos. Ela introduz a história no mundo biológico. Não a história das culturas ou a história do homem, mas uma história que tem o tempo muito maior que o tempo da História. E esta história não pode ter a dimensão antropocêntrica, pois, em última análise, a teoria da evolução tira o homem de seu lugar privilegiado e dá a ele um veredito de desaparecimento. [...]

Portanto, os intelectuais brasileiros não levavam em conta esta questão do tempo, ou seja, as mudanças observadas pelos cientistas biológicos são demandas de milhões de anos e não algo que aconteceria em alguns séculos, por exemplo. Dessa forma, o grande equívoco era a apropriação de teorias biológicas para explicar fenômenos sociais, ou seja:

A extrapolação de ideias evolucionistas para o campo social, ou seja, a utilização de ideias importadas do darwinismo para tempos históricos de apenas alguns milhares e anos, fez surgir uma anomalia no pensamento ocidental, o darwinismo social174, que se utilizando da ideia de evolução e

173 No entanto, como já dissemos, não houve nenhuma política de inserção do negro liberto na sociedade brasileira, o que gerou uma população bastante pobre que manteve-se a margem da sociedade.

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seleção natural, aplicou-a a tempos históricos, associando evolução e desenvolvimento e concluindo ser possível hierarquizar as raças, com a conclusão de que o homem branco era superior, sob o aspecto biológico, aos demais. (BARROS, 2003, p.13)

Foi exatamente o que aconteceu no Brasil, baseados em teorias biológicas as elites, da qual saiam a maioria dos intelectuais, se firmavam como mais evoluídas e portando portadoras de privilégios em relação as outras raças. Assim, práticas absurdas, como a

própria escravidão175, eram justificadas por superioridade ou inferioridade racial176.

Contudo, havia outro ponto que a evolução nos levava – o progresso. Dessa forma, associavam evolução e progresso, num sentido de caminhar sempre para o melhor. Essa crença que evolução e progresso era vista com muita simpatia pelos positivistas, que