• Nenhum resultado encontrado

Tramitação da fase administrativa das contraordenações urbanísticas Apresentação Power Point.

CONTRAORDENAÇÕES NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 7 Contraordenações urbanísticas: âmbito e fase administrativa do processo

3. Tramitação da fase administrativa das contraordenações urbanísticas Apresentação Power Point.

Vídeo.

Palavras-chave: contraordenações urbanísticas, tramitação, fase administrativa. 1. Considerações iniciais

Estipula o artigo 59.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO1) que a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é suscetível de impugnação judicial (n.º 1), a qual deve ser feita por escrito e apresentada à autoridade administrativa que a aplicou no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, dela devendo constar alegações e conclusões (n.º 3).

Segundo este regime geral é competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infração (n.º 1 do artigo 61.º), admitindo-se recurso para a Relação, que deve ser interposto no prazo de 10 dias (artigos 73.º e 74.º).

A atribuição aos tribunais comuns da competência em questões contraordenacionais (isto é, na preparação e no julgamento dos processos relativos à aplicação de sanções contraordenacionais) resulta de os tribunais judiciais se apresentarem como os tribunais competentes em matéria civil e criminal, exercendo, ademais, a sua jurisdição em todas as

áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

Trata-se, porém, de uma solução que sempre casou mal com o facto de o processamento das contraordenações e a aplicação de coimas e sanções acessórias ser uma competência

Já publicado no e-book: Direito do Urbanismo - 2014-2017, em julho de 2018. ** Professora Auxiliar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

1 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os

356/89, de 17 de outubro, 244/95, de 14 de setembro, 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.

CONTRAORDENAÇÕES NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 7. Contraordenações urbanísticas: âmbito e fase administrativa do processo

reservada às autoridades administrativas (artigo 33.º do RGCO)2, estando, por isso, em causa, o exercício de poderes jurídico-administrativos, ainda que sujeito a um procedimento sui

generis, cuja estruturação resultou da fusão do procedimento administrativo de tipo

sancionador com o processo penal de tipo transgressional, mas que, indiscutivelmente, se integra no âmbito da função administrativa, na vertente sancionatória.

Com efeito, as decisões finais proferidas em sede contraordenacional por violação de normas de direito administrativo são, quanto à sua natureza, verdadeiros atos administrativos [cfr. artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], de cariz sancionador, e se é verdade que o RGCO remete para o Código do Processo Penal como supletivamente aplicável, não podem deixar de se colocar questões sobre a aplicação supletiva do CPA.

Esta afirmação – de aplicação do CPA à fase administrativa do processo de contraordenação – não é, porém, consensual: a jurisprudência já afirmou que não está aqui em causa um

procedimento administrativo especial. Em todo o caso, embora o CPA não contenha um regime geral, próprio e autónomo, para as sanções administrativas, a doutrina já se vem pronunciando no sentido de que cabe ao direito administrativo e, em particular, à lei procedimental administrativa regular a fase administrativa dos procedimentos sancionatórios (onde se integra o procedimento de contraordenação)3, o que é reforçado pela defesa da autonomização de um direito administrativo sancionatório4.

Não obstante o afirmado, a verdade é que existiram, durante anos, razões essencialmente de ordem prática para se terem mantido estas matérias fora da competência dos tribunais administrativos5, concretamente:

2 Existe, de facto, um princípio da reserva de competência das autoridades administrativas tanto na promoção do

procedimento contraordenacional como na aplicação de coimas e sanções acessórias, caso venham a ter lugar [princípio da oficialidade – artigos 48.º, 54.º, n.º 1, e 37.º do RGCO e 37.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

Há, é certo, uma exceção a este princípio-regra constante do artigo 38.º, n.º 1, do RGCO, segundo o qual, “[q]uando se verifique concurso de crime e contra-ordenação, ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contra-ordenação, o processamento da contra-ordenação cabe às autoridades competentes para o processo criminal”. Em todo caso, retoma-se o princípio-regra se o Ministério Público arquivar o processo criminal, mas entender que subsiste a responsabilidade pela contraordenação, caso em que o remete à autoridade administrativa competente (n.º 3 do artigo).

3 Para mais desenvolvimentos da relevância da aplicação do CPA aos procedimentos contraordenacionais, cfr. LICÍNIO

LOPES MARTINS, “A atividade sancionatória da Administração e o Código do Procedimento Administrativo”, in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão (coord.), 3.ª ed., Lisboa, AAFDL, 2016, vol. II, pp. 601 e segs.

4 A autonomização de um direito administrativo sancionatório decorre, entre outras coisas, de se ter tornado

obsoleta a tradicional circunscrição do poder sancionatório público às áreas do direito penal, do ilícito disciplinar e do direito de mera ordenação social, tendo ocorrido uma clara expansão e diversificação dos mecanismos sancionatórios da Administração Pública. De facto, vem-se defendendo a improcedência da tese segundo a qual o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da CRP se traduz no “programa constitucional relativo ao direito público sancionatório”, considerando ser legal e constitucionalmente viável a criação (por lei ou decreto-lei) de sanções administrativas gerais, constituindo o recurso ao poder sancionatório uma atividade comum da Administração, essencial à prossecução do interesse que lhe está cometido: o interesse público. Neste sentido, cfr., por todos, MARCELO MADUREIRA PRATES, Sanção Administrativa Geral: Anatomia e Autonomia, Coimbra, Almedina, 2005.

5 Foram, de facto, razões de ordem prática que levaram, logo na versão inicial do RGCO, a cometer aos tribunais

comuns esta competência, uma vez que já então se considerava que a sua atribuição aos tribunais administrativos era a solução que melhor faria sentido, por evitar que se tivesse de recorrer do ato administrativo para os tribunais administrativos e das decisões administrativas que aplicavam as sanções para os tribunais comuns. EDUARDO CORREIA, “Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social”, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, XLIX

CONTRAORDENAÇÕES NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 7. Contraordenações urbanísticas: âmbito e fase administrativa do processo

(i) A escassez e falta de disseminação territorial dos tribunais administrativos;

(ii) O maior grau de especialização sobre as matérias substantivas que enformam a

situação sancionatória pelos tribunais judiciais (e consequente falta de conhecimentos da matéria pelos tribunais administrativos);

(iii) A cultura mais garantística dos tribunais criminais e a tradição jurisprudencial de

ponderação acerca dos direitos fundamentais em processos sancionatórios de natureza penal; pelo contrário, tradicionalmente, os tribunais administrativos tinham jurisdição limitada6.

Como é amplamente sabido, estas razões encontram-se, em grande medida, atualmente superadas. Desde logo, os tribunais administrativos, como jurisdição obrigatória (artigos 209.º e 212.º da CRP), existem já num número aceitável, podendo encarar-se o respetivo desdobramento e especialização.

Acresce que ficou reservado aos tribunais administrativos o núcleo essencial do exercício da

função administrativa: a justiça administrativa integra, por determinação constitucional, os

processos que tenham por objeto dirimir relações jurídicas administrativas ou relações

jurídicas de direito administrativo (artigo 212.º, n.º 3, da CRP), apresentando-se, por isso,

como os tribunais comuns em matéria administrativa.

E acresce, ainda, serem os tribunais administrativos atualmente de jurisdição plena, tendo-se alargado os meios de prova admissíveis e, mais relevante, deterem os juízes administrativos conhecimento privilegiado das diversas valências do direito administrativo que estão em causa no domínio das contraordenações.

Precisamente por estes motivos, aquando da última revisão ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a comissão nomeada para o efeito defendeu a atribuição aos tribunais administrativos de uma parcela significativa do contencioso contraordenacional em matéria administrativa, concretamente, a impugnação judicial de aplicação de coimas no âmbito dos ilícitos de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo, em matéria de ambiente, de ordenamento do território, de urbanismo, de património cultural e de bens do Estado.

Apesar desta intenção, a verdade é que a Lei de Autorização (Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto) apenas autorizou o governo a rever o ETAF de modo a incluir na jurisdição administrativa as impugnações judiciais de decisões administrativas de aplicação de coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social em matéria de urbanismo. Na sequência desta Lei, o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, veio introduzir uma nova alínea no artigo 4.º, n.º 1, do ETAF [a alínea l)], que alargou o âmbito da jurisdição administrativa à impugnação judicial de decisões que apliquem coimas por violação de normas de ordenação social relativas (1973), pp. 257-281.

6 Sobre estas razões, cfr. JOAQUIM PEDRO CARDOSO DA COSTA, “O recurso para os tribunais judiciais da aplicação de

coimas pelas autoridades administrativas”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº 366, 1992, pp. 39 e segs.

CONTRAORDENAÇÕES NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 7. Contraordenações urbanísticas: âmbito e fase administrativa do processo

a matéria urbanística.

A introdução desta alínea no artigo 4.º do ETAF correspondeu a um passo inédito para a justiça administrativa portuguesa, que, pela primeira vez, passou a ser competente para julgar casos contraordenacionais, embora tenha sido um passo tímido, porque se exclui da justiça administrativa, como era intenção inicial, as contraordenações em matéria de ordenamento do território, de ambiente, de património cultural e de bens do Estado.

Se é certo poder afirmar-se que a reforma acabou, a este propósito, por se apresentar como demasiado limitada – considerando-se equilibrada a intenção inicial da Comissão de Revisão do ETAF, que previa uma transição gradual de matérias que tinham entre si numerosos pontos de contacto e de interpenetração7 –, não é menos certo, como alertam alguns Autores, que enquanto se mantiver o regime substantivo atual das contraordenações deve haver uma contenção nessa transferência. Com efeito, tal como este regime se encontra instituído, os tribunais administrativos não deixarão de sentir dificuldades acrescidas ao lidar com os seus processos. António Duarte de Almeida refere-se, precisamente, a este propósito, à inadequação da estruturação dos processos subjacentes à determinação dos ilícitos de mera ordenação social; à inadequação da ligação (praticamente inexistente) entre procedimento administrativo e processo judicial; ao carácter juridicamente inaceitável da desconsideração da natureza administrativa da decisão sancionatória e ao desequilíbrio entre a eficácia da ação sancionatória e as garantias dos particulares 8.

Nas palavras deste Autor, que acompanhamos, «[n]ão é possível ponderar seriamente a

atribuição da competência aos tribunais administrativos para sindicarem a aplicação de medidas sancionatórias de ilícitos de mera ordenação social sem uma profunda reformulação do regime geral das contraordenações. As suas lacunas e contradições afastam a possibilidade da mera “transmissão do testemunho”, desacompanhada de uma reponderação global dos objectivos do ilício de mera ordenação social»9.

Foi também neste sentido que se manifestou o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais no Parecer que emitiu sobre a proposta de revisão do ETAF, afirmando que “este alargamento (…) integra matérias totalmente inovadoras para os juízes

de contencioso administrativo dos Tribunais Administrativos e Fiscais” e adiantando que, “pese embora estejamos perante um tipo de decisões de entidades administrativas, estas têm a particularidade de trazerem à colação, quer a aplicação do Código de Processo Penal, quer do Regime Geral das Contra-ordenações, o que implica a prévia formação dos magistrados no âmbito das matérias em causa”.

7 Estes pontos de contacto estão, aliás, presentes na alínea k) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF que confere aos

tribunais administrativos a competência para apreciar os litígios que tenham por objeto a “[p]revenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas”.

8 ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA, “Ilícito de mera ordenação social na confluência de jurisdições: tolerável ou desejável”,

in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 71, setembro/outubro de 2008, p. 21.

9 Idem.

CONTRAORDENAÇÕES NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 7. Contraordenações urbanísticas: âmbito e fase administrativa do processo

Tímida ou cautelosa, a verdade é que esta reforma veio inovar ao conferir aos tribunais administrativos e fiscais competência para a apreciação de litígios que até aí estavam fora do seu alcance.

Documentos relacionados