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Transe, Êxtase e Possessão

No documento psicologia-da-religiao.pdf (páginas 34-37)

Transe, êxtase e possessão são experiências religiosas vistas como desconcertantes, uma vez que são fenômenos, como nos coloca Terrin (1998) “on the boundary, entre realidade e fantasia, entre psique e parapsicologia, entre mundo daqui e mundo do além, entre subjetividade ima- nente e transcendentalidade espiritual”. O mal-estar se instala porque não é possível se aproxi- mar o bastante da mente daqueles que afirmam experimentarem tais realidades, o que impede abordagens precisas sobre as mesmas.

Independentemente de acreditarmos ou não, caro aluno, em um universo povoado de deu- ses e demônios, bem como que existem entre nós pessoas que experimentam tal universo, tor- nemos nossa tarefa de abordar as experiências acima mais fáceis, encarando-as como estados alterados da consciência (EAC), ou seja, estados de consciência diversos dos estados de consciên- cia normal (vigília). Nesse ponto, quero lhe chamar a atenção para o que em algumas teorias são considerados como Estado Alterado de Consciência. Os estudiosos norte-americanos pontuam:

Estado alterado de consciência para um dado indivíduo é aquele em que este sente claramente uma mudança “qualitativa” em seu padrão de funcionamento mental, ou seja, ele sente não apenas uma mudança quantitativa (mais ou me- nos alerta, maior ou menor imaginação visual, vividez ou opacidade etc.), mas também que alguma qualidade ou qualidades de seus processos mentais estão “diferentes” (TART, 1990, p.1).

Partimos do pressuposto de que pessoas que as experimentam não possuem uma patolo- gia psiquiátrica, mas são influenciadas por elementos socioculturais. O ambiente religioso brasi- leiro, pode-se dizer, é favorável a essas experiências, especialmente o transe e a possessão. É um ambiente místico e de conflitos acirrados em função da desigualdade social e econômica, o que favorece a busca por religiões em que os estados alterados da consciência ocupam largo espaço.

3.2.1 Êxtase

Segundo Terrin (1998, p.119), o êxtase é um estado alterado da consciência dotado de con- teúdo religioso, usualmente ocorre acompanhado de visões. Para Terrin (1998, p.119), implica imobilidade, silêncio, solidão e privações sensoriais.

O êxtase representa, imageticamente, a relação entre sagrado e profano, destacando ele- mentos simbólicos de representação do divino e do humano. Os êxtases atribuídos a Teresa D‘Ávila explicam tal relação à medida que essa grande mística católica – da ordem das carmelitas – em seus relatos explicitava elementos de uma mística feminina.

A mística teresiana, e não apenas ela, está estreitamente vinculada à paixão e ao desejo de Deus, e nesse sentido há uma estreita relação entre a mística e a erótica. O ser humano pode ser visto como ser desejante, em tensão constante em direção a Deus. Há envolvimento e sentimento que atinge todo o ser, corpo e alma. E isso porque Deus mesmo é também um Deus “desejoso” – Teresa utiliza o vocábulo “ganoso” (de “ganas”) – em relação à pessoa humana, embora mis- teriosamente respeitoso da resposta humana. Deus espera o ser humano, mas

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em tensão, desejo de uma resposta positiva; ele se envolve com o ser humano,

é o Deus Trindade. Na expressão de São João da Cruz, ele é o “cervo vulnerado”. Portanto, não se trata do Deus sem paixão da teologia abstrata. Neste sentido, o amor de Deus é também Eros (LÚCIA PEDROSA, entrevista concedida ao site da Revista IHU em 08 de Janeiro de 2012).

O êxtase atribuído a Santa Tereza D'avila é o que se pode chamar de êxtase místico, ou seja, estado alterado da consciência, em que o místico se encontra alheio ao mundo terrestre de for- ma tal que há supressão da sensibilidade cotidiana e ausência de pensamento consciente. Veja- mos dois poemas da mística para nos aproximarmos das suas visões:

BOX 6

GLoSA

Já toda me dei, e, assim, de tal sorte me hei mudado, que o Amado é para mim e eu sou para o meu Amado. Quando o doce Caçador me atirou, fiquei rendida, por entre os braços do amor minha alma quedou caída, e cobrando nova vida de tal maneira hei mudado que o Amado é para mim e eu sou para o meu Amado. Com uma flecha que me deita, enarvorada de amor,

a minha alma quedou feita una com seu Criador; já eu não quero outro amor, a meu Deus me hei entregado, que o Amado é para mim e eu sou para o meu Amado. VERSOS NASCIDOS DO FOGO DO AMOR DE DEUS QUE TINHA EM SI Não vive em mim meu viver, e em tão alta vida espero que morro de não morrer

Fonte: Disponível em <http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/espanha/santa_tereza_de_jesus.html#P>. Acesso em 08 mai. 2015.

GLoSSáRio Êxtase: Em sua descri- ção, Teresa fala de uma separação que ocorre entre alma e corpo. Dessa forma, ela enfati- za que a dor sentida é, antes de tudo, uma dor espiritual, embora dessa dor participe também o corpo.

◄ Figura 10: O êxtase de Santa Teresa D’Ávila, Santa Teresa de Jesus. Fonte: Disponível em <https://laravazz.wor- dpress.com/2012/10/15/ ais-do-desterro/ekstaz_sv- yatoy_terezy_perga- ment_iz_filma_angely_i_ demony_1920x1200/>. Acesso em 06 mai.. 2015.

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Além do êxtase místico, há também o xamanico, que se caracteriza fortemente pela dis- junção entre a pessoa e aquilo que ela entende como sendo o seu mundo habitual (seu corpo, sua família, suas relações sociais), e o estético, provocado pelo som, cores, cheiros e imagens em ambientes religiosos durante rituais.

Enfim, o êxtase vem a ser um ato de arrebatamento íntimo, ou seja, torna-se um encanto, concernente ao universo dos fenômenos sobrenaturais. O êxtase implica certa imobilidade, silên- cio, solidão.

3.2.2 Transe

Vale a pena dizer que há entre os estudiosos uma dificuldade em separar ou mesmo distinguir transe e êxtase. Mircea Eliade, por exemplo, tende a identificar os dois termos. A questão que se coloca sobre isso é: pode-se dizer que a experiência religiosa da forma como narrada por Santa Tereza D'avila possui as mesmas características dos transes coletivos das religiões afro-brasileiras ou mesmo do neopentecostalismo? Isto é, a percepção do homem em relação ao sagrado é a mesma? Tais questões nos levam a outras mais profundas: o sa- grado é o mesmo?

Sugere-nos Terrin (1998, p.120-121) que tais questões não se enquadram em perspectivas fenomenológicas e antropológica. Segundo essas, e isso interessa à Ciência da Religião, é que não se pode “ater somente às atitudes externas e a Gestalt total do fenômeno estático”. Isso, em função das questões colocadas acima pertencerem ao âmbito de uma “teologia do misticismo”. Interessa-nos primeiro reconhecer os fenômenos e depois diferenciá-los.

Enfim, o transe é a possibilidade de mostrar algo de mais profundo, inclusive em situação de dor experimentado por um indivíduo em seu mundo interior. Inclusive não requer necessa- riamente uma mensagem específica ou mesmo religiosa. De toda maneira, diferentemente do êxtase, no transe há movimento, crise da personalidade, estímulos sensoriais induzidos ou não por drogas, música, dança, etc.

No que se refere à crise de personalidade, no transe há uma perda de identidade que não está diretamente relacionada ao surgimento de identidades alternativas ou até mesmo ações praticadas. Após o transe, a amnésia se instala havendo supressão da existência de imagens ou visões.

Torna-se interessante saber que na maioria dos casos a situação de transe é aceita pela cul- tura do indivíduo como algo pragmático dentro dos padrões culturais ou religiosos a qual ele faça parte. É frequente principalmente nas religiões cujos padrões culturais o associa a ritos ou práticas religiosas.

Porém, cabe aqui ressaltar que, embora alguns indivíduos passem por situações de transe ou possessão consideradas normais, ainda as- sim estes podem a vir desenvolver alguns sin- tomas que lhes possam causar sofrimentos.

É necessário dizer que é cada vez mais co- mum nos movimentos religiosos na atualidade a presença do transe, inclusive como elemento que sobressai de forma tal que atrai adeptos. O transe tem ocorrido acompanhado de cantos, gestos, músicas, explanações inflamadas, per- formance corporal, entre outros aspectos, ou seja, está circundado de elementos externos.

3.2.3 Possessão

Pode-se dizer que a possessão é um ele- mento específico de certos tipos de transe. Significa sempre uma relação instaurada entre aquele que entra em transe e um agente ex- terno ao seu corpo que se acredita poder ser espíritos ou divindades.

DiCA Veja a obra eliadiana “O

xamanismo”. DiCA Complemente vosso entendimento acerca do estado de transe, assistindo ao filme “Em Transe” (Trance 2013). Um alucinante suspense com direção de DANNY BOYLE, na trama de assalto, um quadro de Goya (“Bruxas no Ar”) é roubado, só que Simon (James McAvoy) sofre amnésia e não lembra onde o escon- deu. Disponível em <youtubehttps://www.

youtube.com/watch?- v=Qa50WT5gQTI> Vale a pena ler as obras

“O livro da vida” e “Ca- minho de Perfeição” de

Tereza D'ávila.

Figura 11: “Bruxas no Ar” (1797-1798), de Goya. Quadro da trama em transe. Fonte: Disponível em <http://cinegnose.blogs- pot.com.br/2014/12/nossa- consciencia-e-uma-ilusao- no-filme.html>. Acesso em 08 mai. 2015. ►

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Nesse sentido, os agentes de posses- são, de forma geral, são de natureza espi- ritual. Para a Umbanda, aquele que sofre a ação de um espírito é visto como possessão, o médium é o “cavalo” que transporta o es- pírito em direção ao seu objetivo, para con- tatar-se com o ser humano.

A possessão, historicamente tem assus- tado em função de ocorrer em muitos des- ses estados alterados de consciência, desde automutilações até suicídios ou atentado contra a própria vida.

No entanto, em várias religiões, eles são necessários, como forma de aproximar homens e o sobrenatural, sendo prerrogativa apenas de iniciados, ou seja, para a possessão deve-se ad- quirir conhecimento o bastante no propósito de exercer sobre ela um mínimo de segurança.

Segurança essa pautada na confiança que instala, acredita-se, entre homem e sagrado.

Como estado alterado da consciência, a possessão pode ser voluntária ou patológica. No entanto, tem se tornado algo comum e encontrado em variadas culturas.

Como dito, a possessão, embora tendo também variações bem amplas, é um elemento es- pecífico do transe ou de certos tipos de transe. É possível perceber que, na possessão, existe o aparecimento de uma ou diversas entidades alternativas distintas, com comportamentos, recor- dações e atitudes tipicamente características de tal estado.

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