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3 NEOLIBERALISMO NO BRASIL: PRIVATIZAÇÕES E PLANOS DE

3.1 Planos de Demissão Voluntária e seus reflexos sobre os trabalhadores

3.1.2 As transformações do setor bancário

Durante a década de 1990 e início dos anos 2000, o setor bancário foi um dos mais amplamente atingidos pela aplicação de planos de demissão como os PDVs, como resultado do processo de automação e informatização do setor. No destacado período, tais mudanças atingiram diversos planos da organização bancária e da sociedade, promovendo o avanço do processo de internacionalização do sistema financeiro, a implementação de políticas de regulação do setor financeiro e um processo de “privatização da cultura organizacional”, que fez com que bancos em todo país mudassem sua função social, descartando o apoio ao desenvolvimento econômico para se tornarem bancos comerciais (DRUCK et al, 2002).

Segundo Larangeira (1997), no contexto do trabalho bancário tradicional, ou seja, como era realizado aos moldes do modelo fordista-taylorista, o atendimento dos bancos se dava em meio a mercados segmentados, atuando de maneira complementar entre si, visto que havia um número limitado e estável de produtos.

As estruturas de funcionamento correspondiam à organização por agências, a

qualificação era adquirida, principalmente, por „experiência‟; o mercado interno de

trabalho estruturava-se de forma fechada, orientando-se por um modelo rigidamente hierárquico, com mobilidade reduzida e como critério de promoção o tempo de serviço. (LARANGEIRA, 1997, p. 111).

Tais características se modificaram a partir dos anos 1970, quando os bancos começaram a operar em termos de bancos múltiplos e redes de agências. A partir desse

59 momento, intensificou-se a internacionalização das transações bancárias, fazendo com que houvesse um aumento na competitividade e profundas transformações na organização do trabalho bancário.

Essa mudança de paradigma implicou marcadamente no exercício da atividade dos trabalhadores bancários, que passaram a adotar a venda de serviços como um dos principais objetivos de sua atividade. A grande redução do contingente de trabalhadores bancários, vinculada principalmente à reestruturação produtiva e não necessariamente à redução de tarefas a serem realizadas, implicou na utilização de diferentes ações de reajuste e realocação dos recursos humanos das empresas, dentre elas, os PDVs.

De acordo com diversos estudos (SILVA, 2002; DRUCK et al, 2002; SILVA et al, 2007), de fato, as gerências de cada agência atuaram ativamente no sentido de pressionar determinados funcionários elegíveis à adoção dos PDVs. A pressão não decorre apenas dos gerentes, mas do próprio discurso veiculado através da apresentação do plano, que, por vezes, enfatiza o empreendedorismo e a oportunidade “imperdível” de desenvolvimento de um negócio próprio.

Outro fenômeno de grande importância que toma cada vez mais espaço no setor bancário é a terceirização de atividades. De acordo com Garcia (1999), o processo de terceirização do setor bancário, iniciado em áreas de apoio como serviços gerais e vigilância e que avança para atividades técnicas (gerenciamento de recursos humanos e departamento jurídico), chegando a atividades fim (processamento de dados e tratamento de documentos contábeis); à medida que vincula estratégias de redução de custos com encargos trabalhistas, passa a conduzir à negação das condições de trabalho dos bancários.

Dentre os reflexos deste processo estão o rebaixamento salarial, o aumento da jornada de trabalho, a perda de direitos trabalhistas, dentre tantos outros anteriormente apresentados. Como aludido, apesar da demissão de um grande número de funcionários, da reestruturação e informatização do setor bancário, o número de tarefas a serem realizadas por esses profissionais aumenta gradativamente, principalmente em função do enxugamento dos quadros (BARBARINI, 2001). Com a diversificação dos serviços ofertados, o trabalho bancário ganha uma nova configuração, que, com a redução do número de funcionários atuando em agências, afeta diretamente na intensidade do trabalho realizado.

Em 12 anos, de 1986 a 1998, houve uma redução de 48% de empregos no setor bancário, passando de 705.065 a 367.852 empregos (DRUCK et al, 2002). Atualmente, o emprego no banco público caracteriza-se como instável, em decorrência da ampla utilização de PDVs, Planos de Aposentadoria Incentivada (PAI) e frequentes transferências de locais de

60 trabalho. A automação, com o surgimento de caixas e auto-atendimento e possibilidade de realizar transações via internet (Internet Banking), foi, em diversos casos, utilizada como justificativa para a implementação dos PDVs.

O sindicato dos bancários também sofreu uma grande perda de associados em decorrência do número representativo de demissões. Isso promoveu a desmobilização sindical, incorrendo na predominância do discurso de incentivo à individualização das negociações no trabalho (BARBARINI, 2001). A atuação dos sindicatos fica, então, limitada a ações pontuais, normalmente relativas a denúncias, obtendo poucos resultados concretos no sentido de benefícios e mudanças, mesmo que parciais, para o trabalhador bancário.

Recentemente, percebemos uma nova onda de utilizações dos PDVs em diversas empresas no Brasil. A partir de dezembro de 2014, empreendimentos dos mais diversos setores, mas especialmente do setor metalúrgico, anunciaram a abertura de planos sob a justificativa de uma nova adequação da produção às demandas provenientes do mercado, bem como da manutenção da competitividade das fábricas. Frente ao nosso atual momento de crise política e econômica, vemos a necessidade de analisarmos criticamente os acontecimentos passados e seus desdobramentos para a população brasileira.

Elegemos o processo de privatização e as ações que o permeiam, em especial os PDVs, enquanto fenômeno a ser discutido por acreditarmos que se constitue como eventualidades de notória importância para a história tanto dos empreendimentos que os adotaram, como, principalmente, para os trabalhadores aos quais são ofertados. Para além disso, a ânsia por analisar o relato de trabalhadores bancários que passaram por esta situação se constrói tanto a partir do conhecimento de aspectos objetivos da história desta categoria, marcada por grandes e profundas mudanças no cotidiano laboral e nas atividades desenvolvidas por cada funcionário, como pelo interesse em explorar os acontecimentos anteriores e posteriores à privatização.

Dessa forma, acreditamos que uma incursão de reconhecimento das significações atuais que um trabalhador dá aos acontecimentos de sua história de vida laboral constitui um importante recurso para a compreensão de aspectos relevantes e particulares de sua vivência enquanto trabalhador, bem como as repercussões das alterações políticas e sociais no decurso de sua vivência.

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