1. Defini¸c˜ao e primeiros exemplos
O objecto de estudo neste cap´ıtulo ´e atransformada de Laplace (1), a qual pertence a uma classe de transformadas, ditastransformadas integrais(por serem definidas `a custa de integrais), que tˆem muito interesse quer em ´areas te´oricas, quer em ´areas de aplica¸c˜ao da Matem´atica. Um dos aspectos de interesse do estudo da transformada de Laplace decorre do facto de esta transformar certos tipos de equa¸c˜oes diferenciais em equa¸c˜oes alg´ebricas. Na pr´atica isto fornece um m´etodo simples de resolver certas equa¸c˜oes deiferenciais: aplica-se a transformada de Laplace `a equa¸c˜ao diferencial, resolve-se a equa¸c˜ao alg´ebrica resultante e, finalmente, aplicando um m´etodo de invers˜ao adequado (a chamada transformada in-versa de Laplace), obt´em-se a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao diferencial de partida. Este m´etodo de resolu¸c˜ao de equa¸c˜oes diferenciais est´a perfeitamente implementado em “pacotes computa-cionais” (simb´olicos ou num´ericos) tais como oMathematicaou oMatlab. Al´em disso, ´e muito utilizado pelos engenheiros, nomeadamente na resolu¸c˜ao de certos tipos de equa¸c˜oes diferenciais nas quais intervˆem fun¸c˜oes descont´ınuas.
Definic¸˜ao 1.1. Seja I um intervalo de n´umeros reais que cont´em [0,+∞[ e seja f : I→R. Atransformada de Laplace def, designada porL{f(t)}ou F(s), ´e definida por
L{f(t)} ≡F(s) :=
Z +∞
0
f(t)e−stdt , s∈D⊂R, desde que o integral seja convergente (exista).
Observac¸˜ao 1.1. A fun¸c˜ao F(s) ´e definida para os valores reais de s para os quais o integral converge. Este conjunto de valores onde s varia, D, ´e chamado o dom´ınio de frequˆencia, enquanto que o conjunto dos valores tonde f(t) est´a definida ´e dito o dom´ınio temporal.
Observac¸˜ao 1.2. O integral que define a transformada de Laplace ´e impr´oprio, pelo que o sentido que lhe deve ser atribu´ıdo ´e, naturalmente,
Z +∞
0
f(t)e−stdt= lim
T→+∞
Z T
0
f(t)e−stdt , e est´a definido quando este limite existir.
De acordo com a defini¸c˜ao dada da transformada de Laplace, o comportamento da fun¸c˜ao f(t) para valores det <0 n˜ao interessa, pelo queL{f(t)}cont´em informa¸c˜ao relativa af(t) apenas para valores det≥0. Deste modo a transformada de Laplace n˜ao ´e um instrumento matem´atico adequado para estudar fen´omenos nos quais o comportamento de f(t) para valores de t < 0 seja relevante, mas em muitos problemas concretos isto n˜ao constitui dificuldade, j´a que a vari´aveltrepresenta otempo.
1Em homenagem ao matem´atico francˆes Pierre Simon de Laplace (1749-1827).
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Exemplos.
1. Considere-se a fun¸c˜ao
f(t) :=eat, t≥0 (a∈R). Aplicando a defini¸c˜ao, vem
L{f(t)}=L{eat}= Z +∞
0
e−steatdt= lim
T→+∞
Z T
0
e−(s−a)tdt . Agora, se s = a ent˜ao RT
0 e−(s−a)tdt = T → +∞ (quando T → +∞), logo o integral impr´oprio ´e divergente e, por conseguinte, a transformada de Laplace n˜ao est´a definida.
Considerando ent˜aos6=a, podemos escrever Z T
0
e−(s−a)tdt=
·
− 1
s−ae−(s−a)t
¸T
t=0
= 1
s−a
³1−e−(s−a)T´ , e como
T→lim+∞e−(s−a)T =
( 0 se s > a +∞ se s < a , decorre imediatamente que
(1.1) L{eat}= 1
s−a , s > a . Em particular, paraa= 0 obt´em-se
L{1}= 1
s , s >0. 2. Considere-se agora a fun¸c˜ao
f(t) := sin(kt), t≥0 (k∈R).
E f´acil justificar, usando o m´etodo de primitiva¸c˜´ ao por partes, que para quaisquer n´umeros reais n˜ao simultaneamente nulosaeb´e
Z
eatsin(bt) dt= 1
a2+b2eat[asin(bt)−bcos(bt) ] +C (C∈R), e, consequentemente, para cadaT >0 obt´em-se
(1.2)
Z T
0
e−stsin(kt) dt= 1 s2+k2
¡k−e−sT [ssin(kT) +kcos(kT) ]¢ .
Assim, tomando o limite quandoT →+∞, constata-se que o limite existe se e s´o ses >0, o que permite obter
(1.3) L{sin(kt)}= k
s2+k2 , s >0. 2. Existˆencia da transformada de Laplace
Uma vez que a transformada de Laplace foi definida recorrendo a um integral impr´oprio, tem interesse analisar condi¸c˜oes gerais que permitam assegurar a convergˆencia deste inte-gral. O objectivo desta sec¸c˜ao ´e, precisamente, estabelecer uma condi¸c˜ao suficiente para a existˆencia da transformada de Laplace. Come¸camos por introduzir a seguinte
Definic¸˜ao2.1.Uma fun¸c˜aof, real de vari´avel real, diz-se deordem exponencial(quando t→+∞)se existem n´umerosσ∈R eM, T >0 tais que
(2.4) |f(t)| ≤M eσt para todo o t > T .
Essencialmente, isto significa que f ´e de ordem exponencial se n˜ao cresce mais rapi-damente que alguma fun¸c˜ao exponencial do tipo eσt para todos os instantes t posteriores a um determinado instante fixoT > 0. Muitas fun¸c˜oes de interesse pr´atico s˜ao de ordem exponencial—tais como as que aparecem como solu¸c˜ao de uma EDO linear de coeficientes constantes—, da´ı o interesse em introduzir este conceito.
Exemplos:
1. A fun¸c˜ao f(t) := e3t ´e de ordem exponencial. Basta observar que se cumpre a defini¸c˜ao anterior escolhendo quaisquerσ,M e T tais queσ≥3,M ≥1 eT >0.
2. A fun¸c˜aof(t) :=tn (n ∈N0, fixo) ´e de ordem exponencial. De facto, podemos tomarσ >0 (qualquer),M=n!/σneT >0 (qualquer). Isto decorre directamente do desenvolvimento em s´erie de Taylor da fun¸c˜aoeσt:
eσt= 1 +σt+(σt)2
2! +· · ·+(σt)n
n! +· · ·> (σt)n n! = σn
n! tn, dondef(t) =tn<(n!/σn)eσt para todo ot >0.
3. A fun¸c˜aof(t) :=et2 n˜ao ´e de ordem exponencial. De facto, quaiquer que sejam os valores que se considerem paraM >0 eσ,et2 cresce mais rapidamente `a medida quetaumenta do queM eσt, pois
et2 M eσt = 1
M et2−σt→+∞ (quando t→+∞).
Decorre dos exemplos precedentes que, para uma dada fun¸c˜ao de ordem exponencial, a escolha do valorσn˜ao ´e ´unica (nas condi¸c˜oes da defini¸c˜ao). O ´ınfimo do conjunto de todos os valoresσ para os quais se cumpre (2.4) chama-se abcissa de convergˆenciada fun¸c˜ao (de ordem exponencial)f, e ser´a designado porσf. Explicitamente,
σf := inf©
σ∈R : ∃M,T >0 : ∀t>T |f(t)|< M eσtª .
No caso dos dois primeiros exemplos anteriores, constata-se facilmente que para a fun¸c˜ao f(t) :=e3t´eσf = 3, enquanto que paraf(t) :=tn ´eσf= 0.
Estamos em condi¸c˜oes de enunciar o resultado anteriormente anunciado. Para tal recordemos ainda que uma fun¸c˜ao real de vari´avel real, f, ´e dita seccionalmente cont´ınua num intervalo I de n´umeros reais (limitado ou n˜ao) se em cada subintervalo limitado de I a fun¸c˜ao for cont´ınua em todos os pontos desse subintervalo com poss´ıvel excep¸c˜ao de um n´umero finito deles, que devem ser descontinuidades de primeira esp´ecie (i.e., os limites laterais nos pontos de descontinuidade devem existir e ser finitos).
Teorema2.1 (condi¸c˜ao suficiente de existˆencia da transformada de Laplace). Sef´e uma fun¸c˜ao seccionalmente cont´ınua em[0,+∞[e de ordem exponencial, com abcissa de convergˆenciaσf, ent˜ao a transformada de LaplaceL{f(t)} ≡F(s)existe paras > σf.
Prova. Como f ´e de ordem exponencial com abcissa de convergˆencia σf, para cada σ > σf podemos escrever
|f(t)| ≤M eσt , t≥T
para algum instanteT >0 e alguma constanteM >0. Al´em disso, comof´e seccionalmente cont´ınua em [0,+∞[, ent˜ao ´e integr´avel em qualquer subintervalo limitado de [0,+∞[, e em particular em [0, T]. Assim, para provar queR+∞
0 e−stf(t) dt´e convergente (i.e., queL{f(t)} existe) basta mostrar queR+∞
T e−stf(t) dt´e convergente. Com efeito, como
|e−stf(t)| ≤M e−(s−σ)t, t∈[T,+∞[, eR+∞
T e−(s−σ)tdt´e convergente (com valore−(s−σ)T/(s−σ)) para todo os > σ, conclui-se queR+∞
T e−stf(t) dt´e convergente para todo os > σ(2). Comoσ foi escolhido arbitraria-mente de modo queσ > σf, segue-se queL{f(t)}existe paras > σf.
Observac¸˜ao2.1. Constata-se facilmente que todas as fun¸c˜oes do tipo c tmeαtsin(βt) e c tmeαtcos(βt) , comc, α, β∈Rem∈N0, s˜ao de ordem exponencial quandot→+∞. Como todas as solu¸c˜oes de EDO’s lineares homog´eneas de coeficientes constantes s˜ao combina¸c˜oes lineares de fun¸c˜oes deste tipo, decorre do Teorema precedente que as transformadas de Laplace de tais solu¸c˜oes existe.
Observac¸˜ao 2.2. O teorema anterior d´a apenas uma condi¸c˜ao suficiente que garante a existˆencia da transformada de Laplace. Por´em, existem fun¸c˜oes que tˆem transformada de Laplace mas que n˜ao s˜ao de ordem exponencial, como ´e o caso da fun¸c˜ao f(t) := 1/√
t, para a qual se pode verificar queL{1/√
t}=p
π/s para s >0.
3. Propriedades da transformada de Laplace
Nesta sec¸c˜ao vamos estabelecer algumas propriedades da transformada de Laplace que, em muitas circunstˆancias, nos v˜ao permitir determinar transformadas de certas fun¸c˜oes `a custa de transformadas de outras que, por algum processo, tenham j´a sido determinadas.
As demonstra¸c˜oes de algumas das propriedades s˜ao relativamente simples, pelo que ser˜ao deixadas como exerc´ıcio.
Propriedade 3.1 (linearidade). Sejam f e g duas fun¸c˜oes cujas transformadas de Laplace existam num mesmo dom´ınio de frequˆenciaD, e sejama, b∈R. Ent˜ao
(3.5) L{af(t) +bg(t)}=aL{f(t)}+bL{g(t)} em D .
Observac¸˜ao3.1. Sef egs˜ao de ordem exponencial, com abcissas de convergˆenciaσf
eσg (resp.), ent˜ao tamb´emaf+bg´e de ordem exponencial e tem abcissa de convergˆencia menor ou igual que max{σf, σg} , pelo que, nestas condi¸c˜oes, a igualdade (3.5) est´a bem definida no conjuntoD constitu´ıdo pelos pontosstais ques >max{σf, σg}.
Exemplos.
2Recorde-se o seguinteCrit´erio de compara¸c˜ao para integrais impr´oprios: Sendogehfun¸c˜oes reais de vari´avel real tais que 0≤g(t)≤h(t) para todo ot∈[a,+∞[ (ondea∈ , fixo), se a+∞h´e convergente ent˜ao tamb´em a+∞g´e converge. Recorde-se ainda que sendofuma fun¸c˜ao real de vari´avel real integr´avel
`
a Riemann em cada subintervalo limitado de [a,+∞[, se a+∞|f|´e convergente ent˜ao tamb´em a+∞f ´e convergente.
1. Sejaf(t) := sinh(at), coma∈R(fixo). Como sinh(at) = 12eat−12e−at, e atendendo a que, por (1.1), ´e L{eat} = 1/(s−a) paras > a e L{e−at} = 1/(s+a) para s >−a, usando a linearidade da transformada de Laplace deduz-se
L{sinh(at)} = 1
2L{eat} −1
2L{e−at}
= 1
2 1 s−a−1
2 1
s+a = a
s2−a2 ,
igualdades que est˜ao bem definidas para s >max{a,−a}=|a|. Por conseguinte, L{sinh(at)}= a
s2−a2 , s >|a|.
2. Analogamente, usando cosh(at) :=12eat+12e−at, verifica-se que L{cosh(at)}= s
s2−a2 , s >|a|. 3. Considere-se agora f(t) := 3 + 2e5t. Ent˜ao, ´e
L{3 + 2e5t}= 3L{1}+ 2L{e5t},
e como, por (1.1), ´e L{1} = 1/s para s > 0 e L{e5t} = 1/(s−5) para s > 5, decorre que
L{3 + 2e5t}= 3
s+ 2
s−5 = 5(s−3)
s(s−5) , s >max{0,5}= 5.
Propriedade3.2 (transla¸c˜ao no dom´ınio de frequˆencia). Sef´e uma fun¸c˜ao cuja transformada de Laplace, L{f(t)} ≡ F(s), existe para s > σ, ent˜ao a fun¸c˜ao eatf, onde a∈R, tem transformada de Laplace paras > σ+a, e tem-se
L{eatf(t)}=F(s−a), s > σ+a .
Observac¸˜ao 3.2. Uma forma ´util de expressar esta igualdade ´e escrever L{eatf(t)}= [L{f(t)}]s→s−a= [F(s)]s→s−a , s > σ+a . Exemplos.
1. Seja f(t) :=eatsin(kt), coma, k ∈R. Ent˜ao, atendendo a (1.3) e `a Propriedade 3.2, vem
L{eatsin(kt)}=
· k s2+k2
¸
s→s−a
= k
(s−a)2+k2 , rela¸c˜ao que ´e v´alida paras >0 +a=a. Portanto,
L{eatsin(kt)}= k
(s−a)2+k2 , s > a .
2. Do mesmo modo, paraf(t) :=eatcos(kt), com a, k∈R, obt´em-se L{eatcos(kt)}= s−a
(s−a)2+k2 , s > a .
Propriedade3.3 (derivada da transformada). Sef ´e uma fun¸c˜ao seccionalmente cont´ınua em[0,+∞[e de ordem exponencial, com abcissa de convergˆencia σ, de modo que a transformada de LaplaceL{f(t)} ≡F(s)existe paras > σ, ent˜ao todas as fun¸c˜oestnf(t) (n= 0,1,2,· · ·) tˆem transformada de Laplace para s > σ, e tem-se
L{tnf(t)}= (−1)ndnF(s)
dsn , s > σ . Prova. Considere-se a igualdade
dF
ds(s) = d ds
Z +∞
0
e−stf(t) dt .
Atendendo `as hip´oteses consideradas sobref(t), podemos permutar a ordem de integra¸c˜ao e deriva¸c˜ao (3), de modo que, paras > σ, ´e
dF ds(s) =
Z +∞
0
d ds
¡e−st¢
f(t) dt=− Z +∞
0
e−stf(t) dt=L{tf(t)}. Isto prova a proposi¸c˜ao no cason= 1. O caso geral deduz-se por indu¸c˜ao.
Exemplos.
1. Sejaf(t) :=tn, comn∈N0. J´a vimos anteriormente queL{1}= 1/sparas >0.
Ent˜ao, pela Propriedade 3.3, vem L{tn}=L{tn·1}= (−1)n dn
dsn µ1
s
¶
= n!
sn+1 , s >0.
2. Seja agora f(t) :=t2et. Sabemos j´a queL{et}= 1/(s−1) paras >1, logo L{t2et}= (−1)2 d2
ds2 µ 1
s−1
¶
= µ 1
s−1
¶′′
= 2
(s−1)3 , s >1.
A tabela seguinte resume alguns dos exemplos anteriormente analisados, e ser´a de grande utilidade nos desenvolvimentos seguintes.
f(t) L{f(t)} ≡F(s) Dom´ınio de convergˆencia
tn (n∈ 0) n!
sn+1 s >0
eat (a∈!) 1
s−a s > a
eatsin(kt) (a, k∈!) k
(s−a)2+k2 s > a
eatcos(kt) (a, k∈!) s−a
(s−a)2+k2 s > a
3Trata-se de uma aplica¸c˜ao da chamadaregra de Leibniz
Observac¸˜ao3.3. Os exemplos anteriores, bem como muitos outros, podem ser obtidos usando os programasMapleou Mathematica. Neste ´ultimo a transformada de Laplace
´e implementada atrav´es do comando
LaplaceTransform[f[t],t,s].
Assim, por exemplo, o comando LaplaceTransform[Cos[3t],t,s] produz comooutputa express˜ao s
s2+9 (como podemos confirmar na tabela).
Para resolver equa¸c˜oes diferenciais usando a transformada de Laplace ´e conveniente dispˆor de uma f´ormula que expresse as transformadas das derivadas da fun¸c˜ao inc´ognita em termos da transformada de Laplace dessa fun¸c˜ao.
Para obter a f´ormula desejada, considere-se uma fun¸c˜aof: [0,+∞[→Re suponha-se que f ´e de ordem exponencial com abcissa de convergˆenciaσ. Deste modo existe transformada de Laplace, definida paras > σ. ´E conveniente assumir algumas hip´oteses adicionais sobre f, nomeadamente, que a fun¸c˜ao derivada f′ existe e ´e seccionalmente cont´ınua em [0,+∞[ (o que implica, em particular, quef ´e cont´ınua) e, ainda, que a transformada de Laplace desta fun¸c˜ao derivada tamb´em existe paras > σ. Nestas condi¸c˜oes, podemos escrever (3.6) L{f′(t)}=
Z ∞
0
e−stf′(t) dt= lim
T→+∞
Z T
0
e−stf′(t) dt .
Usando integra¸c˜ao por partes (come¸cando a integrar pelo segundo factor) e supondo, para simplificar, quef′´e cont´ınua (4), o ´ultimo integral vem igual a
Z T
0
e−stf′(t) dt = £
e−stf(t)¤T t=0+s
Z T
0
e−stf(t) dt
= e−sTf(T)−f(0) +s Z T
0
e−stf(t) dt , s > σ . Agora, atendendo `as hip´oteses colocadas sobref, ´e
T→lim+∞e−sTf(T) = 0 e lim
T→+∞
Z T
0
e−stf(t) dt=L{f(t)} para s > σ
(note-se que a igualdade a 0 do primeiro destes limites decorre do facto def ser de ordem exponencial com abcissa de convergˆenciaσe, em consequˆencia, existe uma constanteM >0 tal que se verifica uma desigualdade do tipo |e−sTf(T)| ≤ M e−(s−σ)T para s > σ) e, portanto, tomando o limite em (3.6) quandoT →+∞, obt´em-se a f´ormula procurada:
(3.7) L{f′(t)}=sL{f(t)} −f(0)≡sF(s)−f(0), s > σ .
Procedendo de modo an´alogo para a segunda derivada, assumindo quef′′existe em [0,+∞[ e que ´e a´ı seccionalmente cont´ınua e, ainda, que as fun¸c˜oesf ef′ s˜ao de ordem exponencial com abcissas de convergˆencia ≤ σ e que f′′ tem transformada de Laplace para s > σ, deduz-se
L{f′′(t)}=s2F(s)−sf(0)−f′(0), s > σ .
E, enfim, aplicando sucessivamente o procedimento descrito, de um modo geral ´e poss´ıvel estabelecer o seguinte resultado:
4Se f′ n˜ao for cont´ınua, como ´e seccionalmente cont´ınua, ent˜ao basta particionar o intervalo [0, T]
em subintervalos, pelos pontos de descontinuidade def′, e considerar como fun¸c˜oes integrandas em cada subintervalo as fun¸c˜oes cont´ınuas que coincidem come−stf′no interior de cada um desses subintervalos.
Propriedade 3.4 (transformada da derivada). Seja f uma fun¸c˜ao cuja derivada de ordem n existe e ´e seccionalmente cont´ınua em [0,+∞[. Admita-se ainda que f e as suas sucessivas derivadas at´e `a ordem n−1 s˜ao de ordem exponencial com abcissas de convergˆencia ≤ σ, e que a transformada de Laplace de f(n) tamb´em existe para s > σ.
Nestas condi¸c˜oes, para todo os > σ, tem-se
L{f(n)(t)}=snF(s)−sn−1f(0)−sn−2f′(0)− · · · −sf(n−2)(0)−f(n−1)(0). Exemplo. Determinar L {cos(kt)} usando (1.3).
Sejaf(t) := cos(kt). Ent˜aof(0) = 1 ef′(t) =−ksin(kt) e, portanto, por (1.3), L {f′(t)}=−kL{sin(kt)}=− k2
s2+k2, s >0. Assim, atendendo a (3.7) tem-se − k2
s2+k2 =L{−ksin(kt)}=sL{cos(kt)} −1 paras >0, donde
L{cos(kt)}= 1 s
µ
1− k2 s2+k2
¶
= s
s2+k2 , s >0. Como consequˆencia da propriedade anterior, pode deduzir-se a seguinte
Propriedade3.5 (transformada de um integral indefinido). Sendof uma fun¸c˜ao cont´ınua em[0,+∞[ e de ordem exponencial com abcissa de convergˆenciaσ >0, ent˜ao
L
½Z t
0
f(u) du
¾
= 1
sF(s), s > σ . Exemplo. Determinar LnRt
0
£u3+ sin(2u)¤o .
Neste caso, ´e f(t) =t3+ sin(2t) , logo (usando a linearidade da transformada e a tabela) F(s) =L©
t3ª
+L {sin(2t)}= 6 s4+ 2
s2+ 4 , s >0. Consequentemente, pela Propriedade 3.5,
L
½Z t
0
£u3+ sin(2u)¤¾
= 6
s5+ 2
s(s2+ 4) , s >0.
Para concluir este primeiro grupo de propriedades, vamos estabelecer uma f´ormula que permite determinar de forma eficaz a transformada de Laplace de uma fun¸c˜ao peri´odica.
Recorde-se que uma fun¸c˜aof : [0,+∞[→R´e ditaperi´odicase existir um n´umero realT >0 (chamadoper´ıododef) tal que
f(t+T) =f(t), t≥0.
Propriedade3.6 (transformada de uma fun¸c˜ao peri´odica). Sejaf(t)uma fun¸c˜ao peri´odica em [0,+∞[, com per´ıodo T > 0, e admita-se ainda que f(t) ´e seccionalmente cont´ınua. Ent˜ao
L {f(t)}= 1 1−e−sT
Z T
0
e−stf(t) dt , s >0.
Prova. Sendof peri´odica e seccionalmente cont´ınua em [0,+∞[, ´e claro que ´e limitada neste intervalo. Isto implica quef ´e tamb´em de ordem exponencial com abcissa de con-vergˆenciaσf= 0, pelo que a transformada de Laplace existe paras >0. Assim, paras >0 podemos escrever sendo a ´ultima igualdade justificada pelo facto de f ser peri´odica de per´ıodo T. Conse-quentemente, substituindo acima vem
Exemplo. DeterminarL {f(t)}, sendo f(t) a fun¸c˜ao peri´odica de per´ıodo 2π definida por
f(t) :=
( sint se 0≤t≤π 0 se π≤t <2π .
E claro que para esta fun¸c˜´ aof todas as hip´oteses da Propriedade 3.6 s˜ao cumpridas, pelo que paras >0 ´e Agora, o valor do ´ultimo integral pode obter-se como caso particular de (1.2), pelo que
L {f(t)}= 1 1−e−2πs
1 +e−sπ
s2+ 1 = 1
(1 +s2)(1−e−πs) , s >0. 4. Invers˜ao da transformada de Laplace
Na resolu¸c˜ao de muitos problemas de interesse pr´atico (equa¸c˜oes diferenciais, por ex-emplo) ´e importante, dada uma fun¸c˜ao F(s), definida num determinado intervalo, saber se essa fun¸c˜ao ´e a transformada de Laplace de alguma fun¸c˜aof(t). Conforme sabemos, a transformada de Laplace L{f(t)} ≡ F(s) apenas cont´em informa¸c˜ao sobre a fun¸c˜ao f(t) para valores det ≥ 0, pelo que, dadaF(s), estaremos apenas interessados em encontrar
fun¸c˜oes f(t) definidas para t ≥ 0 tais queL{f(t)} = F(s). Naturalmente, como a trans-formada de Laplace ´e definida `a custa de um integral envolvendo o produto de uma fun¸c˜ao exponencial pela fun¸c˜aof(t), e o valor do integral n˜ao ´e afectado se modificarmos o valor da fun¸c˜ao nalgum ponto isolado, e.g., ´e claro que, dadaF(s), existe uma infinidade de fun¸c˜oes f(t) para as quaisL{f(t)}=F(s). No entanto, ´e poss´ıvel demonstrar que se duas fun¸c˜oes f(t) eg(t) tˆem a mesma transformada de Laplace, apenas uma delas pode ser cont´ınua. De facto, podemos dizer um pouco mais. DesigneV o conjunto constitu´ıdo pela totalidade das fun¸c˜oes cont´ınuas definidas em [0,+∞[ e de ordem exponencial quandot→+∞. De acordo com a Propriedade 3.1 e a observa¸c˜ao que se lhe segue, podemos afirmar queV ´e um espa¸co vectorial e que a aplica¸c˜ao (operador) L:V → R(V), ondeR(V) designa o contradom´ınio da aplica¸c˜aoL, ´e linear e, obviamente, sobrejectiva. Al´em disso, pode mostrar-se queL ´e tamb´em injectiva e, por conseguinte, ´e invert´ıvel. Deste modo, existe a aplica¸c˜ao inversa L−1:R(V)→V, `a qual chamaremosoperador transformada inversa de Laplace. Por´em, se retirarmos aos elementos de V a exigˆencia de serem fun¸c˜oes cont´ınuas, deixa de ser ver-dade que o operadorL´e invert´ıvel e, por conseguinte, dada uma fun¸c˜aoF(s), existe uma infinidade de fun¸c˜oes seccionalmente cont´ınuas que verificam L{f(t)} = F(s). Tendo em mente as considera¸c˜oes precedentes, adoptaremos como “satisfat´oria”a seguinte defini¸c˜ao:
O s´ımbolo L−1{F(s)}—a que chamaremos transformada inversa de Laplace de F(s)—
designar´a uma fun¸c˜aof(t)cont´ınua em[0,+∞[cuja transformada de Laplace sejaF(s), i.e., L{f(t)} ≡F(s). No caso de todas as fun¸c˜oesf(t)que satisfazem a igualdadeL{f(t)} ≡F(s) serem descont´ınuas em[0,+∞[, seleccionamos uma fun¸c˜ao seccionalmente cont´ınuaf(t)que verifique esta igualdade e tomamo-la paraL−1{F(s)}.
Deste modo, escreveremos
f(t) =L−1{F(s)} (t≥0) sempre que L{f(t)} ≡F(s) (s∈D⊂R), seleccionando, se poss´ıvel,f cont´ınua.
Por exemplo,
como L{eat}= 1
s−a ent˜ao L−1
½ 1 s−a
¾
=eat (t≥0). Do mesmo modo,
como L{sin(at)}= a
s2+a2 ent˜ao L−1
½ a s2+a2
¾
= sin(at) (t≥0).
Observamos que, da propriedade de linearidade paraLse deduz que tamb´em L−1´e linear, i.e.,
L−1{aF(s) +bG(s)}=aL−1{F(s)}+bL−1{G(s)}
para quaisquer constantes a, b ∈ R e para quaisquer fun¸c˜oes F(s) e G(s) que estejam definidas num dom´ınio de frequˆencia comum.
Exemplo. Determinar L−1
½ s+ 1 s2(s2+ 9)
¾ . Come¸camos por decompˆor F(s) = s+ 1
s2(s2+ 9) como soma de frac¸c˜oes elementares. Os zeros do polin´omio que figura em denominador s˜ao as ra´ızes da equa¸c˜ao alg´ebricas2(s2+9) =
0, logo s˜ao os n´umeros 0 (zero duplo) e±3i(zeros complexos simples). Assim,
ondeA, B, C eD s˜ao constantes reais a determinar. A determina¸c˜ao da constante Apode fazer-se imediatamente pela “regra do tapa”, obtendo-se
A=
Para determinarC eDtem-se (multiplicando ambos os membros de (4.8) por s2+ 9 e, em seguida, fazendos= 3i—que ´e um dos zeros des2+ 9) donde (atendendo a que dois n´umeros complexos coincidem se e s´o se coincidem as suas partes real e imagin´aria, resp.) C=−19 e 3D=−13, i.e.,
C=D=−1 9 .
Resta determinar a constanteB. Um processo poss´ıvel para a determina¸c˜ao desta constante (e que permite tamb´em obter todas as outras constantes) consiste em reduzir o segundo membro da express˜ao (4.8) a uma s´o frac¸c˜ao (com denominador igual ao da frac¸c˜ao do primeiro membro de (4.8)) e em seguida, da igualdade entre os numeradores das frac¸c˜oes nos primeiro e segundo membros da igualdade resultante, deduz-se
s+ 1 = A(s2+ 9) +Bs(s2+ 9) + (c+Ds)
= (B+D)s3+ (9A+C)s2+ 9Bs+ 9A , donde, por compara¸c˜ao de coeficientes, se obt´em
0 =B+D , 0 = 9A+C , 1 = 9B , 1 = 9A .
Em particular, daqui deduz-se B = 19. (Note-se que, como j´a haviam sido determinados os valores deA, C e D, bastaria, por exemplo, ter comparado os coeficientes de s3, o que conduziria `a rela¸c˜ao 0 = B+D, a qual, conjuntamente com o facto de j´a se saber que D=−19, permitiria determinar o valor deB.) Assim, (4.8) d´a lugar a
Finalmente, usando a linearidade deL−1, e como, de acordo com os resultados da tabela de transformadas de Laplace, ´e
Tal como a linearidade, tamb´em a Propriedade 3.2 (transla¸c˜ao) da transformada de Laplace d´a lugar a uma propriedade an´aloga para a transformada inversa, nomeadamente
L−1{F(s−a)}=eatf(t), t≥0.
No lugar desta igualdade tamb´em ´e usual escrever, com o mesmo significado, L−1©
[F(s) ]s→s−aª
=eatf(t), t≥0, ou, ainda,
L−1©
[F(s) ]s→s−aª
=eatL−1{F(s)} , t≥0.
Exemplo. Determinar L−1
½ 2
s2+ 6s+ 13
¾ . Observando que
2
s2+ 6s+ 13= 2
(s+ 3)2+ 22 =
· 2 s2+ 22
¸
s→s+3
,
e atendendo a que (pela tabela), a F(s) = 2
s2+ 22 corresponde f(t) =L−1{F(s)}= sin(2t), vem
L−1
½ 2
s2+ 6s+ 13
¾
=e−3t sin(2t), t≥0.
Observac¸˜ao 4.1. No programaMathematica a transformada inversa de Laplace ´e implementada atrav´es do comando
InverseLaplaceTransform[F[s],s,t]. Assim, por exemplo, o comando InverseLaplaceTransform[ s
s2+9,s,t] produz como outputa express˜ao Cos[3t].
5. Aplica¸c˜ao `a resolu¸c˜ao de EDO’s
Conforme descrito no in´ıcio do cap´ıtulo, uma das aplica¸c˜oes mais ´uteis da transfor-mada de Laplace ´e `a resolu¸c˜ao de equa¸c˜oes e de sistemas de equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias (EDO’s). Tipicamente, a transformada de Laplace pode aplicar-se com sucesso quando procuramos solu¸c˜oes de EDO’s lineares de coeficientes constantes, definidas em intervalos I⊂[0,+∞[ , do tipo
(5.9) a0dny
dtn +a1dn−1y
dtn−1 +· · ·+an−1dy
dt +any=f(t),
onde a0, a1,· · ·, an s˜ao constantes reais, a0 6= 0, e f ´e uma fun¸c˜ao dada. Como se sabe, muitas vezes ´e necess´ario explicitar certas condi¸c˜oes inciais (a velocidade inicial, ou a pop-ula¸c˜ao inicial, por exemplo), o que corresponde a procurar solu¸c˜oes y = y(t) tais quey e as suas sucessivas derivadas at´e `a ordemn−1 satisfa¸cam certos valores pr´e-fixados num determinado instante (usualmentet= 0), digamos,
(5.10) y(0) =c0, dy
dt(0) =c1, · · · , dn−1y
dtn−1(0) =cn−1,
ondec0, c1,· · ·, cn−1s˜ao osnvalores (iniciais) pr´e-fixados.
Vejamos ent˜ao como ´e que a transformada de Laplace pode ser usada para determinar solu¸c˜oes da EDO (5.9) sujeita `as condi¸c˜oes iniciais (5.10). Para evitar formalismos (que neste contexto s˜ao desnecess´arios) vamos supˆor que as condi¸c˜oes da propriedade Propriedade 3.4 s˜ao verificadas. Em primeiro lugar, aplica-se a transformada de Laplace (admitindo que esta existe para todas as fun¸c˜oes envolvidas) a ambos os membros da igualdade (5.9), obtendo-se (5.11) a0L (trans-formada da fun¸c˜ao procuraday), atendendo `a Propriedade 3.4 cada uma das transformadas L {· · · } que aparece no primeiro membro de (5.11) pode exprimir-se em termos da trans-formadaY(s) de y(t) por meio de uma express˜ao que tamb´em envolve as constantes inici-ais c0, c1,· · ·, cn−1, logo, substituindo em (5.11) as express˜oes assim obtidas, ap´os alguns c´alculos (que para as equa¸c˜oes dos exemplos concretos que iremos tratar s˜ao geralmente simples de realizar) obt´em-se
Q(s)Y(s) =F(s) +P(s),
ondeP(s) eQ(s) s˜ao polin´omios na vari´avelsdefinidos explicitamente por Q(s) :=
de modo que a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao diferencial (5.9) proposta, sujeita `as condi¸c˜oes iniciais (5.10) especificadas, se pode agora obter por aplica¸c˜ao da transformada inversa de Laplace:
y(t) =L−1{Y(s)}=L−1
1. Quando a ordem da EDO ´e muito elevada, o processo descrito pode tornar-se
“fastidioso”, mas ´e poss´ıvel amenizar esta dificuldade usando m´etodos matriciais (e, claro, computacionais!).
2. E usual encontrar sistemas modelizados n˜ao apenas por uma, mas antes por´
2. E usual encontrar sistemas modelizados n˜ao apenas por uma, mas antes por´