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Transformando Nossos Fantasmas em Ancestrais

A psicanálise como terapia neuroplástica

O sr. L. havia sofrido de depressão recorrente nos últimos 40 anos e tinha tido dificuldades em seus relacionamentos com as mulheres. Estava no final dos 50 anos e se aposentara recentemente quando procurou minha ajuda.

Poucos psiquiatras da época, no início da década de 1990, davam importância à ideia de que o cérebro era plástico, e em geral se pensava que as pessoas que se aproximavam dos 60 anos estavam “presas demais ao seu jeito de ser” para se beneficiarem de um tratamento que objetivava não apenas livrá-las do sintomas, mas alterar antigos aspectos de seu caráter.

O sr. L. sempre foi formal e educado. Era inteligente, sutil e falava de uma forma apocopada e seca, sem muita musicalidade na voz. Ficava cada vez mais distante quando falava de seus sentimentos.

Além das depressões profundas, que só reagiam parcialmente a antidepressivos, ele sofria de um segundo estado de espírito estranho. Em geral ele era dominado — aparentemente do nada — por um misterioso senso de paralisia, sentindo-se entorpecido e sem objetivos, como se o tempo tivesse parado. Ele também contou que bebia demais.

Ele ficava particularmente perturbado com suas relações com as mulheres. Assim que se envolvia amorosamente, começava a recuar, sentindo que “há uma mulher melhor em algum lugar que nego a mim mesmo”. Ele fora infiel à esposa em várias ocasiões e em consequência perdera o casamento, um resultado do qual se arrependia imensamente. Pior ainda, não conhecia motivo para ser infiel, porque tinha muito respeito pela esposa. Ele tentou muitas vezes voltar, mas ela se recusou.

Ele não sabia o que era o amor, nunca sentira ciúme nem se sentira possessivo em relação aos outros, e sempre tinha a impressão de que as mulheres queriam ser “donas” dele. Evitava compromisso e conflito com elas. Era dedicado aos filhos, mas se sentia ligado a eles por um senso de dever e não por afeto genuíno. Esse sentimento lhe causava dor, porque eles eram amorosos e afetuosos com ele.

Quando o sr. L. tinha 26 meses, sua mãe morreu dando à luz a irmã mais nova. Ele não acreditava que a morte da mãe o tivesse afetado significativamente. Tinha sete irmãos, e então o único cuidador ficou sendo o pai, um agricultor, que cuidava da fazenda isolada em que eles viviam sem eletricidade ou água corrente, em um condado empobrecido durante a Grande Depressão. Um ano depois, o sr. L. contraiu uma doença gastrintestinal crônica, que precisava de atenção contínua. Quando tinha 4 anos, o pai, incapaz de cuidar dele e dos irmãos, enviou-o para morar com uma tia sem filhos e o marido a milhares de quilômetros. Em dois anos, tudo mudou na curta vida do sr. L. Ele perdera a mãe, o pai, os irmãos, a saúde, a casa, seu vilarejo e todo o ambiente físico familiar — tudo de que gostava e a que estava ligado.

E como cresceu entre pessoas acostumadas a suportar épocas difíceis e a não perder o ânimo, nem o pai nem a família adotiva conversavam muito sobre essas perdas com ele.

O sr. L. disse que não tinha lembranças a partir dos 4 anos ou antes, e muito poucas da adolescência. Não sentia tristeza com o que lhe aconteceu e nunca chorou, nem mesmo quando adulto — por nada. Na verdade, falava como se nada do que lhe acontecera tivesse sido registrado. Por que deveria?, perguntou ele. A mente das crianças não é ainda muito pouco desenvolvida para registrar eventos tão prematuros?

Entretanto, havia pistas de que suas perdas foram registradas. Enquanto contava sua história, ele dava a impressão, depois de todos aqueles anos, de que ainda estava em choque. Também era assombrado por sonhos em que sempre procurava por alguma coisa. Como Freud descobriu, os sonhos recorrentes, com uma estrutura relativamente inalterada, em geral contêm fragmentos de lembranças de traumas infantis.

O sr. L. descreveu um sonho típico como se segue:

Estou procurando por alguma coisa, não sei o que é, um objeto não identificado, talvez um brinquedo, que está além do meu território familiar... Eu gostaria de tê-lo de volta.

Seu único comentário foi de que o sonho representava “uma perda terrível”. Mas, surpreendentemente, ele não o associava à perda da mãe ou da família.

de seu caráter e se livraria de sintomas que o acompanhavam havia 40 anos, em uma análise que durou dos 48 aos 62 anos. Esta mudança foi possível porque a psicanálise é, na realidade, uma terapia neuroplástica.

Há anos é moda, em alguns grupos, argumentar que a psicanálise, a originária “cura pela fala”, e outras psicoterapias não são maneiras sérias de tratar sintomas psiquiátricos e problemas de caráter. Os tratamentos “sérios” requerem drogas, não apenas “falar de pensamentos e sentimentos”, o que não pode afetar o cérebro ou alterar o caráter. A convicção de que o caráter é um produto de nossos genes enraizava-se cada vez mais.

Foi o trabalho do psiquiatra e pesquisador Eric Kandel que me deixou interessado pela primeira vez na neuroplasticidade, quando eu era residente no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Columbia, onde ele ensinava e era uma importante influência para todos os presentes. Kandel foi o primeiro a mostrar que nossos neurônios individuais alteram sua estrutura e fortalecem as conexões sinápticas entre eles enquanto aprendemos. 1 Ele também foi o primeiro a demonstrar que quando formamos lembranças de longo prazo, os neurônios mudam seu formato anatômico e aumentam o número de conexões sinápticas que têm com outros neurônios — trabalho que lhe valeu o prêmio Nobel em 2000.

Kandel tornou-se médico e psiquiatra na esperança de praticar a psicanálise. Mas vários amigos psicanalistas insistiram que estudasse o cérebro, o aprendizado, a memória, algo sobre o qual pouco se sabia, a fim de aprofundar a compreensão de por que a psicoterapia é eficaz e como pode ser aprimorada. Depois de algumas descobertas iniciais, Kandel decidiu dedicar-se integralmente à pesquisa em laboratório, mas nunca perdeu o interesse em saber como a mente e o cérebro mudam na psicanálise.

Ele começou a estudar uma lesma-do-mar gigante, chamada Aplysia, cujos neurônios incomumente grandes — suas células têm um milímetro de extensão e são visíveis a olho nu — podem proporcionar uma janela para o funcionamento do tecido nervoso humano. A evolução é conservadora e as formas elementares de aprendizado funcionam da mesma maneira em animais com sistema nervoso simples e no ser humano.

A esperança de Kandel era “capturar” uma resposta aprendida no menor grupo possível de neurônios que pudesse encontrar e estudá-la. 2 Ele descobriu na lesma um circuito simples que podia remover parcialmente do animal por dissecação e mantê-lo vivo e intacto em água do mar. Desta maneira podia estudá-lo in vivo e no curso do aprendizado.

enviam sinais aos neurônios motores, que agem por reflexo para protegê-la. As lesmas-do-mar respiram expondo as guelras, recobertas de um tecido carnoso chamado sifão. Se os neurônios sensoriais no sifão detectam um estímulo desconhecido ou um perigo, eles mandam uma mensagem aos seus neurônios motores, que se ativam, levando os músculos em volta da guelra a puxarem o sifão e a guelra em segurança para dentro da lesma, onde ficam protegidos. Foi este o circuito que Kandel estudou inserindo microeletrodos nos neurônios.

Ele mostrou que enquanto a lesma aprendia a evitar choques e retraía a guelra, seu sistema nervoso mudava, aumentando as conexões sinápticas entre os neurônios motores e sensoriais e emitindo sinais mais potentes, detectados pelos microeletrodos. Esta foi a primeira prova de que o aprendizado leva à consolidação neuroplástica das conexões entre os neurônios. 3

Se ele repetisse os choques em um curto período, as lesmas tornavam-se “sensibilizadas”, de modo que desenvolviam o “medo aprendido” e uma tendência a reagir exageradamente mesmo aos estímulos mais inofensivos, como o homem faz ao desenvolver distúrbios de ansiedade. Quando as lesmas desenvolviam o medo aprendido, os neurônios pré-sinápticos liberavam mais do neurotransmissor na sinapse, emitindo um sinal mais potente. 4 Depois ele mostrou que as lesmas podiam ser ensinadas a reconhecer um estímulo como inofensivo. 5 Quando o sifão da lesma era tocado gentilmente repetidas vezes e não era seguido de um choque, as sinapses que levavam ao reflexo de retração enfraqueciam e a lesma por fim ignorava o toque. Por fim Kandel mostrou que as lesmas também podem aprender a associar dois eventos diferentes e que seu sistema nervoso muda neste processo. 6 Quando submetia a lesma a um estímulo inofensivo, seguido imediatamente por um choque na cauda, o neurônio sensorial do animal reagia ao estímulo inofensivo como se fosse perigoso, emitindo sinais muito fortes — mesmo que não fosse seguido pelo choque.

Kandel, trabalhando com Tom Carew, psicólogo e fisiologista, em seguida mostrou que as lesmas podem desenvolver memórias de curto e longo prazos. Em um experimento, a equipe treinou uma lesma a retrair a guelra depois de ser tocada dez vezes. As mudanças nos neurônios continuaram por vários minutos — o equivalente de uma memória de curto prazo. Quando tocaram a guelra dez vezes, em quatro diferentes sessões de treinamento separadas por um período que variava de várias horas a um dia, as mudanças nos neurônios persistiram até três semanas. 7 Os animais desenvolveram memórias primitivas de longo prazo.

Kandel trabalhou em seguida com o colega e biólogo molecular James Schwartz e com geneticistas para melhor compreender as moléculas envolvidas na formação de memórias de longo prazo nas lesmas. 8 Eles mostraram que nestes animais, para que as memórias de curto prazo passem a ser de longo prazo, uma nova proteína deve ser produzida na célula. 9 A equipe mostrou

que uma memória de curto prazo torna-se de longo prazo quando uma substância no neurônio, chamada proteína quinase A, desloca-se do corpo celular para o núcleo do neurônio, onde os genes são armazenados. A proteína ativa um gene para produzir outra proteína que altera a estrutura da terminação nervosa, de forma que se desenvolvem novas conexões entre os neurônios. Depois Kandel, Carew e os colegas Mary Chen e Craig Bailey mostraram que quando um único neurônio desenvolve uma memória de longo prazo em consequência da sensibilização, pode passar a estabelecer de 1.300 a 2.700 conexões sinápticas, um nível impressionante de mudança neuroplástica. 10

O mesmo processo ocorre na espécie humana. Quando aprendemos, alteramos os genes que são “expressos” ou ativados em nossos neurônios.

Nossos genes têm duas funções. A primeira, a “função de modelo”, permite que nossos genes se repliquem, produzindo cópias deles mesmos que são transmitidas de uma geração para a outra. A função de modelo está fora de nosso controle.

A segunda é a “função de transcrição”. Cada célula em nosso corpo contém todos os nossos genes, mas nem todos os genes são ativados, ou expressos. Quando é ativado, um gene produz uma nova proteína que altera a estrutura e a função da célula. Isso é chamado de função de transcrição porque quando o gene é ativado, as informações sobre como produzir essa proteína são “transcritas” ou lidas a partir do gene. Essa função de transcrição é influenciada pelo que fazemos e pensamos.

A maioria das pessoas pressupõe que nossos genes nos modelam — nosso comportamento e nossa anatomia cerebral. O trabalho de Kandel mostra que quando aprendemos, nossa mente também afeta a transcrição genética nos nossos neurônios. Assim, podemos modelar nossos genes, que, por sua vez, modelam a anatomia microscópica de nosso cérebro.

Kandel argumenta que quando a psicoterapia muda as pessoas, “presumivelmente o faz por meio do aprendizado, produzindo mudanças na expressão do gene que alteram a potência das conexões sinápticas e mudanças estruturais que alteram o padrão anatômico de interconexões entre as células nervosas do cérebro”. 11 A psicoterapia funciona penetrando fundo no cérebro e em seus neurônios e mudando sua estrutura ao ativar os genes certos. A psiquiatra Susan Vaughan argumentou que a cura pela fala funciona por “falar com os neurônios”, 12 e que um psicoterapeuta ou psicanalista competente é um “microcirurgião da mente”, ajudando os pacientes a fazer as alterações necessárias nas redes neuronais.

Essas descobertas sobre o aprendizado e a memória no nível molecular têm suas origens na própria história de Kandel.

Kandel era judeu, e a Áustria na época era um país virulentamente antissemita. Em março de 1938, quando Hitler tomou Viena, anexando a Áustria ao Reich alemão, foi acolhido por multidões que o veneravam, e o arcebispo católico de Viena ordenou que todas as igrejas hasteassem a bandeira nazista. No dia seguinte, todos os colegas de turma de Kandel — a não ser uma menina, a única outra judia na turma — pararam de falar com ele e começaram a incomodá-lo. Em abril, todas as crianças judias foram expulsas da escola.

Em 9 de novembro de 1938 — a Kristallnacht, a “Noite dos Cristais”, quando os nazistas destruíram todas as sinagogas no Reich alemão, inclusive na Áustria —, o pai de Kandel foi preso. Os judeus austríacos foram expulsos de suas casas e, no dia seguinte, 30 mil homens judeus foram mandados para campos de concentração.

Kandel escreveu: “Lembro-me da Kristallnacht todo dia, mais de 60 anos depois, como se fosse ontem. Caiu dois dias depois do meu aniversário de 9 anos, em que me cobriram de brinquedos da loja de meu pai. Quando voltamos ao nosso apartamento mais ou menos uma semana depois de termos sido expulsos, todas as coisas de valor tinham desaparecido, inclusive meus brinquedos... Provavelmente é inútil, mesmo para alguém treinado no pensamento psicanalítico como eu, tentar situar a origem dos complexos interesses e ações de minha vida em algumas poucas experiências de minha juventude. Todavia, não posso deixar de pensar que as experiências de meu último ano em Viena ajudaram a determinar meus interesses posteriores na mente, em como as pessoas se comportam, na previsibilidade da motivação e na persistência da memória... Fui fisgado, como outros, pela profundidade com que esses eventos traumáticos de minha infância foram gravados na memória.” 13 Ele foi atraído pela psicanálise porque acreditava que ela “esboçava a visão mais coerente, interessante e cheia de nuanças da mente humana” 14 e, de todas as psicologias, tinha a compreensão mais abrangente das contradições do comportamento humano, de como as sociedades civilizadas podem de repente promover “semelhante crueldade em tantas pessoas” e de como um país aparentemente civilizado como a Áustria pode se tornar “tão radicalmente dissociado”. 15

A psicanálise (ou “análise”) é um tratamento que ajuda as pessoas que estão profundamente perturbadas não só por sintomas, mas por aspectos de seu próprio caráter. Esses problemas ocorrem quando temos fortes conflitos internos, nos quais, como afirma Kandel, parte de nós torna-se radicalmente “dissociada”, ou desligada do resto de nós.

Enquanto a carreira de Kandel o levou da clínica ao laboratório de neurociência, Sigmund Freud começou sua carreira como neurocientista laboratorial, mas, como era pobre demais para continuar, seguiu na direção contrária e se tornou neurologista em consultório particular, a fim de ter renda

suficiente para sustentar a família. 16 Um de seus primeiros empreendimentos foi mesclar o que aprendera sobre o cérebro como neurocientista com o que estava aprendendo sobre a mente ao tratar os pacientes. Como neurologista, Freud logo ficou desencantado com o localizacionismo da época, baseado no trabalho de Broca e outros, e percebeu que a concepção do cérebro fixamente estruturado não explicava adequadamente como eram possíveis atividades complexas e culturalmente adquiridas, como a leitura e a escrita. Em 1891, ele escreveu um livro intitulado A afasia, 17 que mostrava as falhas nas evidências existentes para “uma função, uma localização” e propunha que fenômenos mentais complexos como a leitura e a escrita não se restringiam a áreas corticais distintas, e que não fazia sentido argumentar, como os localizacionistas, que havia um “centro” cerebral para a alfabetização, uma vez que esta não é inata. Em vez disso, o cérebro, no curso de nossa vida, deve se reorganizar dinamicamente —, e se reconectar — para realizar tais funções culturalmente adquiridas.

Em 1895, Freud concluiu o “Projeto para uma Psicologia Científica”, 18 um dos primeiros modelos neurocientíficos abrangentes a integrar cérebro e mente, ainda hoje admirado por sua sofisticação. 19 Aqui Freud propôs a “sinapse”, vários anos antes de Sir Charles Sherrington, que levou o crédito. No “Projeto”, Freud chegou a descrever como as sinapses, que ele chamou de “barreiras de contato”, podem ser alteradas pelo que aprendemos, antecipando o trabalho de Kandel. Ele também começou a propor ideias neuroplásticas.

O primeiro conceito plástico desenvolvido por Freud é a lei de que neurônios que disparam simultaneamente se ligam entre si, em geral chamada de lei de Hebb, embora Freud a tivesse proposto em 1888, 60 anos antes de Hebb. 20 Freud declarou que quando dois neurônios disparam simultaneamente, isso facilita sua sucessiva associação. Freud destacou que o que ligava os neurônios era sua ativação conjunta no tempo e chamou este fenômeno de lei da associação por simultaneidade. A lei da associação explica a importância da ideia de Freud da “livre associação”, em que os pacientes psicanalíticos deitam-se no divã e “associam livremente”, ou dizem tudo o que lhe vêm à mente, por mais desagradável ou banal que seja. O analista senta-se atrás do paciente, fora de seu campo de visão, e em geral pouco fala. Freud descobriu que, se não interferisse, surgiam nas associações do paciente vários sentimentos bem guardados e ligações interessantes — pensamentos e sentimentos que o paciente normalmente rejeitava. A livre associação é baseada na compreensão de que todas as associações mentais, mesmo as aparentemente “fortuitas” e aparentemente sem sentido, são expressões de ligações formadas em nossos circuitos de memória.

21 Sua lei da associação por simultaneidade conecta implicitamente mudanças nos circuitos

neuronais a mudanças em nossos circuitos de memória, 22 de modo que os neurônios que se ativaram simultaneamente permaneçam ligados anos depois: frequentemente essas conexões

originais ainda são operacionais e aparecem nas livres associações do paciente.

A segunda ideia plástica de Freud é a do período psicológico crítico e a ideia relacionada de plasticidade sexual. 23 Como vimos no Capítulo 4, “Adquirindo Gostos e Afetos”, Freud foi o primeiro a argumentar que a sexualidade humana e a capacidade de amar têm períodos críticos na primeira infância, que ele chamou de “fases de organização”. O que acontece durante esses períodos críticos tem um efeito incomensurável em nossa capacidade de amar e estabelecer relações na vida adulta. 24 Se alguma coisa sai errada, é possível fazer mudanças mais tarde, mas é muito mais difícil alcançar a mudança plástica depois de encerrado um período crítico.

A terceira ideia de Freud foi uma visão plástica da memória. A concepção que Freud herdou de seus professores era de que os eventos que vivemos podem deixar rastros de memória permanentes em nossa mente. Mas quando ele começou a trabalhar com os pacientes, observou que as memórias não são escritas de uma vez, ou “gravadas”, permanecendo inalteradas para sempre, mas podem ser alteradas por eventos subsequentes e retranscritas. Freud observou que os eventos podem assumir um significado alterado para o paciente anos depois de sua ocorrência, e que por isso os pacientes alteravam suas lembranças desses eventos. As crianças que sofriam abusos quando muito novas e eram incapazes de compreender o que lhes fora feito nem sempre ficavam transtornadas na época, e suas lembranças iniciais nem sempre eram negativas. Mas depois que amadureciam sexualmente, elas viam o incidente de forma renovada e lhe davam um novo significado, e sua lembrança dos maus-tratos mudava. Em 1896, Freud escreveu que de tempos em tempos os rastros de memória estão sujeitos a “um rearranjo de acordo com novas circunstâncias 25 — a uma retranscrição. Assim