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Transitividade verbal: funcionalismo

2. TRANSITIVIDADE E SUAS ABORDAGENS

2.5 Transitividade verbal: funcionalismo

A transitividade é, tradicionalmente, compreendida como uma atividade transferida de um agente para um paciente, envolvendo, necessariamente, pelo menos dois participantes e uma ação que é tipicamente efetiva de algum modo.

investigada sob diferentes olhares teóricos, afiliados a correntes formalistas ou funcionalistas”. As lingüistas discutem a transitividade, dentro da perspectiva funcionalista, porque

no âmago do funcionalismo está a defesa da posição de que a estrutura reflete e é motivada pela função: formas desempenham papéis no discurso, fato que, para os funcionalistas, está subjacente à organização gramatical da língua (...) estudos que se filiam ao funcionalismo buscam identificar as múltiplas possibilidades de manifestação da transitividade em contextos variados de uso da língua, averiguando as motivações funcionais (semântico-pragmáticas, sociais, cognitivas)) subjacentes a cada situação” (FURTADO DA CUNHA; SOUZA, 2007: 07).

Este estudo da transitividade filia-se à teoria funcionalista norte-americana, que vê o fenômeno da transitividade como “uma propriedade contínua, escalar (ou gradiente), da oração como um todo. É na oração que se podem observar as relações entre o verbo e seu(s) argumento(s) – a gramática da oração” (FURTADO DA CUNHA; SOUZA, 2007: 29). Por concordamos com essa perspectiva funcionalista, adotamos nessa investigação a proposição de Hopper e Thompson (1980) de que “a transitividade é um complexo de dez parâmetros sintático-semânticos independentes, que focalizam diferentes ângulos da transferência da ação em uma porção diferente da oração” (FURTADO DA CUNHA; SOUZA, 2007: 37).

As formas lingüísticas são descritas a partir de suas funções comunicativas dentro do quadro funcionalista, a transitividade verbal é classificada tal como um metafenômeno responsável pela codificação sintático-estrutural das funções de caso semântico e pragmático. A transitividade somente pode ser dada no contexto em que aparece, visto que ela está a serviço das funções que desempenha na estrutura oracional de acordo com esse olhar teórico. Como a base de entendimento dessa visão e o da não-arbitrariedade entre a instrumentalidade do uso da língua e a sistematicidade da estrutura em que ela (a língua) se codifica, a transitividade será vista como uma codificação de forças pragmáticas, sendo, portanto, a direção do movimento discurso > texto que norteará as ocorrências gramaticais, aí incluída a transitividade.

Dessa maneira, a estrutura lingüística nesse modelo é, assim, caracterizada como maleável, sujeita a pressões oriundas de diferentes situações comunicativas, indo além dos dados gramaticais, uma vez que prioriza elementos do discurso, intenções,

focos enunciativos e fatores pragmáticos. Nessa perspectiva, os funcionalistas Hopper e Thompson (1980) tratam a transitividade como uma propriedade central do uso da língua, entendendo que a classificação transitivo relaciona-se a toda oração e não somente ao verbo.

Bragança (2008: 99) nos mostra que “para esses lingüistas há um princípio universal que norteia o fenômeno da transitividade em todas as línguas”. Para chegar a esse princípio, os autores analisaram seqüências tipológicas narrativas, e chegaram ao modo como os componentes da noção de transitividade são codificados nessas seqüências, propondo uma série de parâmetros pelos quais a transitividade pode ser classificada.

O estudo da transitividade passou, a partir desses parâmetros, a ser observado em termos de gradiência que a oração pode assumir em termos de transitividade, sendo esta, portanto, entendida como um fenômeno escalar, que se dá em um continuum. Por essa proposta, quanto mais a oração estiver identificada com os traços da coluna à esquerda da tabela que segue (Tabela 2), maior será a transitividade. Hopper e Thompson (1980) assim propõem os parâmetros:

características transitividade alta transitividade baixa participantes dois ou mais participantes A e O um participante

cinese ação não-ação

aspecto do verbo perfectivo não-perfectivo

punctualidade do verbo punctual não-punctual

intencionalidade do sujeito intencional não-intencional

polaridade da oração afirmativa negativa

modalidade da oração modo realis modo irrealis

agentividade do sujeito agentivo não-agentivo

afetamento do objeto afetado não-afetado

individuação do sujeito individuado não-individuado Tabela 2: Parâmetros de transitividade propostos por Hopper e Thompson (1980).

Segundo os autores, cada componente da transitividade envolve uma faceta diferente da efetividade ou intensidade com que a ação é transferida de um participante a outro:

1. Participantes: refere-se à presença de participantes na cláusula (sujeito e objeto).

2. Cinese: refere-se à dinamicidade, ao movimento.

3. Aspecto do verbo: relaciona-se à conclusão (verbo perfectivo = ação acabada) ou não de uma ação (verbo imperfectivo = ação inacabada). Em Eu comi o pão, a atividade é completa e a transferência é realizada em sua totalidade; mas em

Eu estou comendo o pão, a transferência só é realizada parcialmente.

4. Punctualidade do verbo: refere-se à duração de uma ação, presente sobretudo na semântica do verbo (ação pontual = não-durativa, não-acabada; ação não-pontual = durativa, acabada)

5. Intencionalidade do sujeito: refere-se à volição do sujeito.

6. Polaridade da oração: refere-se ao fato das orações serem afirmativas ou negativas.

7. Modalidade da oração: refere-se ao modo realis (modo indicativo) e modo

irrealis (modo subjuntivo).

8. Agentividade do sujeito: refere-se à realização ou não da transferência de uma ação feita pelo sujeito ao objeto. Assim, em Ana me assustou há um evento perceptível com conseqüências perceptíveis; mas em O quadro me

assustou não.

9. Afetamento do objeto: relaciona-se diretamente ao fato do objeto ser afetado pela ação, isto é, refere-se à trasferência.

10. Individuação do objeto: uma ação pode ser transferida mais efetivamente para um objeto individuado (próprio, humano, animado, concreto, singular, contável e referencial) do que para um não - individuado (comum, inanimado, abstrato, plural, massivo e não-referencial). O quadro a seguir especifica mais detalhadamente as propriedades da individuação do objeto.

Individuado Não-individuado

Próprio Comum

Humano, animado Não-animado

Concreto Abstrato

Singular Plural

Contável Massivo

Referencial, definido Não-referencial

Tabela 3 – Propriedades da individuação do objeto.

Não podemos dizer que uma cláusula é transitiva ou intransitiva, visto que o verbo não é parâmetro em si. Dessa forma, cada parâmetro contribui para a ordenação das cláusulas numa escala de transitividade; e as cláusulas podem ter uma transitividade mais baixa ou uma transitividade mais alta, de acordo com a classificação atribuída a cada parâmetro na análise da cláusula. Vale ressaltar que a proposta desses dez parâmetros, conforme já mencionado, foi feita a partir de análises em textos tipologicamente narrativos. Nesta dissertação, elegemos a relato

de opinião como corpus.

Nos textos narrativos, a transitividade é predominantemente alta, já que a transitividade alta é característica prototípica de textos de gênero narrativo. Dessa forma, a base dos parâmetros que compõem os princípios há pouco apresentados está relacionada ao evento causal prototípico, que é definido como um evento em que um agente animado intencionalmente causa uma mudança física e perceptível de estado ou de localização em um objeto. Podemos dizer, de acordo com Albani (2007: 26), que:

esse exemplo de evento apresenta uma correlação com a oração transitiva canônica, que é a cláusula na qual os parâmetros de transitividade aparecem de modo mais saliente no discurso de gênero textual narrativo. Segundo Hopper e Thompson (1980), as cláusulas com transitividade alta são mais dinâmicas, pois codificam eventos em que seres humanos alteram situações, ou seja, fazem referência a aspectos mais objetivos, como ações; por outro lado, as cláusulas com baixa transitividade fazem referência a comentários do autor e aspectos mais subjetivos. Portanto, levando-se em conta que os parâmetros de transitividade demonstram os elementos mais salientes do discurso, as cláusulas com transitividade mais alta representam as informações centrais do que o falante ou escritor quer comunicar ao ouvinte ou leitor; da mesma forma, as cláusulas com transitividade mais baixa tendem a expressar as informações periféricas, que ajudam a situar o ouvinte ou leitor no contexto em que as informações centrais estão colocadas.

Nos relatos de opinião, não prevemos o mesmo comportamento, pois esses textos têm caráter opinativo, ou seja, tendem a ser mais semelhantes, em seu comportamento, aos textos argumentativos do que aos textos narrativos. O estudo da transitividade em textos de natureza argumentativa foi desenvolvido por Albani (2007) ao dissertar sobre a: Ordenação do advérbio sempre no português arcaico e contemporâneo.

Entendemos que uma das razões da análise da transitividade é a função pragmática de princípio funcionalista:

o grau de transitividade de uma cláusula reflete, em parte, a maneira como o falante ou escritor estrutura o discurso para atingir o propósito comunicativo e, além disso, a percepção das necessidades do interlocutor. Assim, para que haja uma comunicação satisfatória, cabe ao emissor orientar o receptor na maneira como organiza o discurso (ALBANI, 2007: 25).

O subprincípio da ordenação linear, presente no princípio da iconidade6, expõe que a informação mais importante tende a ocupar o primeiro lugar na cadeia sintática, ou a ordem dos elementos na estrutura morfossintática tende a refletir a ordem dos elementos no mundo real. Supomos que, nos relatos de opinião, a noção de figura apresentar-se-á ou logo no primeiro plano, ou seja, aparecerá ou no tema – que é parte de um enunciado identificado gramaticalmente ou por elementos contextuais, sobre o qual o restante do enunciado faz uma declaração (ou comentário, podendo ou não exercer a função de sujeito da frase); ou nas cláusulas que apresentam um baixo grau de transitividade.