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Transitividade verbal: gramáticas tradicionais

2. TRANSITIVIDADE E SUAS ABORDAGENS

2.2 Transitividade verbal: gramáticas tradicionais

Mesmo em nossos dias, conceitos muitos semelhantes aos dos alexandrinos e latinos são encontrados em gramáticas tradicionais; a abordagem prescritiva da língua é um dos motivos pelos quais esse tipo de gramática vem sendo criticado. O que não tira o mérito de seu conteúdo, pois é a partir desse material que podemos entender a forma como a língua tem sido abordada durante séculos e, ainda, a forma como a língua vem sendo ensinada aos estudantes de diferentes níveis.

A relação entre a gramática tradicional e sua abordagem prescritiva evidencia o porquê de receber tantas críticas a forma como a transitividade verbal é tratada nessas gramáticas. Fato é que a concepção de transitividade verbal nas gramáticas tradicionais mistura conceitos semânticos e formais.

Segundo Said Ali (1964: 94-95), os verbos dividem-se em transitivos e intransitivos, porém transitivos são apenas aqueles verbos que são acompanhados de objeto direto. Said Ali (1964) não aceita a classificação de indiretos, pois o objeto indireto é apenas um “termo secundário denotador do indivíduo a quem a ação se destina, ou a quem ela aproveita ou desaproveita”. Portanto, todos os verbos transitivos indiretos seriam, para Said Ali (1964), intransitivos.

Silveira Bueno (1968: 144 -145) classifica os verbos em transitivos e intransitivos. Os transitivos podem ser simplesmente transitivos, ou podem ser transitivos-relativos - os chamados verbos bitransitivos.

De acordo com Almeida (1999: 166), os verbos transitivos diretos e indiretos não constituem uma subclasse, pois “não têm fundamento nos fatos do idioma obrigar a

pôr os dois objetos (direto e indireto) de tais verbos”.

Cunha e Cintra (2001: 136-137) dividem os verbos transitivos em diretos, indiretos e diretos e indiretos.

Luft (2002: 56), em sua segunda edição, classifica um verbo transitivo como aquele que “necessita de complemento – objeto – que lhe complete o sentido”. Como intransitivo, “o verbo de predicação completa, o que não necessita complemento”. Percebemos que a separação de verbos em transitivos e intransitivos segue um fator semântico, a incompletude/completude do sentido do verbo. No entanto, para definir os verbos transitivos diretos e indiretos, Luft lança mão de um fator formal, ou seja, a presença, ou não, de uma preposição. No seu entendimento, o verbo transitivo direto “tem o sentido completado por um objeto direto, assim chamado por se ligar ao verbo sem preposição” (LUFT, 2002: 56). Por sua vez, verbos transitivos indiretos são todos aqueles que se ligam ao verbo por meio de uma preposição.

O certo é que as gramáticas tradicionais não apresentam uma regularidade, quanto à divisão dos verbos transitivos. Rocha Lima (2003: 340) evidencia isso ao classificar o verbo quanto aos complementos: “sendo o verbo a palavra regente por natureza dos complementos por ele exigidos. O complemento forma com o verbo uma expressão semântica, de tal sorte que a sua supressão torna o predicado incompreensível, por omisso ou incompleto”. Em função do tipo de complemento que requerem para formar uma expressão semântica, assim podem se classificar os verbos, de acordo com Rocha Lima (2003: 340):

a) Intransitivos; b) Transitivos diretos; c) Transitivos indiretos; d) Transitivos relativos; e) Transitivos circunstanciais; f) Bitransitivos.

Ainda, dentro da classificação preconizada por Rocha Lima (2003), transitivos relativos são aqueles que apresentam um complemento preposicional, chamado relativo. Transitivos circunstanciais requerem um complemento, preposicional ou não, chamado circunstancial. E os bitransitivos têm concomitantemente um objeto direto e um indireto, ou um objeto direto e um complemento relativo.

Com relação aos tipos de complementos verbais, Rocha Lima (2003) os divide em quatro tipos diferentes:

a) Objeto direto: “é o complemento que, na voz ativa, representa o paciente da ação verbal” (ROCHA LIMA, 2003: 243). Ex.: Ana comprou uma bolsa. O autor ainda acrescenta o objeto direto preposicional e diz que na linguagem moderna o emprego da preposição é obrigatório. Ex.: Ana louva a Deus. E também o objeto direto interno, dizendo que “verbos intransitivos podem trazer complemento representado por substantivo do mesmo radical, contanto que este venha acompanhado de adjunto” (ROCHA LIMA, 2003: 248). Ex.: Ana morreu morte gloriosa.

b) Objeto indireto: “representa o ser animado a que se dirige ou destina a ação ou estado que o processo verbal expressa” (ROCHA LIMA, 2003: 248). Ex.: Ana acudiu a Mateus. O complemento da oração também é trabalhado neste tópico. O autor ilustra com “Dar esmola a um mendigo.I (Dar-lhe esmola)”, dentro outros exemplos.

c) Complemento relativo: “é o complemento que, ligado ao verbo por uma preposição determinada (a, com, de, em, etc.), integra com o valor de objeto direto, a predicação de um verbo de significação relativa” (ROCHA LIMA, 2003: 251). Ex.: Ana precisa de conselhos.

d) Complemento circunstancial: “é um complemento de natureza adverbial – tão indispensável à construção do verbo quanto, em outros casos, os demais complementos verbais” (ROCHA LIMA, 2003: 252). Ex.: Ana mora em Paquetá.

Bechara (2004) apresenta uma tipologia semelhante à proposta por Rocha Lima (2003), porém une, sob a definição de complemento relativo, o que Rocha Lima (2003) divide em complemento circunstancial e complemento relativo. Luft (2002: 56-

59) apresenta a tradicional separação em: objeto direto e objeto indireto, mas subdivide o objeto indireto em três grupos: (a) O objeto indireto deve ser precedido da preposição a, é substituível pelo pronome lhe e o verbo admite apassivação. Exemplo: Ana acudiu a Mateus. (b) O objeto indireto não é substituível pelo pronome

lhe e o verbo que rege essa preposição não admite apassivação. Exemplo: Ana

precisa de conselhos. (c) O objeto indireto é um “locativo que não pode ser considerado adjunto (adverbial de lugar), e sim complemento”. Exemplo: Ana mora em Paquetá.

Certos verbos de movimento ou de situação (como chegar, ir, partir, seguir, vir, voltar, estar, ficar, morar, etc.), quando pedem um complemento adverbial de lugar que Ihes integre o sentido, embora tradicionalmente classificados como intransitivos, devem ser considerados transitivos, desde que se entenda por transitividade a necessidade de um complemento que vem acabar uma idéia insuficiente em si mesma (KURY, 1993: 32). Embora Kury (1993) parta de um critério sintático- semântico, essa proposta classificatória parece-nos interessante, uma vez que o autor observa a natureza transitiva do verbo, ainda que esse “transitar” se dê em relação a um complemento de natureza circunstancial, e não da exigência de um objeto, nos termos tradicionais.

Kury (1993), ao tratar dos complementos verbais, define o complemento adverbial como o termo de valor circunstancial que completa a predicação de um verbo transitivo adverbial. Esse complemento é expresso por um advérbio, locução ou expressão adverbial. Nessa perspectiva, um verbo como morar, considerado por Cegalla (1989) como "essencialmente intransitivo" é classificado tanto por Rocha Lima quanto por Kury como transitivos.

A divergência classificatória do fenômeno da transitividade pode ser vista na tabela a seguir:

VERBO GRAMÁTlCAS e DlClONÁRlOS5 EXEMPLOS Morar VI (Cunha e Cintra; Cegalla e Said Ali)

VTa (Kury) VTc Rocha Lima

Aline mora em Vila Velha.

Morar VTc (Aurélio)

--- Vti (Houaiss)

"Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei". (Machado de Assis)

--- Alice mora na rua das

Acácias. Tabela 1 – Transitividade em Gramáticas e Dicionários.

Resumindo, os traços básicos da definição de verbo transitivo o apontam como verbo de predicação incompleta e que, portanto, necessita de um complemento (objeto) para integralizar seu sentido.

Dentre os estudiosos da língua portuguesa, Said Ali (1964), Cunha e Cintra (1985), Cegalla (1989), Kury (1993) e Rocha Lima (2003) conceituam assim o verbo transitivo, cujas concepções encontram-se em suas respectivas gramáticas:

• é aquela que expressa uma ação que passa do sujeito para o objeto; • é uma ação que se exercita num objeto;

• aquele verbo cuja forma e sentido podem transitar da voz ativa para a voz passiva.

Dessa maneira, tendo em vista a multiplicidade de abordagens sobre os verbos e a pouca abrangência desse estudo nas gramáticas de língua portuguesa, surgiu, para este trabalho, a necessidade de realizar um estudo que mostre com clareza e profundidade a questão.

5 Para evidenciar a incoerência taxinômica, registramos também a classificação de Aurélio (1986) e