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Essa sub-seção busca realizar uma discussão a respeito da transparência no setor público considerando uma série questões que permeiam seu entendimento, a saber: histórico de seu desenvolvimento, conceituação do termo, seus componentes, direções, relação entre transparência e confiança no governo, regimes que orientam seu desenvolvimento e estratégias-chave para seu reforço e desenvolvimento. Os próximos parágrafos apresentam cada uma dessas questões.

Do ponto de vista histórico, conforme já discutido na seção de introdução, pode-se dizer que as primeiras discussões sobre transparência surgem desde a Grécia antiga e vem se desenvolvendo e se transformando ao longo do tempo (MEIJER, 2015). Esse autor argumenta com base em Hood (2006) que o termo transparência, conforme utilizado atualmente, pode ser considerado uma ideia moderna, conectada ao iluminismo, tendo um importante ponto de partida no Swedish Freedom of Press Act de 1766

e sendo reforçado no decorrer da revolução francesa como um meio para combater os abusos de poder.

Na análise realizada em seu artigo alega que a transparência cresce de forma conectada à modernização do Estado, tendo na democracia representativa sua pedra fundamental e se desenvolvendo até sua compreensão atual, relacionada a uma democracia participativa. O autor reforça, então, a conexão existente entre o desenvolvimento da discussão sobre o tema com as teorias de governança

[…] Seguindo o argumento que foi desenvolvido com base nesta análise histórica, uma nova camada pode ser esperada quando novos corredores do poder precisam ser abertos ao escrutínio do povo. O paradigma de governança destaca que a energia é transferida para difundir redes de atores públicos e privados (Koppenjan & Klijn, 2004; Torfing, Peters, Pierre, e Sorensen, 2012), e o próximo passo poderia ser que haverá um impulso mais forte a uma maior transparência dessas redes e, como consequência, a transparência também se tornará um requisito para o setor privado. (MEIJER, 2015, p. 197)

Dada sua importância em relação às teorias de governança, bem como à accountability e corrupção, torna-se necessário resgatar seu conceito. Apesar de não existir uma definição consensual do termo, as várias abordagens em relação ao conceito de transparência tem em comum a questão da extensão na qual todas as partes interessadas possuem um entendimento comum e acesso a toda informação requisitada, sem perda, ruído, atraso ou distorção (PAPENFUS; SCHAEFER, 2010). Em termos gerais a transparência pode ser entendida como

A consciência dos cidadãos do que acontece dentro do governo por meio da disponibilização de informação do setor público para atingir fins diferentes, como o aumento da legitimidade democrática e a responsabilidade do governo, a redução do abuso e da corrupção, contribuindo para

a boa governança, pode melhorar o processo de tomada de decisão do governo, informar os cidadãos sobre os assuntos públicos o que pode vir a contribuir para a sua participação nos assuntos públicos, e facilitar uma maior desenvolvimento econômico e social. (CERRILLO-I-MARTÍNEZ, 2012, p. 771)

Corroborando o entendimento acima, Grimmelikhuijsen (2012) argumenta que transparência incorpora múltiplos componentes, incluindo a disponibilidade de informações sobre o trabalho interno e o desempenho de uma organização pública, o que habilita grupos de interesse externos a monitorar suas atividades, nesse sentido, relaciona a transparência com a disponibilização de informações por parte do governo aos atores externos, com vistas a permitir o monitoramento de suas atividades. Este entendimento de transparência como um conceito complexo que incorpora múltiplos componentes é também corroborada por Meijer (2013), ao definir transparência como a disponibilidade de informações sobre um ator que permite a outros atores monitorarem o trabalho e desempenho do primeiro, em uma relação institucional de troca de informações.

Além desse entendimento comum sobre transparência, alguns autores argumentam que o conceito pode ser considerado tanto de um ponto de vista externo, quanto de um ponto de vista interno (ARELLANO-GAULT; LEPORE, 2011; FOX; HAIGHT; PALMER- RUBIN, 2011). O argumento desses autores é que a visão sobre transparência do ponto de vista externo se baseia na abordagem advinda da NEI, principalmente no que tange às teorias da agência e dos custos de transação, mas que é preciso se aprofundar nessa análise para entender o fenômeno da transparência a partir de uma perspectiva interna. Nesse sentido, Fox, Haight e Palmer-Rubin (2011) fazem uma distinção conceitual, por um lado, falam sobre ‘transparência clara’, ou uma transparência proativa, que reflete o comportamento das instituições (como tomam as decisões, onde o recurso público é aplicado, quais são os resultados tangíveis de suas ações etc.), por outro, falam sobre ‘transparência opaca’, ou seja, um tipo de transparência reativa, advinda da entrega de informações por parte dos entes públicos mediante a solicitação do cidadão ou de órgãos da sociedade civil organizada, refletindo o comportamento dos servidores e gestores públicos.

Ainda abordando a questão do conceito de transparência, Zucolotto, Teixeira e Riccio (2015) fazem um debate sobre os conceitos e classificações do termo com vistas a alcançar uma melhor precisão conceitual. Nesse sentido, argumentam também que este é um conceito em construção, que envolve uma relação triangular entre os conceitos de transparência, abertura e vigilância, alegando que

[…] a transparência pública pode auxiliar a sociedade na vigilância das ações dos governos, mas não assegura a responsabilização dos gestores públicos se outros mecanismos democráticos não existirem. De qualquer forma, as ideias de transparência, quando associadas à ideia de visão e translucidez, denotam que alguém está sendo observado, visto não existir barreiras visuais entre o observado e o observador e isso, por si só, cria uma ideia de vigilância. (ZUCOLOTTO; TEIXEIRA; RICCIO, 2015, p. 142)

Independente do entendimento do conceito, a confiança no processo político é imperativa para o fortalecimento da democracia, e a transparência pode ser considerada a alma desse sistema. Uma maior transparência e abertura resulta na capacidade do cidadão comum de manter os oficiais do governo responsáveis (accountable) por suas ações (KIERKEGAARD, 2009).

A transparência pode ser considerada peça chave no processo democrático, haja vista que, uma vez conhecedor do que o governo faz, o cidadão pode se envolver e participar das decisões governamentais que irão influenciar suas vidas. Em última instância, a importância da transparência no processo democrático é tamanha que pode até mesmo ser considerada um substituto para a accountability como uma checagem da ação governamental, pois permite a implementação do controle público diretamente, e não de forma indireta, por meio de entidades representativas ou autônomas, se constituindo, desta forma, não apenas em um resultado advindo dos valores democráticos, mas um valor em si mesma (MEIJER, 2013).

Para Ruijer e Meijer (2016) transparência também está relacionada com os arranjos institucionais de cada país e espera-se que essas diferenças institucionais se reflitam em diferentes regimes. Por

regimes de transparência entendem a soma de todos os arranjos de transparência de um país e suas iniciativas, que, por sua vez, são advindos do contexto político, social e normativo no qual estão inseridos. Os autores argumentam, ainda, que esses regimes podem se basear em regras, em uma abordagem mais legalista, ou em princípios, em uma abordagem mais normativa.

A (i) abordagem baseada em regras se caracteriza por ser uma abordagem mais do tipo ‘cookbook’, que diz às pessoas o que fazer e como se comportar, sendo mais explícita, detalhada e prescritiva. Essa abordagem tende a ser direcionada pelo medo, centrando-se na detecção e cumprimento de uma série de requisitos processuais. Por outro lado, a (ii) abordagem baseada em princípios se caracteriza por não buscar dizer o que deve ser feito, mas como decidir o que precisa ser feito. Nessa abordagem normas são formuladas como guias de orientação, se tornando uma abordagem mais implícita, com ênfase em ‘fazer a coisa certa’ de uma maneira apropriada. A primeira abordagem em geral surge em sociedades que favorecem as burocracias, enquanto a segunda é encontrada em sociedades caracterizadas por fortes e operantes controles sociais. (RUIJER; MEIJER, 2016)

Assim, pode-se dizer que os regimes de transparência em dado país acabam também por dar direcionamento às estratégias a serem adotadas. Algumas estratégias-chave para aumentar e sustentar a transparência são discutidas por Kim (2008) que argumenta ser necessário discutir essa questão em duas diferentes dimensões, (i) sócio-política – relativas à reformas políticas e legais; e, (ii) gerencial – relativa a questões gerenciais no campo do serviço público. Cruz et al. (2012) corroboram a argumentação de Kim ao afirmar que

[…] a divulgação de informações acerca dos atos da gestão pública não deve se limitar aos relatórios já previstos em dispositivos legais (em geral, relatórios fiscais e financeiros), mas também de informações qualitativas que reportem desempenho, projetos e atingimento de metas em áreas relevantes para a sociedade, tais como saúde, educação, cultura, transporte, saneamento e outras. Esse pensamento é corroborado por Matias-Pereira (2006:309), quando esse autor afirma que a transparência do Estado se efetiva por meio do acesso do cidadão à informação governamental, o

que torna mais democráticas as relações entre o Estado e a sociedade civil. (CRUZ et al., 2012, p. 157)

Apesar do papel importante desempenhado pela transparência no processo democrático, Arellano-Gault e Lepore (2011, p. 1031) argumentam que “ […] somente quando as organizações públicas internalizarem a transparência será possível realizar as promessas que são inerentes às leis de acesso a informação e políticas de transparência, como elementos fundamentais da governança democrática”, o que vem a evidenciar o desafio a ser enfrentado pelo setor público na busca de uma maior transparência e accountability, com vistas a combater a corrupção, gerar desenvolvimento e fortalecer a democracia.

A importância da consideração de aspectos ligados ao desempenho da gestão pública, bem como de aspectos ligados à internalização do conceito de transparência é compartilhada pelo autor desta tese, que acredita ser necessária a inclusão desses aspectos gerenciais para avaliação da transparência no âmbito da gestão pública. Além disso, o autor se alinha à ideia de uma transparência mais baseada em princípios que em regras. Assim, parte do pressuposto que não é necessário aguardar a regulamentação legal para ‘fazer a coisa certa’ em relação à transparência. Assim, o modelo de avaliação a ser proposto nesta tese buscará considerar essas questões, não se atendo à verificação somente dos requisitos legais exigidos pela legislação dos países analisados, mas também à questões consideradas importantes no reforço de uma cultura de transparência.

2.4 ESTUDOS ANTERIORES SOBRE ACCOUNTABILITY E