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Transplante de células estaminais hematopoiéticas

No documento Anemia Aplástica Adquirida (páginas 39-41)

O transplante de células estaminais hematopoiéticas é o tratamento de primeira escolha se houver um dador compatível, sobretudo em doentes jovens, preferencialmente com idade inferior a 50 anos. Os doentes com idade inferior a 20 anos e baixo número de neutrófilos (inferior a 200/mL) são os que mais podem vir a beneficiar do transplante de células estaminais hematopoiéticas da medula óssea. (60,93,96,107) Nos doentes jovens, com idade inferior a 16 anos, a sobrevida é de cerca de 91%. O transplante pode ser uma opção em doentes mais velhos, se clinicamente estiverem em condições para submissão a transplante de células estaminais hematopoiéticas, particularmente se não apresentarem comorbilidades que os coloquem em risco durante e após o transplante. (37,59,90) De acordo com o trabalho da European Society for Blood and Marrow Transplantation (Severe Aplastic Anemia Working Party – SAAWP-EBMT), o prognóstico para doentes entre os 30 e os 40 anos revela-se semelhante ao dos doentes entre os 40 e os 50 anos de idade, atingindo uma taxa de sobrevida de 70 a 85%. (107) Ainda assim, de um modo geral, o prognóstico é mais favorável para doentes mais jovens submetidos a transplante de células estaminais hematopoiéticas. De facto, observa-se um paradoxo, na medida em que para o tratamento de LMA ou SMD consegue-se que este transplante tenha sucesso em doentes com 70 anos, mas os doentes com AA adquirida severa com mais de 40 anos submetidos a transplante ainda enfrentam uma mortalidade global de 40%. (96) Outros fatores de influência no sucesso deste procedimento são as transfusões a que o doente tenha sido sujeito e o uso de ciclosporina e de irradiação num ciclo prévio de imunossupressão (no caso deste ter existido). (84)Para os doentes que não respondam a um ou mais ciclos de terapia imunossupressora, deve ser ponderada a hipótese de procurar um dador de células estaminais compatível fora do círculo familiar. (60)

Para avaliação da compatibilidade, todos os doentes candidatos a transplante devem ser avaliados por uma equipa médica multidisciplinar e submetidos a tipagem do sistema HLA logo aquando o diagnóstico. Esta análise vai permitir que, ao proceder ao transplante o mais precocemente possível, se possa minimizar o risco de sensibilização aos antigénios do sistema HLA e outros antigénios de histocompatibilidade por parte do doente, e agilizar a procura de um dador compatível fora da família, se necessário. (60) De facto, a maior preocupação após o transplante será a possibilidade de ocorrer rejeição ou GVHD, seja de início precoce ou tardio. A taxa de rejeição varia entre 1 a 25%, dependendo dos regimes de condicionamento adotados e da duração do recurso a transfusões como tratamento de suporte após o transplante, e pode ocorrer sob várias formas. Estas incluem: (i) ausência de hematopoiese a partir das células estaminais do dador, o que se reflete numa falha em atingir uma contagem absoluta de neutrófilos superior a 500/mL (rejeição primária), (ii)

29 rejeição aguda ou precoce, (iii) rejeição tardia e progressiva, na qual se observa uma recuperação parcial dos níveis hematológicos, proporcionada pelas células do dador, mas seguida de uma pancitopenia recorrente e perda desse processo hematopoiético e (iv) rejeição aguda após descontinuidade da administração de ciclosporina A como terapia profilática, sendo as três últimas formas de rejeição secundária. A rejeição primária apresenta um mau prognóstico, com uma sobrevida destes doentes de 17%, ao passo que a rejeição tardia apresenta um prognóstico melhor, na medida em que este último grupo de doentes tem hipótese de recuperar após o início ou reintrodução da imunossupressão ou após um novo transplante de células estaminais hematopoiéticas da medula óssea. Deste modo, impõe-se a necessidade de investigar novos regimes de condicionamento antes e após o transplante de células estaminais hematopoiéticas, no sentido de prevenir a rejeição e a GVHD. (37,84)

Regime de condicionamento

Os doentes que vão ser submetidos a transplante de células estaminais hematopoiéticas devem ser submetidos a um regime terapêutico de condicionamento. Porém, antes de se proceder ao mesmo, é necessário avaliar diversos fatores que vão influenciar o condicionamento a transplante de células estaminais no doente.

Este processo pré-condicionamento consiste em: (i) confirmar e reavaliar o diagnóstico de AA adquirida (e excluir formas congénitas, cujo regime de condicionamento é diferente e que não podem ser tratadas como AA adquirida, pois há o risco de não ocorrer resposta ao tratamento) através de nova biópsia e aspirado medular, análise citogenética e FISH; (ii) avaliar a presença de comorbilidades – particularmente sinais de sobrecarga de ferro, derivada das múltiplas transfusões a que estes doentes são sujeitos, através da avaliação dos níveis de ferritina sérica e da ressonância magnética para avaliar a deposição de ferro no coração e fígado - e de sinais de evolução clonal; (iii) avaliar os títulos de anticorpos anti- HLA (iii) selecionar, com base no historial e quadro clínico do doente, o dador, o regime de condicionamento e a dose de células estaminais a transplantar – a dose deve ser elevada, de pelo menos 3×106 células CD34+/kg, ou 3×108 células nucleadas totais/kg; (108,109) e (iv) avaliar o risco de sequelas ao nível da fertilidade, particularmente em doentes em idade fértil que devem ser acompanhados em consultas da especialidade e aos quais devem ser oferecidas alternativas, se necessário. (60)

O regime de condicionamento inclui, para os doentes com idade inferior a 30 anos, ciclofosfamida em dose elevada (50 mg/kg/dia, durante 4 dias), e para os doentes entre os 30 e 50 anos de idade, um regime baseado em fludarabina e ciclofosfamida em doses mais moderadas (120 mg/kg). (107) A combinação da fludarabina com a ciclofosfamida permite reduzir a dose deste último fármaco, e desta forma prevenir efeitos tóxicos e sequelas na

30 fertilidade. (59) A fludarabina tem sido particularmente útil neste regime de condicionamento em doentes mais velhos, submetidos a um grande volume de transfusões e por vezes já aloimunizados. (12) Uma vez que o transplante de células estaminais hematopoiéticas produz resultados pouco satisfatórios em termos de taxas de sucesso e sobrevida nos doentes com idade superior a 30-40 anos, no regime de condicionamento a combinação de fludarabina e ciclofosfamida em associação à ATG pode ser equacionada. A ATG é administrada em doses de 2,5 mg/kg entre o 4º e o 2º dia antes do transplante; a ciclofosfamida em dose de 50 mg/kg/dia entre o 5º e 2º dia deste período. (10,37) A taxa de mortalidade com este procedimento é inferior a 30%, e a taxa de sobrevida após 5 anos é de 76%. (10,37,110) Este procedimento permite reduzir o risco de desenvolver GVHD crónica, apesar de não ser um regime de condicionamento mieloablativo. Não há indicação terapêutica para o uso de radiação, no sentido de reduzir a incidência de GVHD e de outras complicações associadas ao transplante. (12,107)

Após o transplante, como profilaxia contra a GVHD, deve ser administrado metrotexato 8 mg/m2 no 1º, 3º, 6º e 11º dias e ciclosporina A, por via oral, 1,5 mg/kg a cada 12 horas,

mantendo os níveis sanguíneos entre os 150 e 250 ng/mL, durante 9 a 12 meses após o transplante, sendo posteriormente reduzida gradualmente a dose com monitorização periódica – nomeadamente se existirem falhas na função renal. Esta intervenção terapêutica é bem-sucedida em 84% dos doentes. (10,37)

Deve ainda observar-se um especial cuidado em monitorizar o quimerismo das células T CD3+ do sangue periférico e da medula óssea destes doentes, no sentido de prevenir a

rejeição do tecido transplantado. O quimerismo misto, que é o que se pretende evitar, refere-se à coexistência, após um transplante de células estaminais hematopoiéticas, de células hematopoiéticas do dador e do recetor no sangue periférico e medula óssea deste último. Um quimerismo misto progressivo (um aumento igual ou superior a 5% das células do doente face às do dador), sobretudo após o término do regime de condicionamento imunossupressor, vem agravar o risco de rejeição do transplante. No entanto, é comum observar-se um quimerismo estável das células T, e um quimerismo completo da linhagem mieloide, isto é, a substituição total por células do dador. (12,111,112)

Posteriormente, deve manter-se uma vigilância cuidada do doente a longo prazo, através do rastreio de neoplasias, de sobrecarga de ferro, e de risco acrescido de complicações a longo prazopara o sistema endócrino, esquelético e cardiovascular. (60,113)

No documento Anemia Aplástica Adquirida (páginas 39-41)