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Transtorno de Ansiedade Social: Aspectos cognitivos e comportamentais

Em um trabalho de revisão da literatura, Furmark (2000) faz uma distinção entre os aspectos cognitivos e comportamentais associados à fobia social. A seguir, estes aspectos serão explorados segundo a revisão empreendida por este autor, com algumas contribuições de outros autores:

Aspectos cognitivos

Geralmente, os modelos cognitivos de fobia social enfatizam que os fóbicos sociais são excessivamente preocupados com a maneira pela qual eles estão sendo percebidos e avaliados pelos outros. Na perspectiva cognitiva, a ansiedade social pode emergir de um excesso de pensamentos negativos, defeitos pessoais percebidos, padrões excessivamente elevados para seus próprios desempenhos e/ou crenças irreais acerca dos padrões que as pessoas comumente usam para avaliar os outros. Conforme argumentam Stopa e Clark (1993), os pensamentos de fóbicos sociais não são informações guiadas pelas situações sociais, mas uma função bastante semelhante a um programa automático que é ativado nas situações sociais.

Para Falcone e Figueira (2001), o aspecto central da fobia social é um forte desejo de causar impressão favorável nos outros e uma insegurança marcante sobre a própria habilidade em alcançar esse objetivo. Ao entrarem em uma situação social, os fóbicos sociais acreditam que se comportarão de um modo inepto ou inadequado e, como conseqüência, serão rebaixados, rejeitados e desacreditados.

Antes de entrarem em uma situação social problemática, os fóbicos sociais freqüentemente revêem em detalhe o que eles pensam que poderia acontecer e como eles

poderiam lidar com as várias dificuldades que podem surgir. Estas ruminações podem sensibilizar os indivíduos de modo que eles entrem na situação com um modo de processamento autofocado pré-ativado. Assim, ao pensarem que estão correndo o risco de uma avaliação negativa, os indivíduos dirigem sua atenção para uma auto-observação detalhada, o que aumenta a ansiedade e interfere no processamento da situação e dos comportamentos da outra pessoa. Frente a situações estressantes, indivíduos socialmente ansiosos comumente relatam mais pensamentos negativos e menos positivos que sujeitos não ansiosos ou não incluídos em grupos clínicos. A autopercepção gera uma impressão negativa de si mesmo que, para eles, reflete o que os outros realmente notam e pensam sobre eles.

Os pensamentos negativos nem sempre param imediatamente após o indivíduo deixar a situação social. Ao contrário, as ruminações negativas tendem a continuar na medida em que os indivíduos fóbicos, posteriormente, revêem mentalmente em detalhes o que aconteceu. Wells e Clark5 (1997 apud FURMARK, 2000) usam o termo “processamento post-mortem”

para descrever o pensamento retrospectivo sobre as situações fóbicas. O processamento post-

mortem pode ser relacionado a uma necessidade fortemente sentida de reparar a auto-estima e

planejar estratégias mais efetivas para lidar com a situação no futuro.

Nos transtornos de ansiedade, esforços consideráveis de pesquisa têm sido dedicados para a questão dos vieses no processamento de informações com relação a indícios de ameaças relevantes, por exemplo, relacionados à atenção, a interpretação e a memória. Tais vieses têm sido relatados por indivíduos com fobia social. Por exemplo, estudos empíricos usando a avaliação por meio do Stroop Teste e tarefas de decisão léxica, geralmente apontam que os fóbicos sociais demonstram maior vigilância para informação relacionada a ameaça social comparada a informação relacionada a ameaça física ou neutra. Wells e Clark (1997 apud FURMARK, 2000) relatam que a hipervigilância para os indícios interoceptivos de

5 WELLS, A.; CLARK, D. M. Social Phobia: a cognitive approach. In: DAVEY, G. C. L. Phobias: a handbook of theory, research and treatment. Chichester: Wiley, 1997. p. 3-26.

ameaça levam os fóbicos sociais a se esquivarem ou afastarem a atenção de informações ameaçadoras externas nos seus ambientes sociais, argumentando que os indivíduos socialmente ansiosos são caracterizados cognitivamente pela atenção autofocada e codificação pobre em dicas ambientais.

Destacam-se também elementos que demonstram viés de interpretação por parte dos fóbicos sociais. Por exemplo, indivíduos socialmente ansiosos têm uma tendência para avaliar seu próprio desempenho muito pior do que juízes independentes. Além disso, tem-se demonstrado que os fóbicos sociais tendem a interpretar eventos ambíguos como negativos e supervalorizar a probabilidade de resultados sociais negativos. Indivíduos socialmente ansiosos também exageram a extensão na qual os observadores podem notar que eles se sentem desconfortáveis. Wells e Clark (1997 apud FURMARK, 2000) argumentam que o indivíduo socialmente fóbico tipicamente constrói uma imagem negativa de si mesmo a partir da perspectiva de um observador, como se a pessoa estivesse se vendo fora do seu corpo, olhando para si mesma.

Estudos cognitivos têm demonstrado que os fóbicos sociais mostram recuperação de “memória aumentada” relativa a informações relevantes de ameaças para eles, desconsiderando os aspectos positivos ou neutros da situação como um todo. Alguns estudos sugerem que indivíduos socialmente ansiosos tendem a lembrar mais dados negativos sobre eles próprios, como conseqüência de atenção autofocada, do que pessoas menos vigilantes socialmente (BRECK; SMITH6, 1983; O’BANION; ARKOWITZ7, 1977 apud FURMARK, 2000).

6BRECK, B. E.; SMITH, S. H. Selective recall of self-descriptive traits by socially anxious and nonanxious females. Social

Behavior and Personality, Palmerston North, v. 11, n. 2, p. 71-76, 1983.

7 O’BANION, K.; ARKOWITZ, H. Social anxiety and selective memory for affective information about the self. Social

Aspectos comportamentais

De acordo com os princípios do condicionamento operante, acredita-se que as fobias sejam mantidas pelos comportamentos de fuga e esquiva. Por exemplo, quando um aracnofóbico foge de um porão depois de ver uma aranha andando na parede, o comportamento de fuga é reforçado negativamente porque ele acaba com a exposição aversiva. A esquiva futura de entrar no porão similarmente evita exposição aversiva potencial. Contudo, enquanto essas estratégias reduzem ansiedade em uma perspectiva mais limitada, o indivíduo fóbico nunca tem uma chance de aprender maneiras mais adequadas e menos desconfortáveis para lidar com o objeto fóbico. É por isso que a exposição a eventos temidos é uma marca essencial nos tratamentos comportamentais das fobias. A fuga e esquiva também são importantes na fobia social, embora seja talvez mais difícil de se evitar completamente as situações sociais ou fugir delas do que outras situações fobogênicas, especificamente nas fobias específicas e agorafobia. Sair correndo da sala de aula quando precisar falar na aula, voltar de uma festa cedo para casa ou desligar o telefone antes que a outra pessoa seja capaz de atender são alguns exemplos de comportamento de fuga na fobia social. A esquiva pode ser manifestada de formas incontáveis, como, por exemplo, quando um aluno talentoso se recusa a entrar na universidade pelo medo de falar na aula ou quando um empregado habilidoso rejeita uma promoção porque a nova posição põe maior ênfase nos contatos sociais.

Wells e Clark (1997 apud FURMARK, 2000) argumentam que a fobia social é mantida por manobras sutis de esquiva ou “comportamentos de segurança”, praticados por indivíduos socialmente ansiosos quando resistem a situações fóbicas. Evitar contato visual nas conversas, usar roupas frescas para evitar suor, manter os braços rígidos para evitar tremor, ensaiar um discurso várias vezes e falar rapidamente para evitar pausas longas e dar impressão de insegurança, segurar um copo com força para não aparentar tremor são alguns

exemplos de tais comportamentos de segurança. Estes comportamentos se destinam a reduzir o risco de fracasso social, contudo eles impedem os indivíduos de testarem a validade de suas crenças negativas e preservam a sua atenção autofocada, sendo possível faltar-lhes habilidades de enfrentamento mais efetivas para lidarem com as situações interpessoais.

Por conseguinte, a questão de habilidades sociais deve ser mencionada como um dos aspectos fundamentais da fobia social. Poder-se-ia suspeitar que os fóbicos sociais careçam de habilidades adequadas (verbais ou não-verbais) necessárias para lidar com as situações sociais de interação ou de desempenho. Contudo, conforme revisão empreendida por Furmark (2000), a pesquisa nesse tópico tem sido inconsistente, considerando que embora os fóbicos sociais pareçam ter desempenhos inadequados em alguns estudos, isso poderia refletir inibição ao contrário de falta real de habilidades. É possível que tais habilidades sociais estejam apenas inibidas durante estados de alta ansiedade em situações fóbicas, sendo desejável desenvolver ou estimular habilidades de enfrentamento no repertório destes indivíduos.

1.6 Habilidades Sociais: Principais conceitos, tipos de déficits e suas causas

Del Prette e Del Prette (2001) definem habilidades sociais como diferentes classes de comportamentos sociais existentes no repertório de um indivíduo para lidar de maneia adequada com as demandas das situações interpessoais. Este conceito abrange mais o aspecto descritivo dos comportamentos verbais e não-verbais apresentados pelo indivíduo diante das diferentes demandas das situações interpessoais. Demanda seria uma ocasião ou oportunidade diante da qual se espera um determinado desempenho social em relação a uma ou mais pessoas.

Poder-se-ia afirmar que as demandas seriam produtos da vida em sociedade, regulada pela cultura de subgrupos. E, sendo assim, quando algumas pessoas não conseguem adequar-