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Tratados internacionais e a legislação brasileira sobre o trabalho escravo e tráfico de

Capítulo 2: O trabalho escravo na indústria de confecções

2.3 A discussão conceitual sobre trabalho escravo contemporâneo: legislações e tratados,

2.3.1 Tratados internacionais e a legislação brasileira sobre o trabalho escravo e tráfico de

No debate histórico, a escravidão como modo de produção tem como característica central o fato de os trabalhadores serem transformados em instrumentos de trabalho, isto é, em mercadorias. A força de trabalho não pertence ao trabalhador, mas sim a quem detém o direito legítimo de propriedade sobre esse trabalhador. No modo de

produção escravista, tem-se mais facilidade para definir o que é a escravidão – isso não

quer dizer que se tenha maior facilidade para definir quem é o escravo, tendo em vista os

imbróglios jurídicos que podem estar envolvidos nos casos particulares104.

Quando se discute a escravidão contemporânea ou o trabalho em condições análogas ao de escravo, a clareza e o consenso já não se fazem presentes na definição dos termos, muito menos na definição de quem seja reduzido a tal condição. Desse modo, a

noção de escravidão contemporânea, sendo ela em si demasiadamente polêmica – pois

pode criar a confusão referida ao direito legítimo de propriedade, que hoje é inexistente –

é muitas vezes preferida pela nominação de trabalho forçado, compulsório, servidão por dívida ou análogo ao de escravo, dentre outros.

O marco jurídico basal sobre a compreensão da escravidão contemporânea, tendo em vista que não existe mais o direito legítimo de propriedade de alguém sobre outrem,

foi proposto pela Convenção sobre Escravidão da Liga das Nações de 1926105. Define-se,

oàa tigoà º,à ueà aàes a id oà àoàestadoàouà o diç oàdeàu ài di íduoàso eàoà ualàseà

104àH àu àde ateàe te soàdosàhisto iado esà ueàseà efe eà àdifi uldadeà aàdefi iç oàdoà ueàe aàse àes a oà osàs ulosàXVIIIàeàXIX,à

ai daà ueà aà es a id oà fosseà legiti adaà peloà di eito,à issoà oà ue à dize à ueà oà ha iaà i gliosà ju ídi osà ela io adosà à defi iç o.àJos àdeà“ouzaàMa ti sà a aàduasàhist iasàpito es asà ueà e ela àessaàdifi uldade:à ªà–àu àes a oàfoiàhe dadoàpo à doisài osàap sàaà o teàdoàpai.àU àdosà uaisàde idiuàalfo i -lo,à o ede do-lheàes itu a.àOàout oà e usouàalfo i -loàe,àassi ,à a te e-seàdo oàdeà eioàes a o.àNu aào asi oàe à ueàoàse ho à esol euà astiga àoàes a oà o àaà hi ata,àoà ati oàalegouà ueà etadeàdeàseuà o poàe aàli e.àássi ,àoàse ho àdisse-lheàpa aà ueài di asseà ualàaà etadeàdoà o poà ueàe aàes a a,àpoisà se iaàelaà ueàapa ha ia;à ªà–àu àse ho àte eàu àfilhoà o àu aàes a a.àOà e i oàfoiàalfo iadoàpeloàpai,àpoisàe aàes a oàpo à se àfilhoàdeàes a a.àNoàe ta to,àoàse ho à oà o edeuàaàalfo iaà à e.àáoà o e ,àoàse ho àdei ouàaoàseuàfilhoà estiçoàosà seusà e s,àde t eàosà uaisàaàp p iaà eàdoàhe dei oà Má‘TIN“,à ,àp.à .àPa aàout aàhist iaàai daà aisà o ple a,à e àaà t ajet iaài p essio a teàdeàádelaïdeàM ta e ,à elatadaàpo à‘e e aà“ ottà .

105Dispo í elàe :à

http:// .oit.o g. /sites/all/fo ed_la ou /legis_ju /su a io/CONVEN%C % %C % O% “%C % B‘E% á% E“C‘áVáT U‘á% á““INáDá% EM% GENEB‘á.pdf.àá essoàe :à / / .

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exercem, total ou parcialmente, os atributos doàdi eitoàdeàp op iedade à g ifoà osso .àEstaà

noção formulada em 1926 foi ampliada ao longo do século passado. A noção escravidão no documento deixa de se referir ao direito legítimo de propriedade e passa a se referir ao

exercício dos atributos do direito de propriedade. Segundo Rebecca Scott (2013, p. 4)

e iste àpode esà ueàs oài e e tesà àp op iedadeàe,àseàesses poderes são exercidos sobre

uma pessoa – mesmo que ela não seja propriedade de ninguém – a relação pode, no

di eitoà i te a io al,à se à des itaà ju idi a e teà o oà deà es a id o .à ássi ,à aà compreensão de Scott é que o termo escravidão não seria um anacronismo, apesar de não se referir ao direito de propriedade, trata-se de referência ao exercício de poderes similares àqueles do proprietário. Esta noção foi a que embasou a maior parte dos documentos nacionais e internacionais que se referem à matéria.

Em 1948, as Nações Unidas assinam a Declaração Universal dos Direitos do Homem, prescrevendo no artigo 4º que ninguém seria mantido em escravidão e servidão e que estariam proibidos o tráfico de escravo e a escravidão. Oito anos mais tarde, em 1956, na Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, amplia-se, em referência ao documento de 1926, a definição de escravidão, passa-se a englobar:

1 – a servidão por dívidas, isto é, o estado ou a condição resultante do fato

de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada

nem sua natureza definida; 2 – a servidão, isto é, a condição de qualquer

um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente à outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços,

sem poder mudar sua condição; 3 – toda instituição ou prática em virtude

da qual: I – uma mulher é, sem que tenha o direito de recusa, prometida

ou dada em casamento, mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais, tutor, família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de

pessoas; II – o marido de uma mulher, a família ou o clã deste tem o direito

de cedê-la a um terceiro, a título oneroso ou não; III – a mulher pode, por

morte do marido, ser transmitida por sucessão a outra pessoa; 4 – toda

instituição ou prática em virtude da qual uma criança, ou um adolescente de menos de 18 anos é entregue, quer por seus pais ou um deles, quer por seu tutor, a um terceiro, mediante remuneração ou sem ela, com o fim de

exploração da pessoa ou do trabalho da referida criança ou adolescente106.

A Convenção Suplementar de 1956 torna um dever de todos os Estados-Membros que subscreveram o documento tomar medidas no sentido da criminalização da

106à“eç oàIàdaàCo e ç oà“uple e ta à“o eàá oliç oàdaàEs a atu a,àdoàT fi oàdeàEs a osàeàdasàI stituiç esàeàP ti asàá logasà à

Es a atu a.à “ete oà deà ,à Ge e a.à Dispo í elà e :à http:// .di eitoshu a os.usp. /i de .php/OIT- O ga iza%C %á %C %á o-I te a io al-do-T a alho/ o e ao-suple e ta -so e-a oli ao-da-es a atu a-do-t afi o-de- es a os-e-das-i stitui oes-e-p ati as-a alogas-a-es a atu a- .ht l.àá essoàe :à / / .

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escravidão. Nesse texto, a conduta não é tida como infração de ordem trabalhista, trata-se de crime contra a humanidade e, assim, os infratores estariam sujeitos a julgamentos perante o Tribunal Penal Internacional das Nações Unidas, sediado em Haia (Holanda). Para a OIT, o trabalho forçado não pode ser equiparado a baixos salários ou más condições deà t a alho,à t a alhoà fo çadoà ep ese taà g a eà iolaç oà deà di eitosà eà est iç oà à

li e dadeàhu a a. à OIT,à ,àp.à .àásàa eaçasàeà oaç esà ueà a a te iza àoàt a alhoà

forçado podem variar dos mecanismos mais violentos aos mais sutis, psicológicos; de todo modo, ambos são tratados pela OIT como caracterizadores do trabalho forçado. A OIT indica as seguintes condições para a identificação do trabalho forçado contemporâneo:

Quad oà –àIde tifi aç oàdeàt a alhoàfo çado107

à aàp ti a

Falta de consentimento

(natureza involuntária do trabalho, iti e á io do t a alho fo çado

Ameaça de punição

(meio de manter alguém preso ao serviço)

· Escravidão por nascimento ou por descendência de escravo ou de servidão por dívida;

· Rapto ou sequestro; · Venda de pessoa a outra;

· Confinamento no local de trabalho – em

prisão ou cárcere privado;

· Coação psicológica, isto é, ordem para trabalhar, apoiada em ameaça real de punição por desobediência;

· Dívida induzida (por falsificação de contas, preços inflacionados, redução do valor de bens ou serviços produzidos, taxas de juros exorbitantes, entre outros);

· Engano ou falsas promessas sobre tipos e condições de trabalho;

· Retenção ou não pagamentos de salário; · Retenção de documentos de identidade ou de pertences pessoais de valor.

· Violência física contra o trabalhador ou sua família ou pessoas próximas;

· Violência sexual;

· Ameaça de represálias sobrenaturais: · Prisão ou confinamento;

· Punições financeiras;

· Denúncia a autoridades (polícia,

autoridades de imigração, entre outros) e deportação;

· Demissão do emprego atual; · Exclusão de empregos futuros;

· Exclusão da comunidade e da vida social; · Supressão de direitos ou privilégios; · Privação de alimento, habitação ou outras necessidades;

· Mudança para condições de trabalho ainda piores;

· Perda de status social. Fonte: OIT, 2005, p. 06.

O marco nacional que define a compreensão sobre a matéria é o Código Penal Brasileiro (CPB), que data do início do século XX. O simples fato de a definição ser dada pelo CPB e não pela CLT demonstra que a gramática que define o trabalho escravo não se refere à infração de ordem trabalhista, trata-se de infração que viola os interesses difusos

107àOàTe oàt a alhoàfo çadoà àoàutilizadoàpelaàOITàe àsuasàCo e ç es,àai daà ueà oàB asilàaào ga izaç oàutilizeàt a alhoàe à

o diç oàa logaàaoàdeàes a o.àOà uad oàap ese tadoàto aà o oà aseàasà o e ç esà à deà àeà à deà àdaàOIT,à ueàdefi e àoàe te di e toàeàasàp ti asà ueàde e àse àto adasà o àoào jeti oàdeàe adi a àasà a iadasàfo asàdeàe plo aç oà deàt a alhoàes a o.àDispo í elàe àhttp:// .oit.o g. /sites/all/fo ed_la ou /oit/ elato io/à elato io_glo al .pdf.àá essoà e :à / / .

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e coletivos. O artigo 149 teve a redação do caput e de seus incisos alterada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2003. Antes, não se especificava o que significava reduzir alguém à condição análoga à de escravo.

Art. 149 – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer

submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (grifos nossos):

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente

à violência.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,

com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de

documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º - A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.108

Nota-se que a definição do código penal brasileiro é bastante abrangente, uma vez que para se definir a redução de alguém à condição análoga à de escravo basta observar apenas uma das três variáveis: trabalho forçado/jornada exaustiva; sujeição a condições degradantes; cerceamento de liberdade de locomoção. Por mais que possa parecer haver uma grande abrangência da definição, segundo auditores fiscais do trabalho e procuradores entrevistados, não há nenhuma instabilidade jurídica em função da forma em que a lei está escrita. Esses servidores relataram que a maior dificuldade referente à definição repousa na delimitação do que sejam as condições degradantes de trabalho, uma vez que o conceito não é detalhado. De qualquer modo, afirmaram nunca terem imputado a redução de trabalhador à condição análoga à de escravo em alguma situação

que tivesse sido observada apenas uma dessas características109.

Recentemente, os parlamentares aprovaram no Congresso Nacional a PEC 438, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, que tramita atualmente no Senado como PEC

57A110. A bancada ruralista no Congresso Nacional tem tentado, de diversos modos,

108àDispo í elàe :àhttp:// .pla alto.go . / i il_ /de eto-lei/del .ht .àá essoàe :à / / .

109àE àge al,àsegu doàdisse a ,àosà asosàide tifi adosà aà ostu aà ela io a ,àaoà e os,àjo adaàe austi aà o àaàse id oàpo à

dí idas.àN oà à a oàha e à o diç esàdeàt a alhoàdeg ada tes,à o à adei asàdes o fo t eisàpa aàoàt a alho,à is oàdeài dioà de idoà àfiaç oàe posta,àlo alàdeà o adiaàeàdeàt a alhoà oà es oà e i to,àet .àáàa usaç oàdeà ueàaàleià ài espe ífi aàeà ueàge aà i sta ilidadeàju ídi aà ,àe àge al,àapo tadaàpo àa uelesà ueà us a àfle i iliza àaoà i oàosàdi eitosàt a alhistas.

110à Estaà PECà p op eà aà e p op iaç oà dasà p op iedadesà u aisà eà u a asà e à ueà fo e à e o t adosà t a alhado esà e à o diç oà

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afunilar a definição, no sentido de diminuir sua abrangência. Ou seja, em torno da noção de trabalho escravo contemporâneo, formatou-se um campo em disputa; por mais que haja um entendimento consolidado embasado no CPB, há legisladores que buscam descaracterizar a compreensão atual no sentido de enfraquecer as ações de fiscalização e imputação do crime.

No início de 2013, no Estado de São Paulo, militantes contra o trabalho escravo comemoraram a promulgação da lei nº 14.946, proposta pelo deputado Carlos Bezerra Júnior (PSDB). A lei cassa a inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos estabelecimentos comerciais envolvidos

na prática desse crime – seja diretamente ou no processo de produção. Além disso, os

autuados ficam suspensos de abrir nova empresa no mesmo ramo por um período de 10 anos no estado de São Paulo.

Como as fiscalizações dos auditores fiscais do trabalho sempre são contestadas na justiça pelos atores responsabilizados pela fiscalização, tendo em vista que não há jurisprudência definida e nem uma especificação clara, precisa e objetiva para definir o que seja esse crime, tanto o MTE vem desenvolvendo normativas que rejam a matéria, como auditores fiscais do trabalho vêm criando metodologias para a identificação do trabalho análogo ao de escravo.

Em 2011, a Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE publicou a Instrução

Normativa (IN) nº 91111 que orienta e define os procedimentos a serem adotados no caso

de fiscalização para combate ao trabalho análogo à de escravo. A IN 91 define, para fins de inspeção do trabalho dos auditores fiscais do trabalho, que deve ser considerado trabalho realizado em condições análogas à de escravo o que resulte nas seguintes situações, quer

em conjunto, quer isoladamente: I – a submissão de trabalhador a trabalhos forçados; II –

a submissão de trabalhador à jornada exaustiva; III – a sujeição de trabalhador a condições

degradantes de trabalho; IV – a restrição da locomoção do trabalhador, seja em razão de

dívida contraída, seja por meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo no local de

trabalho; V – a vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou seu

preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho; VI – a posse de documentos ou

objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de

111à Dispo í elà e à http://po tal. te.go . /data/files/ á C D DC BB DFD F /i _ _ .pdf.à á essoà e :à

/ / .à Éà i po ta teà f isa à ueà asà i st uç esà o ati asà apo ta à pa aà aà egula e taç oà daà lei,à s oà te tosà i f a o stitu io aisà ue,à uitasà ezes,à aoà i di a à aà egula e taç oà daà lei,à i pli a à suaà i te p etaç o,à pode doà se à aisà

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retê-lo no local de trabalho. A IN ainda detalha o entendimento que se deve ter em cada uma das expressões referidas acima. Para o caso dos migrantes da costura, vale reter as definições:

- Jornada exaustiva – toda jornada de trabalho de natureza física ou mental que,

por sua extensão ou intensidade, cause esgotamento das capacidades corpóreas e produtivas da pessoa do trabalhador, ainda que transitória e temporalmente, acarretando, em consequência, riscos a sua segurança e/ou a sua saúde;

- Condições degradantes de trabalho – todas as formas de desrespeito à dignidade

humana pelo descumprimento aos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, notadamente em matéria de segurança e saúde e que, em virtude do trabalho, venha a ser tratada pelo empregador, por preposto ou mesmo por terceiros, como coisa e não como pessoa;

- Restrição da locomoção do trabalhador – todo tipo de limitação imposta ao

trabalhador a seu direito fundamental de ir e vir ou de dispor de sua força de trabalho, inclusive o de encerrar a prestação do trabalho, em razão de dívida, por meios diretos ou indiretos, por meio de e coerção física ou moral, fraude ou outro meio ilícito de submissão;

- Posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador – toda forma de

apoderamento ilícito de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o

objetivo de retê-lo no local de trabalho112.

Benedito de Lima e Silva Filho e Renato de Mello, auditores fiscais do trabalho, publicaram em 2011 um modelo de auxílio para a identificação de trabalho análogo ao de escravo utilizando-se do que denominam de lógica Fuzzi (2011, p. 129-152). Trata-se de um:

ferramental matemático que considera os aspectos imprecisos do raciocínio lógico dos seres humanos e, ainda, situações ambíguas, não passíveis de processamento através da lógica computacional fundamentada na lógica booleana que é um sistema de dedução matemática restrito aos valores zero e um (falso e verdadeiro). (SILVA FILHO, MELLO; 2011, p. 131).

O modelo busca construir indicadores para quantificar e estratificar as inferências encontradas pelos auditores a fim de definir uma situação encontrada, se é trabalho análogo ao de escravo ou não. A ausência de uma metodologia específica pode levar à difi uldadeà e à e o he e à eà diag osti a à oà ueà seà e o t aà e à a po,à o deà s oà f e ue tesà asà situaç esà e à ueà osà age tesà pú li osà dis o da à e t eà si à SILVA FILHO, MELLO; 2011, p. 130). O modelo propõe quatro classes de indicadores, que são divididos

em inúmeros aspectos a serem observados: 1ª – Desconformidade legal trabalhista:

remuneração, registro, salário, contribuições previdenciárias, carga de trabalho, jornada,

descanso semanal e férias; 2ª – Desconformidade legal de segurança e saúde: condições

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sanitárias, água e instalações sanitárias, alojamento, saúde e segurança, equipamento de

proteção individual e atestado de saúde ocupacional; 3ª – Desconformidade legal penal:

servidão por dívidas, descontos indevidos, coagir compras, compra da liberdade do trabalhador, restrição de ir e vir, coação física ou psicológica, retenção de documentos e

vigilância armada; 4ª – Desconformidade social: segregação, aliciamento em outros locais,

intermediação de mão de obra, informações contratuais e isolamento social.

Todos os indicadores acima recebem uma valoração em uma planilha e, posteriormente, após cruzamentos e a produção de gráficos complexos, chega-se a um alo .à Noà aso,à oà alo à i fe io à aà , à se á considerado descumprimento de normas; alo esà iguaisà ouà supe io esà aà , à se à o side adoà t a alhoà a logoà aoà deà es a o. à (SILVA FILHO, MELLO; 2011, p. 135). Isto é, trata-se do estabelecimento de um modelo racionalizado, que busca objetividade e imparcialidade para diminuir o conflito entre os servidores no momento de autuação, e, ainda, legitimar as fiscalizações frente a uma possível judicialização no sentido da consolidação de jurisprudência sobre a matéria. Trata-se de um ferramental científico que auxilia a definição e a legitimação do tema em questão113.

Outro crime sempre relacionado ao de redução de um trabalhador à condição análoga à de escravo é o de tráfico de pessoas. Os atores globais empenhados no combate ao trabalho forçado vêm tentando estender as garantias dos tratados internacionais às vítimas de tráfico de pessoas para as vítimas de trabalho forçado. No Brasil, em específico em São Paulo, os operadores do direito adotaram esse entendimento em relação aos migrantes da costura desde 2004 e passaram a proteger as vítimas do trabalho forçado, não solicitando sua saída do país, estendendo os direitos referidos no Protocolo de Palermo.

O marco jurídico de referência para a definição do tráfico de pessoas é o Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de

Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças)114. Este documento, formulado em 2000, e

ratificado pelo Brasil em 2004, define o tráfico de pessoas como:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou

113àU aàdis uss oà ueàpode iaàse àfeitaàeà ueàsegu a e teà e de iaà o sàf utosàpa aàaà o p ee s oàdaàp oduç oàdesteàtipoàdeà