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CAPÍTULO I – Revisão Bibliográfica

2. Doença Degenerativa da Valva Mitral

2.7. Tratamento

2.7.1. Tratamento médico

O tratamento da DDVM tem como objetivo a diminuição da volémia, da congestão pulmonar e da regurgitação, a vasodilatação, e otimizar a função miocárdica, mantendo o débito cardíaco e prevenindo complicações (Häggström, 2010; Kellihan e Stepien, 2012). O tratamento, sendo paliativo, pretende aumentar e melhorar a qualidade de vida do animal (Häggström, 2010; Andrade et al., 2011). Os animais assintomáticos não necessitam de tratamento, como confirma Häggström (2010), afirmando que nenhum tratamento se mostrou eficaz, até à data, na prevenção da progressão da doença numa fase pré-clínica. Porém, Abbott (2008) descreve a possibilidade do enalapril atrasar o início da insuficiência cardíaca em casos subclínicos de DDVM.

Os grupos de fármacos mais usados no tratamento desta doença são os diuréticos, os vasodilatadores, os bloqueadores neuro-hormonais e os inotrópicos positivos (Häggström et

al., 2009; Kellihan e Stepien, 2012). É frequente a utilização combinada de uma terapia tripla

de conversão da angiotensina (IECA) (Olsen et al., 2010, Atkins, 2011). A espironolactona e/ou a digoxina também são usados com frequência (Olsen et al., 2010).

Em estadios avançados da doença, a retenção de sódio e água exercida pelo rim já não é favorável (Kittleson, 1998).Deste modo, a administração de diuréticos e uma dieta restrita em sal devem ser instituídos ao primeiro sinal de insuficiência cardíaca para eliminar o excesso de fluído e aliviar a congestão pulmonar (Abbott, 2008; Häggström et al., 2009; Abbott, 2015). A furosemida é um potente agente que atua na ansa de Henle, sendo o diurético mais utilizado em Medicina Veterinária (Häggström et al., 2009; Peddle et al., 2012). Pode ser administrada por via oral (PO) ou parenteral (Abbott, 2008; Abbott,2015).Segundo Olsen et al. (2010) a dose de furosemida deve ser definida com base, principalmente nos sinais clínicos e só depois na radiografia torácica. Deste modo, em casos ligeiros a moderados de DDVM, este fármaco deve ser implementado numa dose de 2-4 mg/Kg a cada 8h a 12h, durante dois a três dias. No final deste período, a dose deve ser diminuída para 1-2 mg/Kg a cada 12h a 48h ou menos. Para Abbott (2015), a dose ideal deste fármaco é a menor possível que controle os sinais de congestão. Segundo este autor, deve ser iniciada com 1 mg/Kg PO a cada 12h. Este fármaco é muito bem tolerado sendo deste modo, o método mais eficaz de reduzir o volume sanguíneo e, consequentemente tratar a insuficiência cardíaca (Kittleson, 1998; Sisson et al., 1999). A gravidade da regurgitação diminui como resultado da diminuição da pré-carga que acompanha a redução do tamanho do coração (Sisson et al., 1999). A torsemida (diurético da ansa de Henle) foi alvo de estudo em cães com DDVM, com o objetivo de ser comparada à furosemida. A sua duração de ação, PO, é maior que a de furosemida (12h e 6h, respetivamente). Os resultados mostraram que a torsemida é bem tolerada e é igualmente eficaz no tratamento de cães com ICC (Peddle et al., 2012). Em casos de insuficiência cardíaca avançada causada por regurgitação da valva mitral grave, é possível associar mais dois diuréticos à furosemida, um tiazídico e um poupador de potássio. Deste modo, os três têm um efeito sinérgico e podem evitar-se altas doses de cada um (Abbott, 2008).O IECA tem também efeitos sinérgicos com o diurético, por impedir a ação do SRAA que ocorre no tratamento com diuréticos (Olsen et al., 2010). É necessário prestar atenção aos possíveis efeitos secundários destes fármacos como hipotensão por uma diminuição brusca no débito cardíaco. Nesta situação o animal apresenta sinais de fraqueza, com diminuição do tempo de repleção capilar, mucosas pálidas, pulso femoral fraco e taquicardia. Uma diurese excessiva pode causar azotemia pré-renal (Abbott, 2008).Para uma melhor modulação neuroendócrina, Abbott (2008) e outros autores afirmam ser benéfico para cães com insuficiência cardíaca grave, a associação de espironolactona, um diurético poupador de potássio que antagoniza os efeitos da aldosterona (Abbott, 2008; Häggström et al., 2009;Oyama, 2009).Segundo

Abbott (2015), a aldosterona promove a fibrose do miocárdio, pelo que a administração deste fármaco é, aparentemente, cardioprotetora. Além da espironolactona, também o uso cuidado de bloqueadores-β se mostra benéfico, preservando a função do miocárdio (Häggström et al., 2009; Oyama, 2009).Porém, como são inotrópicos e cronotrópicos negativos, é preciso iniciar a administração com doses baixas e ajustar ao longo de semanas (Abbott, 2008; Häggström

et al., 2009; Abbott, 2015). Abbott (2015) aconselha o início da administração numa dose de

0,1mg/Kg a cada 12 horas. Enquanto não se observarem sinais de congestão, bradicardia e/ou hipotensão, a dose é aumentada gradualmente, durante 10 a 14 dias, até 1mg/Kg a cada 12 horas. O carvedilol é um bloqueador-β de terceira geração que, por também ser antagonista adrenérgico-α, provoca ligeira vasodilatação. Esta particularidade faz com que seja um bom fármaco no maneio da DDVM. O metoprolol e o atenolol são outros exemplos de antiarrítmicos bloqueadores-β, usados na prática clínica (Abbott, 2008; Häggström et al., 2009).

Häggström et al. (2010) referem o uso de pimobendan quando há ICC ligeira a moderada, afirmando que reduz a mortalidade em comparação a um IECA em cães com insuficiência cardíaca por DDVM, uma vez que o uso de furosemida com pimobendan não é inferior à terapia usual de furosemida com IECA (Abbott, 2008). Este fármaco apresenta também propriedades inotrópicas, sendo considerado um “inodilatador”, tendo sido aprovado na Austrália, América do Norte e Europa, no tratamento de cães em estadio C de insuficiência cardíaca (Häggström et al., 2009; Häggström et al., 2013; Abbott, 2015). Quando o estado clínico do animal está a deteriorar apesar da terapia com furosemida e IECA, é favorável juntar o pimobendan.

Porém, um estudo realizado em Beagles com DDVM ligeira demonstrou lesões histológicas da valva mais graves no grupo em que foi administrado pimobendan, em comparação com o grupo sujeito a administração de benazepril (Abbott, 2008). Häggström et al. (2013) comparando o pimobendan e o benazepril concluíram que o primeiro reduz significativamente as dimensões das câmaras esquerdas, bem como a frequência cardíaca, aumentando ainda a fração de ejeção, quando comparado ao benazepril.Abbott (2008) afirma ainda que não é aconselhável o uso de pimobendan em animais com doença subclínica.

O início da implementação da digoxina no tratamento de DDVM é controversa (Abbott, 2008; Olsen et al., 2010).Muitos cardiologistas iniciam a digoxina quando os primeiros sinais de ICC aparecem (Olsen et al., 2010). De qualquer forma, a digoxina é indicada quando a insuficiência cardíaca é complicada por fibrilhação atrial e taquicardia, na dose de 0,22 mg/m2, PO, a cada 12 horas (Abbott, 2008). Atkins (2011) preconiza o seu uso em animais com doença em

estadio D, hospitalizados, com o objetivo de controlar o ritmo cardíaco e diminuir a frequência cardíaca. Este fármaco apresenta, para além do efeito inotrópico positivo, um efeito cronotrópico negativo que permite um melhor enchimento ventricular e um maior volume sistólico (Häggström et al., 2009;Abbott 2015). Abbott (2008) defende que a digoxina deve apenas ser administrada aquando de ICC avançada e com função renal preservada, uma vez que é de excreção essencialmente renal. Em cães com ritmo sinusal, a concentração sanguínea deverá ser 0,5 a 1 ng/mg numa amostra obtida 8 a 10 horas pós-dose. Abbott (2015) raramente utiliza este fármaco em cães com ritmo sinusal. Quando está presente fibrilhação atrial, uma concentração mais elevada é necessária (Abbott, 2008).

O controlo da frequência cardíaca pode necessitar de um bloqueador dos canais de cálcio, como o diltiazem, ou um bloqueador β-adrenérgico, como o atenolol ou o propranolol (Abbott, 2008).

Terapia auxiliar pode ser necessária, como oxigénio e repouso em jaula em doentes com edema pulmonar(Häggström et al., 2009; Häggström, 2010).

Em qualquer estadio da doença, Atkins (2011) utiliza amlodipina e IECA em casos de hipertensão sistémica. Nos cães com tosse provocada por compressão do brônquio principal, pela dilatação do AE, mas que não apresentam edema pulmonar, é conveniente o uso de um antitússico como a hidrocodona ou o butorfanol (Abbott, 2008).

Os fármacos administrados por via EV são geralmente reservados para cães com insuficiência cardíaca grave aguda ou com insuficiência cardíaca crónica refratária à dose máxima de tratamentos administrados PO – digoxina, diuréticos e IECA. Em casos graves e agudos, Atkins (2011) opta por manter o IECA e a espironolactona (que já deverá estar instituída), a furosemida PO passa a infusão contínua, e deve ser administrado um fármaco que controle o ritmo e frequência cardíacas, como a digoxina, lidocaína e/ou sotalol. Os bloqueadores-β adrenérgicos, se já instituídos, devem ser mantidos. Doses elevadas de furosemida EV (2 a 6 mg/Kg), por norma, resolvem a congestão pulmonar em animais com insuficiência cardíaca refratária. Para estes doentes pode ainda administrar-se dobutamina associada a um vasodilatador, como o nitroprussiato de sódio. Estes dois fármacos são administrados em infusão EV e são usados primariamente em insuficiência cardíaca crónica refratária ou aguda e depois também em edema pulmonar com risco de vida, por regurgitação mitral associada a rutura de corda tendinosa (Häggström et al., 2009).

2.7.2. Tratamento cirúrgico

Em doentes humanos, a terapia definitiva da regurgitação mitral é a reparação ou substituição cirúrgica da valva danificada, antes que se desenvolva ICC. Isto, porém, raramente é uma opção para cães (Häggström et al., 2009; Andrade et al., 2011).Os métodos de reparação da valva incluem a anuloplastia (com anel ou plicagem), a resseção dos segmentos de valva prolapsados, o encurtamento e união ou substituição da corda tendinosa que sofreu rutura (Sisson et al., 1999). A cirurgia de reparação da valva mitral é tecnicamente mais exigente de ser realizada do que a de substituição, porém é mais vantajosa (Kittleson, 1998; Sisson et al., 1999). O objetivo das cirurgias consiste na diminuição da circunferência do anel mitral (Andrade et al., 2011).A substituição da valva mitral tem algumas desvantagens. Em primeiro lugar, o bypass cardiopulmonar é uma técnica de difícil execução em cães de pequeno porte (doentes mais comuns de DDVM); por outro lado há poucos veterinários habilitados para uma cirurgia cardiopulmonar; em terceiro lugar, a colocação de um bypass é extremamente onerosa; por último, esta é uma técnica com potencial trombogénico, facilitando o tromboembolismo sistémico e disfunção da valva prostética. Desta forma, a técnica de reparação evita o uso de anticoagulantes a longo prazo, mostrando-se mais benéfica (Sisson

et al., 1999; Andrade et al., 2011).

Kittleson (1998) descreve o tratamento cirúrgico de substituição da valva danificada numa série de oito cães. Sete destes cães sobreviveram à intervenção cirúrgica e foram sujeitos a warfarina, de modo a aumentar o tempo de protrombina 2 a 3 vezes. Nesta fase, apenas um cão sobreviveu, morrendo os restantes seis com suspeita de trombose.

Andrade et al. (2011) descrevem um outro estudo, em cães com doença em estadio C submetidos a anuloplastia mitral externa parcial cujo resultado demonstrou que, apesar de ser possível reduzir a circunferência do anel mitral, existem muitas complicações, principalmente hemorrágicas, durante e após a cirurgia. Além disso, dos animais que sobreviveram à cirurgia, não foi notada melhoria significativa da ICC.

2.7.3. Recomendações da ACVIM para o tratamento

No anexo 1 apresenta-se a tabela 13 com as recomendações da ACVIM para o tratamento da DDVM, consoante os estadios da doença.

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