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1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.3 Tratamento

O tratamento da anorexia nervosa é um processo bastante longo e complexo, como tal, requer a intervenção de uma equipa multidisciplinar composta por vários profissionais de saúde formados em saúde mental e psiquiatria, tais como médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e psiquiatras. Considera-se que o processo de recuperação do peso é uma etapa crucial no tratamento, associando-se a uma evolução clínica favorável e a uma melhoria das complicações tanto físicas como psicológicas (Marchili, et al., 2016; Mehler, et al., 2015; Miguelsanz, et al., 2016; Rocks, et al., 2014).

No início do tratamento, além da avaliação global, avaliação clínica, nutricional e psicológica, também é importante e essencial englobar a dinâmica familiar e social (Casanova, et al., 2009; Escott, 2011; Mahan, et al., 2010). Esta colheita de dados iniciais permite à equipa desenvolver uma abordagem terapêutica de acordo com a severidade da doença. Em casos de desnutrição extrema pode ser necessário recorrer ao internamento hospitalar (Latterza, et al., 2004). Segundo as

guidelines da American Psychiatric Association (2006), o tratamento da anorexia nervosa deve

contemplar a reabilitação nutricional, o tratamento das complicações físicas, as intervenções psicológicas, como por exemplo terapia que envolva a família, e as intervenções farmacológicas (American Psychiatric Association, 2006; Ng, et al., 2013).

A psicoterapia é iniciada quando o processo de realimentação começa e deve durar todo o tratamento, centrando-se essencialmente no comportamento alimentar e no ganho de peso sem negligenciar as emoções (Sá, 2015). Todo o processo de promoção do ganho de peso, referenciado por Sá (2015), pode criar tensão e ansiedade no doente, por isso o plano geralmente inclui uma dieta não hipercalórica com cerca de 1.700 Kcal por dia, repartidas em seis refeições, para obter um peso mínimo compatível com a saúde.

Desde o início da terapia, nos casos em que a idade permita, a alimentação é da responsabilidade exclusiva do doente sem interferência da família e com apoio da equipa multidisciplinar quando as dificuldades persistem. Este aspeto garante o princípio da autonomia, encorajando o doente a ter um papel ativo na sua recuperação e a perder o medo sobre a comida, que é um mecanismo psicológico característico do comportamento do doente com anorexia nervosa.

35 A atividade física desempenhada pelo doente deve ser ajustada ao seu gasto calórico, tendo como objetivo apenas a melhoria da forma física e nunca um gasto adicional de calorias (American Psychiatric Association, 2006). Silva (2016) afirma que o excesso de exercício físico tanto pode ser um fator de risco de desenvolver a doença, como um sintoma aliviador, apresentando um papel benéfico no tratamento. O que parece motivar o doente à sua prática são a regulação dos sentimentos negativos, o controlo de peso e o sentir-se mais atraente (Keyes, et al., 2015). O exercício físico ajuda a aumentar a massa muscular e melhorar a função do músculo, reduz a dependência e leva a um melhor prognóstico da doença (Fernandez Del-Valle, et al., 2014; Wolfe, 2006). A realização de exercícios aeróbios não está recomendada, mas recomendam-se exercícios de força, flexibilidade ou equilíbrio, estando comprovado que o exercício físico supervisionado pode ser uma ferramenta de apoio na recuperação da doença, pois diminui a preocupação com a forma física e também os sintomas depressivos, desde que não haja diminuição do peso corporal (Ng, et al., 2013).

No processo de tratamento, a intervenção psicológica deve centrar-se tanto no doente como na sua família (Ross, et al., 2014; Waller, 2016). Os objetivos desta intervenção em termos individuais são ajudar o doente a compreender a sua situação, fazer com que o doente colabore na sua reabilitação nutricional e física, ajudar o doente a modificar os comportamentos e atitudes disfuncionais relacionadas com os seus hábitos alimentares, e ajudar o doente a melhorar o desempenho interpessoal e social (Mahan, et al., 2010). A nível familiar, a intervenção psicológica tem como objetivos aumentar os conhecimentos sobre a doença no seio da família, de modo a que esta possa compreender melhor o doente, diminuindo assim os conflitos familiares, e fornecer estratégias que possibilitam à família aliar-se à equipa terapêutica durante a recuperação do doente (Costa, et al., 2016; Waller, 2016). Por vezes, é também necessário recorrer à terapia farmacológica, existindo eficácia comprovada no uso de antidepressivos (Casanova, et al., 2009; Escott, 2011; Ross, et al., 2014). O envolvimento da família, na recuperação do doente, é reconhecido como sendo importante (National Institute for Clinical Excellence (NICE), 2004), mas por vezes a estrutura familiar pode influir de forma invasiva, restringindo a autonomia e a independência do indivíduo (Espindola, et al., 2013).

Um dos obstáculos que os profissionais têm de ultrapassar é a marcada resistência na adesão ao tratamento por parte do doente, devido à negação da doença (American Psychiatric Association, 2013; Mitchel, et al., 2006; Ross, et al., 2014). Para que o tratamento seja eficaz, é necessário a participação ativa do doente, assim como a sua motivação e desejo de melhorar (Casanova, et al., 2009). Para que se consiga atingir estes objetivos, o profissional de saúde deve estabelecer uma relação empática e de confiança com o doente, de modo a existir a possibilidade de ultrapassarem obstáculos ao tratamento (Casanova, et al., 2009). Tendo em consideração os obstáculos na adesão ao tratamento, a investigação demonstra que o resultado do tratamento nem sempre é positivo e a doença tem uma duração variável, podendo chegar aos 21 anos (Cestari, 2012).

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Tendo em consideração as etapas do tratamento, o internamento só é justificado quando o doente está em iminência de um desfecho fatal, pelo estado de desnutrição grave (Bighetti, et al., 2007). O internamento é uma decisão que deve ser tomada de acordo com as razões médicas, psicopatológicas e familiares. O internamento consiste num plano terapêutico com o doente e familiares que pode implicar a ausência completa de qualquer visita ou contato com parentes, reiniciados pela decisão da equipa multidisciplinar, dependendo do progresso realizado pelo doente nas etapas programadas (Sá, 2015).

O nível de motivação para a mudança deve ser tido em consideração no tratamento da anorexia nervosa (Ostiguy, et al., 2017). A Teoria do Comportamento Planeado (TCP), é um modelo apropriado para entender e prever a motivação na anorexia nervosa. É um modelo amplamente utilizado em saúde e psicologia social e tem sido aplicado com sucesso à previsão de várias intenções e comportamentos de saúde, incluindo dieta, atividade física, cessação do tabagismo (Armitage, et al., 2001; Dawson, et al., 2015). Esta teoria propõe que o comportamento é diretamente influenciado pela intenção de realizar esse comportamento. A intenção, por sua vez, é influenciada: pelas atitudes de um indivíduo, que inclui crenças sobre os resultados prováveis de realizar o comportamento, crenças comportamentais, e uma avaliação da conveniência desses resultados, avaliação de resultados; pelas normas subjetivas, que incluem perceções de pressão de outras pessoas importantes para mudar o comportamento, crenças normativas, e motivação para atender a tais expectativas; e pelo controlo comportamental percebido, que reflete crenças sobre quaisquer fatores internos e externos que possam facilitar ou impedir o desempenho do comportamento, crenças de controlo, e a perceção da probabilidade de que esses fatores realmente afetem o comportamento, poder percebido (Ajzen, 1991). A Figura 6 é uma figura adaptada, que expõe a teoria do comportamento planeado, segundo todos os aspetos referenciados anteriormente.

37 Tendo em consideração o descrito nesta seção, é de salientar que no tratamento da anorexia nervosa é necessário que exista participação ativa da família, devendo existir atendimento familiar individual e em grupo. O que aqui se pressupõe é que exista um envolvimento da família no tratamento, de modo a que esta desempenhe um papel importante junto do doente, criando oportunidades para a mudança de aspetos defensivos e para a atribuição de novos significados a vivências familiares (Valdanha, et al., 2013).

Eficácia do tratamento

Há algum tempo tem sido reconhecido o problema da alta taxa de abandono do tratamento (Garcia, et al., 2013). Independentemente do país ou da modalidade de tratamento, são atingidos valores de 50%, ou mais, de abandono do tratamento, tanto em contexto de ambulatório como hospitalar (Rodriguez, et al., 2012; Sly, et al., 2013). A resistência ao tratamento e a relutância à recuperação têm sido reconhecidas como as principais causas de abandono do tratamento, assim como a duração da doença, o tipo de tratamento e as variáveis familiares (Rodriguez, et al., 2012). Posto isto, a eficácia do tratamento não dependerá apenas da abordagem utilizada, mas também do doente, da sua consciencialização da doença e da sua motivação para a mudança de comportamento.

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