• Nenhum resultado encontrado

2.3 Tratamento da fratura da clavícula

2.3.1 Tratamento não cirúrgico

Tradicionalmente, o tratamento não cirúrgico é recomendado para a grande maioria das intervenções em pacientes com fratura do terço médio da clavícula. Já em 400 a.C, Hipócrates registrava várias observações sobre as fraturas da clavícula; dentre elas, dissertou sobre sua consolidação, relatando que, de modo geral, ocorre rapidamente e produz um calo proeminente. Ressaltou também, que apesar da deformidade que pode ocasionar, a consolidação costuma progredir sem complicações. Outra consideração de Hipócrates refere-

12

Literatura

se ao tratamento, na qual descreve a dificuldade de reduzir e manter a redução de uma clavícula fraturada (Graig, 1993).

Davis (1890) publicou uma série de casos avaliando os métodos de intervenção não cirúrgicos para o tratamento das fraturas da clavícula. A principal crítica do autor era de não haver um dispositivo ideal para manter a redução dos fragmentos da fratura da clavícula. Assim, tendo obtido um resultado satisfatório com um método de tratamento que aplicou em um paciente com luxação posterior da extremidade acromial da clavícula, Davis (1890) decidiu incorporá-lo no tratamento de fraturas do terço médio da clavícula. O método consistia em, primeiramente, realizar a redução da fratura com o paciente em decúbito dorsal com um coxim entre as escápulas; após êxito da redução, era confeccionada uma imobilização gessada envolvendo todo tórax e o braço acometido. Este método de tratamento, conhecido como Plaster-of-Paris, era mantido por quatro semanas e causava muito incômodo aos pacientes. Segundo o autor, entretanto, apresentava resultados satisfatórios em relação à deformidade residual da clavícula.

Collins (1912) descreveu uma técnica de intervenção não cirúrgica que proporcionava menos desconforto aos pacientes. Esta técnica é uma modificação da vestimenta de Sayre, que segue como modelo a técnica das imobilizações por bandagens, que preconiza manter o comprimento da clavícula fraturada com o posicionamento dos ombros para trás e para cima. O autor descreveu algumas vantagens desta técnica de tratamento, como menos desconforto com o uso da imobilização, fácil higienização e ajuste periódico adequado da imobilização. Royster (1919) publicou uma técnica de imobilização em oito, em que faixas nesta configuração posicionadas na região posterior do tórax eram sustentadas por uma tábua laminar de madeira na região anterior do tórax. Com esta técnica, a manutenção do comprimento da fratura era relativamente preservada; já que, diferentemente dos outros métodos de imobilização que preconizam a elevação e a posteriorização dos ombros, a imobilização em oito apenas mantém os ombros para trás, anulando as força que atuam no foco da fratura.

Kennell (1919) descreveu uma imobilização por bandagem cujos objetivos eram manter a adução do braço com uma posteriorização dos ombros, e abaixar o ombro afetado por meio do posicionamento de uma das faixas em sua região superior. O uso desta técnica pelo autor demonstrou excelentes resultados.

13

Literatura

Ao final de 1920, mais de 200 métodos de tratamento já haviam sido descritos para fraturas da clavícula. Os estudos demonstraram altas taxas de união da fratura e baixa associação de déficits funcionais quando realizada uma intervenção não cirúrgica (Lazarus, 2001).

Lester (1929) comparou as técnicas de imobilização que visavam manter a redução versus as técnicas que apenas forneciam suporte para o membro superior afetado. Foram avaliados, retrospectivamente, os resultados de 422 participantes (incluindo crianças e adultos) tratados por métodos não cirúrgicos. Todos os participantes apresentaram resultados funcionais adequados. Com os resultados obtidos, o autor pôde concluir que os dois métodos de tratamento apresentaram efeitos satisfatórios, porém, os métodos de imobilização apenas de suporte forneceram menos desconforto em relação aos métodos de manutenção da redução da fratura.

Jensen, Andersen, Lauritzen (1985) realizaram o primeiro ensaio clínico randomizado comparando tipoia com imobilização em oito para o tratamento de fraturas do terço médio da clavícula em pacientes com idade superior a 13 anos. O estudo foi publicado em dinamarquês e posteriormente, em 1987, foi traduzido e publicado na língua inglesa (Andersen, Jensen, Lauritzen, 1987). Neste estudo, concluiu-se que não houve diferenças significativas entre as duas técnicas de tratamento não cirúrgico, porém, constataram-se maiores níveis de dor e desconforto durante o tratamento nos pacientes submetidos à imobilização em oito.

Hoofwijk, van der Werken (1988), também em um ensaio clínico randomizado, compararam o uso de tipoia versus a imobilização em oito em pacientes maiores de 14 anos. Os resultados deste estudo não demonstraram diferenças estatisticamente significantes nos principais desfechos entre os dois grupos de comparação, com exceção de maior dor nos participantes tratados com imobilização em oito em 15 dias do seguimento.

Hill, McGuire, Crosby (1997), entre 1988 e 1992, avaliaram retrospectivamente 242 pacientes adultos com fraturas da clavícula, que foram tratados com intervenções não cirúrgicas; dentre os quais, 66 (27%) apresentavam fratura do terço médio da clavícula com fragmentos deslocados. Foram reavaliados 52 destes pacientes em um período médio de 38 meses após a fratura; 42 pacientes tratados com imobilização em oito, quatro com tipoia simples e seis sem tratamento. Dos resultados obtidos, 15% dos pacientes apresentaram pseudartrose, 31% responderam que estavam insatisfeitos com o resultado final do tratamento, 25% apresentaram dor residual leve à moderada, com necessidade de consumo analgésico, e 29% queixaram-se de parestesia no membro superior afetado. Nenhum paciente apresentou comprometimento do arco de movimento ou déficit de força motora no membro afetado. Houve uma associação

14

Literatura

estatisticamente significante entre encurtamento dos fragmentos do foco de fratura maior ou igual a 20mm e pseudartrose (p<0,0001). A recomendação dos autores foi a de realizar a redução aberta e fixação interna nos pacientes com fraturas do terço médio da clavícula com grande deslocamento.

Nordqvist, Redlund-Johnell, von Scheele, Petersson (1997), entre 1992 e 1993, reavaliaram 85 pacientes (crianças e adultos) com fratura da clavícula tratados com tipoia simples após cinco anos de seguimento. Dentre estes pacientes, 71 apresentavam fraturas do terço médio da clavícula e 14 da extremidade esternal; 46 fraturas sem deslocamento dos fragmentos e 39 com deslocamento. Os resultados revelaram ausência de diferenças estatisticamente significantes entre o membro superior afetado e o lado normal em relação ao arco de movimento ativo e escala de Constant. O exame radiográfico demonstrou: 14 pacientes com encurtamento da clavícula, 12 com consolidação viciosa e cinco com pseudartrose. Os autores concluíram que a deformidade da clavícula era uma complicação comum após a fratura, mas sem significado clínico.

Robinson (1998), entre 1988 e 1994, fez uma avaliação prospectiva de 1.000 pacientes com fraturas da clavícula e idade superior a 13 anos. O seguimento médio foi de 15,7 semanas (variando entre cinco e 145 semanas). Dentre estes pacientes, 676 apresentavam fratura do terço médio da clavícula; todos foram tratados com intervenções não cirúrgicas. Na avaliação radiográfica, o autor identificou 180 pacientes com fraturas com fragmentos alinhados, dos quais apenas 2,8% demonstraram refratura; e 496 pacientes com fraturas deslocadas, dentre os quais 5,8% apresentaram pseudartrose no final do seguimento e 1,2% refratura.

Nordqvist, Petersson, Redlund-Johnell (1998), entre 1970 e 1979, trataram 492 pacientes acima dos 15 anos de idade, com fraturas do terço médio da clavícula. No estudo, foram avaliados retrospectivamente 223 pacientes (225 fraturas); as características morfológicas das fraturas foram: 71 com contato cortical entre os fragmentos, 69 sem contato cortical entre os fragmentos e 85 com fragmento intermediário entre os fragmentos principais da fratura. Cento e noventa e sete fraturas foram tratadas com imobilização em oito por três semanas, sem nenhuma tentativa de redução das fraturas deslocadas, e em 24 pacientes foi permitida a mobilização precoce sem uso de imobilização para o ombro. No seguimento, 40 pacientes apresentavam algum sintoma relacionado à fratura. Cinquenta e três fraturas foram classificadas radiograficamente como consolidação viciosa e sete foram classificadas como pseudartrose. A pseudartrose foi significativamente mais prevalente nos casos de pacientes com fraturas deslocadas. Os autores concluíram que poucos pacientes com fraturas do terço médio da clavícula necessitaram de tratamento cirúrgico.

15

Literatura

Robinson, Court-Brown, McQueen, Wakefield (2004), entre 1997 e 2001, realizaram um estudo de coorte prospectivo em que avaliaram 868 pacientes (idades entre 19 e 47 anos), tratados não cirurgicamente com tipoia durante duas semanas. Os pacientes foram avaliados clínica e radiograficamente em seis, 12 e 24 semanas após a lesão. Havia 581 pacientes com fraturas no terço médio da clavícula, 263 na extremidade acromial, 24 na extremidade esternal. Na análise final dos pacientes envolvidos nesta coorte, 24 semanas após a fratura, observou-se a prevalência de pseudartrose em: 6,2% em todos os tipos de fraturas; 4,5% das fraturas do terço médio; e 11,5% das fraturas na extremidade acromial. No seguimento dos pacientes com fraturas do terço médio, o risco de pseudartrose foi significativamente aumentado ao relacionar idade, sexo feminino, deslocamento da fratura e presença de cominuição (P<0,05 para todas as avaliações). Na análise multivariada, todos esses fatores permaneceram independentemente preditivos de pseudartrose; e, no modelo final, o risco de pseudartrose foi aumentado pelos seguintes fatores: 1) falta de aposição cortical (risco relativo (RR) = 0,43, intervalo de confiança (IC) 95% = 0,34 a 0,54); 2) paciente ser do sexo feminino (RR = 0,70, IC 95% = 0,55 a 0,89); 3) presença de cominuição (RR = 0,69, IC 95% = 0,52 a 0,91); e, 4) o paciente possuir idade avançada (RR = 0,99, IC 95% = 0,99 a 1,00). Em relação às fraturas do terço médio da clavícula, os autores concluíram que havia subgrupos de indivíduos em que os fatores intrínsecos (idade e gênero) e fatores extrínsecos (deslocamento e cominuição da fratura) predispunham às complicações do tratamento não cirúrgico destas fraturas.

Nowak, Holgersson, Larsson (2004), entre 1989 e 1991, envolveram 245 pacientes com idade superior a 15 anos e fratura da clavícula, em um estudo de coorte prospectivo. No momento do diagnóstico da fratura, todos os pacientes responderam um questionário específico que avaliava dados demográficos e características das fraturas. Posteriormente, os participantes foram reavaliados de acordo com um protocolo de avaliação clínica e radiográfica, nos períodos de uma semana, seis meses e após nove a dez anos da ocorrência da fratura. No seguimento final, 208 pacientes foram avaliados, dentre eles 151 apresentavam fraturas no terço médio da clavícula. Dos 208 pacientes avaliados no final do seguimento, 112 (54%) se recuperaram completamente, enquanto 96 (46%) ainda apresentavam alguma complicação relacionada à fratura inicial. Pseudartrose ocorreu em 15 pacientes (7%), nos quais o não contato inicial entre as corticais do foco de fratura foi a alteração radiográfica mais relacionada a esta sequela. Pacientes idosos e pacientes portadores de fraturas cominutivas apresentaram um risco significativamente maior para os demais sintomas, mas não houve diferença significativa entre os sexos. Localização da fratura e encurtamento não predisseram o resultado final, exceto para as alterações estéticas. A angulação da fratura não teve efeito sobre deformidades estéticas. Os autores concluíram que os pacientes com fatores de risco,

16

Literatura

tais como fraturas sem contato entre as corticais, especialmente as cominutivas, e os pacientes idosos deveriam ser considerados para outras opções de tratamento.

McKee, Pedersen, Jones, Stephen, Kreder, Schemitsch, Wild, Potter (2006) realizaram uma avaliação retrospectiva de 107 pacientes atendidos entre 1994 e 2000, com fraturas deslocadas do terço médio da clavícula. Todos os pacientes foram tratados com tipoia e apresentaram evidência de consolidação clínica e radiográfica. Trinta pacientes adultos (idade entre 19 e 70 anos) foram incluídos neste estudo. Todos os participantes do estudo retornaram para avaliação clínica e de força muscular; a média do seguimento foi 55 meses. Como resultado, em relação à satisfação com o método de tratamento, 15 pacientes responderam estar completamente satisfeitos; sete responderam estar parcialmente satisfeitos; e oito insatisfeitos. Em relação ao retorno às atividades prévias, 18 retornaram às atividades normalmente; oito retornaram para atividades menos árduas; e quatro não retornaram a nenhum tipo de atividade. Em relação ao arco de movimento, não houve diferenças estatisticamente significantes em relação ao lado contralateral normal. Quando avaliadas as escalas funcionais, os valores foram significativamente menores em relação à população normal (P=0,01 para a escala de Constant e P=0,02 para o questionário DASH). Em relação à avaliação da força motora, todos os valores foram significativamente inferiores aos obtidos para o lado contralateral normal (P<0,05 para todos).

Lazarides, Zafiropoulos (2006), entre 1998 e 2001, revisaram retrospectivamente as radiografias e registros de 272 pacientes tratados de forma não cirúrgica. No estudo, foram incluídos 132 pacientes acima dos 15 anos de idade em um período de seguimento médio de 30 meses. Os resultados demonstraram que: a média da escala modificada de Constant foi 84 (intervalo 62-100 pontos); 25,8% dos pacientes estavam insatisfeitos com os resultados do tratamento; e que o encurtamento da clavícula superior a 18mm nos homens e a 14mm nas mulheres esteve significativamente relacionado a resultados insatisfatórios. A amostra populacional apresentou uma média de encurtamento de 14,4mm (desvio padrão (DP) = 8,5) nos homens e de 11,2mm (DP = 7,3) nas mulheres.

Lubbert, van der Rijt, Hoorntje, van der Werken (2008) conduziram um ensaio clínico randomizado multicêntrico e duplo cego entre 2001 e 2003. Foram avaliados 101 pacientes adultos, nos quais se comparou o uso de ultrassom terapêutico versus placebo no tratamento não cirúrgico (tipoia para conforto) das fraturas agudas da clavícula. Os resultados demonstraram que não houve diferenças estatisticamente significantes em relação aos desfechos: tempo subjetivo de consolidação clínica da fratura; retorno às atividades diárias, esportivas e profissionais; escala visual analógica de dor; e consumo de analgésicos. Os

17

Literatura

autores concluíram que seus achados não confirmavam que o uso de ultrassom terapêutico acelerava o tempo de consolidação das fraturas agudas do terço médio da clavícula.

Documentos relacionados