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SUMÁRIO

ANAHP (Associação

3. APRESENTAÇÃO DO MÉTODO PELC

3.2. Tratamento padrão

O Tratamento Padrão é definido pela Equipe de Árbitros, por meio da escolha de requisitos de qualidade que servirão de parâmetro para a formulação do juízo de valor sobre o nível de qualidade da linha de cuidado, dentro de perspectivas transdisciplinar e transetorial.

Enquanto uma regra de projeção para a linha de cuidado futura, há exigências da lógica de inferência na formulação do Tratamento Padrão que serão tratadas brevemente neste subcapítulo e com maior detalhe no capítulo 4. O anexo I exemplifica algumas das abordagens que seguem descritas neste subcapítulo, apresentando o Tratamento Padrão da linha de cuidado das crianças e dos adolescentes infectados pelo vírus do HIV. Trata-se do primeiro Tratamento Padrão criado com o Método PELC.

A Equipe de Árbitros, baseada em dados quantitativos, qualitativos e em pontos de vista subjetivos, fará um julgamento daqueles requisitos mais relevantes para o oferecimento do cuidado, destacando da realidade aquilo que interessa, excluindo do contexto todos os demais interesses que fazem do cuidado um meio e não um fim. O Tratamento Padrão é fruto do poder de síntese da Equipe de Árbitros em relação a suas percepções sobre os requisitos de qualidade esperados para a linha de cuidado.

O Tratamento Padrão deve refletir uma interação entre aspectos estruturais da linha de cuidado: técnico-científico, sociais e organizacionais. No

Método PELC, a definição do Tratamento Padrão utiliza a abordagem donabediana estrutura-processo-resultado (11). Assim, os requisitos de qualidade do Tratamento Padrão abordam:

i) as condições estruturais: recursos financeiros, humanos, físicos,

organizacionais, etc;

ii) as condições do processo: encadeamento das etapas e ações da

linha de cuidado, como consultas, internações, exames, medicamentos, adesão, técnicas, etc;

iii) a medida de resultado do cuidado: o sucesso ou fracasso

terapêutico, progressão ou retardo da doença, medidas de autopercepção em saúde, etc.

É desejável que o Tratamento Padrão criado pela Equipe de Árbitros apresente as seguintes características: 1) ser exequível, 2) servir de base para a criação de grupos de comparação, 3) ter requisitos de estrutura-processo associados aos requisitos de resultado e 4) ser submetido a testes de validade e de confiabilidade.

Pode-se dizer que o Tratamento Padrão é um modelo. Como tal, é reducionista por ser incapaz de reproduzir toda a riqueza da realidade, sendo formulado a partir de critérios subjetivos que dependem de quem os formula, além da restrição de precisar ser definido em virtude das possibilidades de observação, avaliação e medição dos requisitos de qualidade da linha de cuidado alvo da pesquisa. Entretanto, é um modelo útil por ser uma base de comunicação e de entendimento de muitos atores sobre a linha de cuidado.

Definir o Tratamento Padrão, todavia, não é uma tarefa trivial. Sabe-se que a dificuldade consiste em decidir, objetivamente, quais são os parâmetros que expressam a qualidade e como medi-los adequadamente (12). Sendo assim, serão abordadas outras considerações para a definição do Tratamento Padrão.

A definição do Tratamento Padrão deve representar uma visão de futuro da linha de cuidado, que implica em buscar uma ruptura entre o nível de qualidade das linhas de cuidado habitualmente oferecidas e as linhas de cuidado desejadas para o futuro. Sendo assim, o Tratamento Padrão é um dos principais elementos para o desenvolvimento de um planejamento epidemiológico profícuo da linha de cuidado.

Desta forma, na definição do Tratamento Padrão é importante que a Equipe de Árbitros se desprenda do processo existente e de suas limitações para evitar que o juízo de valor seja cópia do presente ou do passado institucionalizado. Para tanto, o Tratamento Padrão precisa ser formado por requisitos de qualidade que habitualmente não estão sendo observados nas linhas de cuidado.

Trata-se da priorização pela Equipe de Árbitros dos requisitos julgados mais relevantes para serem observados na linha de cuidado do futuro, além de outros que sejam mais suscetíveis à produção de variações ou mais indutores para a tomada de decisões para a replicação das soluções de melhoria após o término da pesquisa.

A linha de cuidado como um processo organizacional apresenta eventos comuns (casos) e eventos especiais (acasos), bons ou ruins. É importante estudar os casos e os acasos na definição do Tratamento Padrão. Os eventos comuns costumam estar dentro da governabilidade do processo, enquanto os eventos especiais costumam estar fora. Por um lado, para avaliar a qualidade da linha de cuidado é necessário identificar a regularidade dos eventos e o desenvolvimento de ações repetidas pelos mesmos agentes, o que constitui o estudo dos casos ou eventos comuns. Por outro lado, é necessário identificar a irregularidade dos fatos e das ações de exceção, o que constitui o estudo de acasos ou eventos especiais.

O foco das intervenções para a melhoria de um processo deve considerar se o evento é comum ou especial, como por exemplo, o início de uma consulta médica. Frequentemente nas consultas há atrasos menores de 45

minutos e, raramente, maiores de 70 minutos. Então os eventos comuns que terão suas causas estudadas, visando a intervenções para diminuir esse tempo, são os atrasos de 45 minutos. Isso porque o evento especial − atrasos maiores de 70 minutos − costuma estar associado a causas especiais e raras, fora da governabilidade do processo de trabalho, como por exemplo, o carro do médico ter quebrado.

Contudo, o Tratamento Padrão no Método PELC é um parâmetro para linhas de cuidado futuras. Sendo assim, pode ser desejado que eventos especiais bons, que acontecem raramente no presente, tornem-se eventos comuns nas linhas de cuidado do futuro. Por exemplo: uma consulta de uma determinada especialidade ou um exame clínico que raramente são conseguidos para as linhas de cuidado do presente e que deverão se tornar eventos comuns nas linhas de cuidado do futuro.

A Equipe de Árbitros decide sobre uma das inúmeras possibilidades de Tratamento Padrão, descrevendo os eventos comuns desejados para as linhas de cuidado no futuro, desde que estes sejam exequíveis no presente por meio da implantação do Experimento de Gestão ou que sejam observados em linhas de cuidado do tipo caso-traçador-padrão.

A ciência da administração com ênfase na gestão da qualidade trabalha com definição operacional de qualidade, contribuindo com conceitos para a formulação do Tratamento Padrão. Para Langley JG et al. (12), o desenvolvimento de uma definição operacional de qualidade começa com a definição de um conjunto de características mensuráveis ou de características qualitativas associadas ao produto ou serviço avaliado, de forma a criar um conjunto sistêmico de requisitos de qualidade. A elaboração de um conjunto de requisitos, derivado de múltiplas e sistêmicas dimensões de qualidade deve ser formulado com base em critérios de relevância, confiabilidade, validade, capacidade de discriminação e viabilidade (12). Nesta ótica, o Tratamento Padrão deve definir características de

desse microprocesso assistencial, interrelacionando e agregando as diferentes perspectivas para uma análise sistêmica.

A obtenção do grau de conformidade da linha de cuidado oferecida a cada consumidor de saúde em relação ao Tratamento Padrão poderá ser parcial, pois se limitará aos aspectos relevantes e possíveis de serem avaliados, conforme o estágio computacional, documental e organizacional de cada uma das instituições oferecedoras das etapas e ações da linha de cuidado alvo da pesquisa. A coleta de dados do estudo sobre a linha de cuidado do consumidor de saúde será feita utilizando fontes como documentos manuais, prontuários médicos, banco de dados informatizados, etc.

Cada um dos requisitos de qualidade que compõem o Tratamento Padrão terá um valor ou um intervalo de referência que será definido pela Equipe de Árbitros, sempre que possível, com base na comparação histórica de seu comportamento ao longo de um período ou com base nos conhecimentos técnicos e científicos sobre seus valores específicos normais. Dependendo da relevância do requisito, a Equipe de Árbitros poderá atribuir a ele uma ponderação maior fazendo que a presença do requisito influencie de forma diferenciada o juízo de valor sobre o grau de qualidade da linha de cuidado.

O Tratamento Padrão é histórico, tem prazo de validade e sua utilidade vale por um determinado período, até que outro seja estabelecido. O Tratamento Padrão depende da época, de quem o formula, dos locais produtores da assistência, das mudanças organizacionais e de alternativas distintas de solução para o enfrentamento de um mesmo problema de saúde. Também as linhas de cuidado estão em constante mudança, pois sofrem alterações técnico-científicas, abundância ou falta de recursos (recursos humanos, financeiros, tecnológicos, etc.), dentre outras.

Enfim, múltiplos motivos levam o Tratamento Padrão a ter uma característica transitória, devendo ser redefinido periodicamente com a finalidade

de sempre refletir o padrão desejado em relação às necessidades do cenário de saúde.

As principais dimensões de qualidade (11); (12) do Tratamento Padrão são:

• acurácia: exatidão enquanto grau de conformidade de um valor medido ou calculado em relação a sua definição ou a uma referência padrão;

• eficácia: probabilidade de benefício de uma tecnologia em condições ideais;

• eficiência: probabilidade de benefício de uma tecnologia em condições habituais;

• segurança: probabilidade de efeitos colaterais e adversos; • custo: custo-efetividade, custo-utilidade;

• qualidade técnico-científica: as práticas serem baseadas em evidências científicas e nas diretrizes de normas e condutas;

• satisfação do consumidor: saúde autorreferida pelo consumidor; • equidade: os consumidores de saúde que apresentam uma mesma necessidade têm a mesma oportunidade de utilizar os serviços de saúde e receber cuidados adequados;

• ética;

• comunicação entre profissionais, instituições e o consumidor;

• continuidade do cuidado: integralidade da linha de cuidado intra e interinstitucional;

• aceitabilidade: a sociedade aceita com seus valores culturais os cuidado oferecidos, etc.

É fato que grande parte da qualidade da linha de cuidado não poderá ser traduzida no Tratamento Padrão, pois, muito dela é uma interação entre paciente e cuidador, que contribui para o sucesso do cuidado e para a satisfação do paciente (11). Merecem destaque os requisitos de qualidade do consumidor de saúde enquanto aqueles que afetam sua percepção de qualidade de vida em saúde. Esse aspecto será tratado com a instalação de estudo transversal com aplicação de inquéritos sobre saúde autorreferida pelo consumidor. O subcapítulo 6.1 detalha esse aspecto, que abordaremos brevemente abaixo para apresentar situações entre o Tratamento Padrão e as percepções do consumidor de saúde.

Dependendo da doença-alvo da linha de cuidado, nem sempre a autopercepção de qualidade de vida em saúde do consumidor será positiva, mesmo sendo a linha de cuidado de excelente qualidade. Vale lembrar que há linhas de cuidado que oferecem tratamentos agressivos na tentativa de interromper ou retardar a história natural da doença. Assim, diminuem a qualidade de vida em saúde do consumidor, que apenas no final do tratamento será restabelecida e, muitas vezes, em patamares menores do que o existente antes das manifestações da doença. No entanto, há outras doenças que, quando tratadas, em pouco tempo a qualidade de vida do consumidor é plenamente restabelecida, sendo os efeitos do cuidado percebidos pelo consumidor de saúde.

É verdade que há restrições institucionais para o oferecimento de linha de cuidado com o nível de qualidade desejado. São limitações impostas por restrições financeiras, tecnológicas, culturais, entre outras que podem influenciar na definição do Tratamento Padrão, pois impedem a escolha de requisitos de qualidade que não possam ser oferecidos pelo Experimento de Gestão. No Método PELC a pesquisa deve se curvar às limitações institucionais e definir um Tratamento Padrão que seja exequível pelo Experimento de Gestão ou que seja passível de ser observado em poucas linhas de cuidado oferecidas habitualmente.

A formulação e a experimentação de um Tratamento Padrão mais exigente ficam para pesquisas futuras diante de novos cenários intra e interinstitucionais.

Dentre as inúmeras possibilidades quanto à quantidade de requisitos de qualidade, Langley JG et al. (12) recomendam que o conjunto de requisitos de qualidade não seja extenso, pois as avaliações serão usadas para identificar potenciais melhorias no produto ou serviço. A definição do Tratamento Padrão será um exercício da capacidade de priorização da Equipe de Árbitros quanto aos requisitos relevantes para o julgamento do nível de qualidade de uma linha de cuidado oferecida a um consumidor de saúde.

A Figura 2 esquematiza o Tratamento Padrão e o anexo I apresenta o Tratamento Padrão elaborado na pesquisa da linha de cuidado das crianças e dos adolescentes infectados pelo vírus do HIV.

Primeiramente, devem ser definidas quais são as principais etapas e

Figura 2. Método PELC: Tratamento Padrão e seu Escore PELC-TP

Ação 1 da linha de cuidado Ação 2 da linha de cuidado Ação n - 1 da linha de cuidado Ação n da linha de cuidado Referência 1 Referência 2 Referência n - 1 Referência n Conformidade 1 Conformidade 2 Conformidade n - 1 Conformidade n P1* K1 P2* K2 Pn-1* Kn-1 Pn* Kn Requisitos de estrutura- processo Requisitos de resultado

Escore PELC-TP = ∑i=1 Pi* Ki

longo e que envolvem muitos processos e instituições é possível utilizar esquemas apropriados para representá-las. O capítulo 8 apresenta algumas opções para esquematizar essas linhas de cuidado.

Em seguida a Equipe de Árbitros busca referências sobre cada uma das etapas e das ações da linha de cuidado em fontes sobre a doença, tais como diretrizes normas e condutas, portarias de governo, artigos científicos, protocolos clínicos, experiências práticas e outras. Essas fontes oferecem argumentação para o julgamento do que é considerado conforme e do que não é considerado conforme no oferecimento da linha de cuidado ao consumidor de saúde. Não é necessário esse caráter dicotômico de ser ou não ser conforme, quando necessário, é possível criar uma escala numérica de conformidade.

Cada um dos requisitos de qualidade da linha de cuidado recebe notas e ponderações, esquematizadas na Figura 2 com os termos P1 * K1; P2 * K2; Pn-1 *

Kn-1; Pn * Kn. O Escore PELC-TP recebe a soma dos valores e ponderações

referentes às conformidades máximas dos requisitos. O anexo I exemplifica as ponderações do Tratamento Padrão da linha de cuidado das crianças e dos adolescentes infectados pelo vírus do HIV.

A definição das ações que serão julgadas pelo Tratamento Padrão deve seguir a tríade donabediana estrutura-processo-resultado. As ações escolhidas devem ser classificadas como de estrutura-processo ou como de resultado. Uma mesma ação não deve ser classificada nas duas categorias.

O Tratamento Padrão está bem formulado quando apresentar, dentre outros aspectos, as seguintes características:

• Ser exequível. O Tratamento Padrão se mostra exequível quando se observa esporadicamente o oferecimento de linhas de cuidado Caso-traçador- padrão ou quando o Experimento de Gestão oferece intencionalmente linha de cuidado Caso-traçador-padrão;

• Ter requisitos de estrutura-processo associados aos requisitos de resultado;

• Ter passado por teste de validade e de confiabilidade.

Para obter as últimas características - validade e confiabilidade – é necessário verificar se o mesmo avaliador ao julgar uma mesma linha de cuidado em diferentes momentos obtém escores PELC-LC próximos. E, quando houver mais de um avaliador na pesquisa que, ao avaliar uma mesma linha de cuidado, todos obtenham escores PELC-LC próximos. Dependendo dos interesses da pesquisa, será necessário utilizar a Técnica Delphi (13) para teste de validade de conteúdo de instrumento, estabelecendo uma porcentagem mínima de equivalência e de concordância entre os diversos avaliadores da ou das pesquisas sobre a linha de cuidado.

A Figura 3 esquematiza as características descritas para o Tratamento Padrão e as possibilidades de sua utilização em outras pesquisas e em estudos multicêntricos. Teste de validade Teste de confiabilidade Estrutura- processo x resultado Criação de bases de comparação Exequível Planejamentos mundiais Planejamentos de governo federal Planejamentos de governo regional Planejamentos locais

No Método PELC, o Tratamento Padrão é definido para um micro- objeto: as linhas de cuidado oferecidas aos consumidores de saúde, tais como linha de cuidado para as pessoas expostos ou infectados pelo HIV, linha de cuidado do câncer, linha de cuidado dos diabéticos, etc.

É verdade que instituições de saúde distintas poderão definir cada uma seu próprio Tratamento Padrão para um mesmo tipo de linha de cuidado. Contudo, também é possível que várias instituições venham a aderir a um mesmo Tratamento Padrão. Sendo assim, é possível pensar em várias pesquisas tendo como objeto de estudo a mesma linha de cuidado e utilizando um mesmo Tratamento Padrão, permitindo que seus resultados sejam comparáveis e aceitos pela comunidade científica. Em uma escala global de harmonização de um determinado Tratamento Padrão é possível pensar na realização de projetos multicêntricos com a abordagem do Método PELC. Isso possibilita avaliação epidemiológica da linha de cuidado de programas de saúde de governos locais, de governos municipais, de governos estaduais e federais e de saúde suplementar.

A definição do Tratamento Padrão leva ao acúmulo de pareceres de especialistas sobre a linha de cuidado, fornecendo informações com vistas à próxima revisão de diretrizes, normas e condutas sobre a doença, à comparação de custo-efetividade e custo-utilidade, às preferências na administração ou na combinação de drogas, na utilização de recursos de apoio diagnósticos, etc.

Finalmente, o Tratamento Padrão é uma das opções de intervenção para a pesquisa que escolheu o delineamento quase-experimental. Esta opção é necessária, pois muitas instituições não suportarão a intervenção organizacional imposta pelo Experimento de Gestão. O Tratamento Padrão é uma opção de intervenção, pois a definição de um padrão e a aceitação de ser julgado em relação a ele é uma ação capaz de modificar a organização e o oferecimento da linha de cuidado. A escolha da intervenção da pesquisa entre o Tratamento Padrão e o Experimento de Gestão será abordada no subcapítulo 6.5.