• Nenhum resultado encontrado

2. Revisão da literatura

2.3. Compósitos reforçados com fibras de origem vegetal

2.3.6. Tratamentos superficiais

A interface fibra-matriz de qualquer compósito tem uma influência fundamental nas propriedades mecânicas globais dos compósitos produzidos. De facto, a interface tem um papel crucial na transferência de carga da matriz para o reforço, sendo imprescindível uma

2 Libertação de humidade. 3 Decomposição da hemicelulose. 4 Decomposição da celulose. 5 Decomposição da lenhina. 6 Não reportada.

7 Pico exotérmico atribuído ao tratamento de mercerização. 8

Compósitos de matriz termoplástica de baixa viscosidade reforçados com fibras naturais de origem vegetal

Revisão da literatura boa adesão entre as duas fases para que as fibras cumpram efetivamente a sua ação de reforço e sejam produzidos compósitos com as propriedades mecânicas esperadas. Com este objetivo têm sido desenvolvidos diversos tratamentos físicos (e.g. tratamento em ambiente de plasma frio e tratamento corona) e químicos (e.g. mercerização, tratamentos com anidrido maleico, isocianatos e silanos), específicos para a modificação das fibras de origem vegetal. Descrevem-se, em seguida, dois dos tratamentos mais usuais: mercerização e modificação das fibras por adição de agentes químicos compatibilizadores (coupling agents). De salientar que, devido à panóplia de substâncias químicas que podem ser utilizadas e ao fato de não constituir objetivo deste trabalho a alteração química da superfície das fibras, será apenas feita uma descrição generalizada dos tratamentos que envolvem a modificação química das fibras.

Mercerização

Neste tipo de tratamento, o objetivo principal é a limpeza superficial das fibras por remoção de impurezas (ceras, ácidos gordos, sílica, entre outras) que inibem as reações de ligação química entre as fibras vegetais e as matrizes poliméricas. Adicionalmente poderão ser removidas a lenhina, a pectina e a hemicelulose, responsáveis por muitos mecanismos de degradação. Este tratamento altera a estrutura física das fibras, nomeadamente, o ângulo de orientação das fibrilas, a orientação das cadeias de celulose (celulose não cristalina e fibrilas de celulose) e o grau de polimerização da estrutura cristalina [114]. O tratamento consiste na imersão das fibras vegetais, durante um determinado tempo e a dada temperatura, numa solução aquosa diluída de hidróxido de sódio (NaOH). Posteriormente, as fibras são lavadas com água destilada, para remoção dos excessos de hidróxido de sódio, são neutralizadas com uma solução ácida diluída e lavadas novamente com água destilada. Por fim, as fibras são secas, primeiramente à temperatura ambiente e depois numa estufa sob condições controladas de tempo e temperatura. Neste tipo de tratamento é necessária uma seleção cuidadosa da concentração da solução alcalina para que não seja reduzida, de forma significativa, a resistência térmica das fibras nem as suas propriedades mecânicas (soluções demasiado concentradas provocam a degradação da celulose). Note-se que a celulose cristalina é insolúvel em soluções alcalinas diluídas, devido à regularidade das ligações de hidrogénio.

Este tratamento contribui significativamente para a adesão na interface fibra/matriz, por aumentar a compatibilidade química entre as fibras e as matrizes poliméricas (por

exposição dos grupos hidroxilo) e, simultaneamente, facilitar a sua fixação mecânica. A remoção de substâncias não celulósicas conduz à separação das fibras elementares e à formação de superfícies rugosas, mais eficientes na ligação interfacial fibra/matriz do que as superfícies lisas, devido à maior área superficial presente na interface.

Adição de agentes químicos compatibilizadores

Existem diversos métodos para modificar quimicamente os polímeros que constituem a parede celular das fibras. Contudo, a classe de reações químicas mais estudada é a que envolve a substituição dos grupos hidroxilo. O principal objetivo destes tratamentos é o de diminuir a natureza hidrófila das fibras, promovendo a compatibilidade e adesão com os polímeros não polares (principalmente com termoplásticos). Estes tratamentos permitem melhorar a resistência térmica das fibras, assim como, a resistência à radiação ultravioleta. Este tipo de tratamento pode ser utilizado posteriormente ao de mercerização, ou pode ser aplicado individualmente. Os resultados são, geralmente, mais aliciantes, quando utilizado em conjunto com o anterior pois, devido à remoção de impurezas, existem mais grupos hidroxilo disponíveis para a modificação química. Algumas substâncias químicas de aplicação usual compreendem os silanos (também utilizados para o tratamento das fibras de vidro), os anidridos (maleico, acético, sucínico, ftálico) e os isocianatos. As moléculas destas substâncias possuem dois tipos de grupos funcionais reativos, um que reage com os grupos hidroxilo das fibras de celulose e outro que reage com os grupos funcionais da matriz polimérica, formando uma ponte de ligações químicas entre as duas. Esta dupla reatividade, com a celulose e com a matriz polimérica, confere continuidade molecular ao longo da interface do compósito. A ligação química entre as substâncias compatibilizadoras e os componentes das fibras vegetais (ligações covalentes) possui uma grande estabilidade para resistir às condições atmosféricas. Os agentes compatibilizadores podem ser usados para tratar a superfície das fibras, antes da sua combinação com a matriz polimérica, ou podem ser adicionados diretamente à matriz polimérica. A adição direta ao polímero é, geralmente, o método mais utilizado devido à excelente eficiência do processo, apesar do processo de cura ser mais difícil [10].

Na Figura 2.32 é possível visualizar, através de micrografias de SEM, o efeito dos tratamentos de mercerização (imagem b) e de modificação química com agentes de acoplamento (imagem c) na morfologia de fibras vegetais de juta.

Compósitos de matriz termoplástica de baixa viscosidade reforçados com fibras naturais de origem vegetal

Revisão da literatura

Figura 2.32: Micrografias SEM de fibras de Juta: a) não tratadas, b) mercerizadas (5% NaOH), c) com agentes de acoplamento (1.5% de agente acoplamento KH-570 e 98.5% de etanol anidro) [115].

Foram já desenvolvidos inúmeros agentes compatibilizadores para o processamento de compósitos de matriz termoendurecível e termoplástica reforçada com fibras vegetais, produzidos pelas técnicas tradicionais de fusão. Por não serem conhecidos trabalhos de investigação relacionados com o processamento reativo de compósitos de matriz termoplástica reforçada com fibras vegetais, pressupõe-se que ainda não foram desenvolvidos agentes compatibilizadores para este tipo de aplicação. Até à data, a pouca investigação realizada neste âmbito envolveu apenas fibras de natureza sintética, em particular fibras de vidro.