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3 COMPREENDENDO CONTEXTOS E RELAÇÕES: A EDUCAÇÃO FÍSICA, O ENSINO

3.3 O TRATO DA DIMENSÃO ATITUDINAL NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: ALGUNS

O processo de abordagem adequada de qualquer conteúdo decorrente das propostas educacionais realizadas no âmbito escolar ocorre, ou pelo menos deveria ocorrer, levando-se em consideração o desenvolvimento de três categorias ou dimensões de e nsino: uma conceitual, uma procedimental e outra atitudinal.

Segundo Rosário e Darido (2005) pautados em Coll (1997) e em Zabala (1998), no que diz respeito a essas categorias de ensino, a dimensão conceitual caracteriza-se como aquela em que são abordados conceitos, fatos e princípios do conteúdo a ser desenvolvido. De acordo com esses autores, além das questões de regras, táticas e história das práticas corporais, a compreensão de como e porque realizamos movimentos corporais, o entendimento da constituição de uma dança, dos motivos que levam uma pessoa à prática esportiva, e o aprendizado das mudanças que ocorrem no nosso organismo a curto e longo prazo com a realização de atividades físicas são alguns exemplos, entre outros, do trato com a dimensão conceitual nas aulas de Educação Física.

A dimensão procedimental, por sua vez, relaciona-se com a questão do fazer, tratando especificamente na Educação Física do aprendizado e execução de gestos esportivos, dos movimentos rítmicos, das técnicas das lutas, do trabalho em grupo para a criação de novas regras e jogos, entre demais exemplos (ROSÁRIO e DARIDO, 2005).

No que concerne à dimensão atitudinal, esta se vincula a normas, valores e atitudes. Na Educação Física, esta categoria pode ser tratada a partir de leituras, discussões, debates e vivências de atividades que permitam relacionar temas como a violência, a cooperação, a competição, a justiça e o respeito com as manifestações corporais e estas, por sua vez, com a sociedade em geral (ROSÁRIO e DARIDO, 2005).

Assim, resumidamente, é possível dizer que a dimensão procedimental está relacionada ao ‘saber-fazer’, a dimensão conceitual ao ‘saber sobre’, enquanto que a atitudinal

relaciona-se com o ‘saber ser’ (FREIRE e MARIZ DE OLIVEIRA, 2004); ou ainda como apregoa Zabala citado por Barroso e Darido (2009), podemos também associar cada uma dessas dimensões a uma pergunta específica, tendo deste modo as seguintes indagações: ‘dimensão conceitual – o que se deve saber?’; ‘dimensão procedimental – o que se deve saber fazer?’; e ‘dimensão atitudinal – como se deve ser?’.

Neste sentido, para além da importância de saber definir cada uma dessas categorias de ensino, é preciso também ter clareza de que:

Uma apropriada aplicação dos conteúdos está justamente no equilíbrio e na importância que deve ser dada igualmente às três dimensões, mesmo que a disciplina aparentemente seja mais ligada a uma delas. Daí surge a preocupação com o aprofundamento dos conteúdos. Essa seria a forma ideal para que os objetivos gerais do ensino fossem alcançados, já que estes visam à formação integral do indivíduo (ROSÁRIO e DARIDO, 2005, p. 170).

Portanto, durante as ações educativas, torna-se necessário que haja uma preocupação em desenvolver as três dimensões do conteúdo de forma inter-relacionada, embora uma ou outra possa receber uma ênfase maior em momentos específicos ou de acordo com os objetivos planejados para a aula (BARROSO e DARIDO, 2009), o que não quer significar a existência de uma ordem de importância entre as categorias do ensino.

Apesar dessas considerações, o campo educacional de uma maneira geral, através das disciplinas escolares, tem enfatizado a categoria dos conteúdos relativa à dimensão conceitual, priorizando, sobretudo uma aprendizagem cumulativa de fatos e conceitos (ROSÁRIO e DARIDO 2005; BARROSO e DARIDO, 2009).

A Educação Física enquanto componente curricular presente no contexto escolar, por sua vez, parece seguir uma direção contrária à apresentada pelo campo amplo da Educação, atribuindo maior valor a dimensão procedimental dos conteúdos ao priorizar em grande escala a questão do saber fazer (ROSÁRIO e DARIDO, 2005; BARROSO e DARIDO, 2009; FREIRE e MARIZ DE OLIVEIRA, 2004; RODRIGUES e DARIDO, 2008).

Isso não quer dizer que a dimensão conceitual e a atitudinal apresentem-se totalmente ausentes das práticas pedagógicas da Educação Física escolar, porém estudos recentes demonstram que tais categorias do ensino têm sido menos desenvolvidas. A dimensão atitudinal parece manifestar-se predominantemente no âmbito do que se pode chamar de ‘currículo oculto’. Ou seja, as suposições em sala de aula são escassamente planejadas, pelo próprio fato de serem tácitas e incidentais. Dessa maneira, um tema importante ou um assunto de interesse ficam sujeitos a um acontecimento para vir à tona. Tais intervenções acontecem,

geralmente, sem que estejam deliberadamente sistematizadas ou incluídas nas disciplinas. (FREIRE et. al. 2010; CARRASCO et. al. 2011).

Rosário e Darido (2005), através de entrevistas com 6 professores de Educação Física atuantes no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série de escolas particulares ou públicas, constataram que, diferente da dimensão procedimental e conceitual, a categoria atitudinal dos conteúdos não foi mencionada nas entrevistas por 5 dos 6 professores investigados. Apesar disso, todos os professores do estudo procuravam desenvolver em suas aulas valores e atitudes sempre que situações adversas ocorrem, como brigas e discussões, ratificando o caráter incidental do trato com a dimensão atitudinal.

Constatação semelhante ao do estudo anterior também foi verificada por Rodrigues e Darido (2008) ao entrevistarem e observarem as aulas de uma professora de Educação Física do Ensino Fundamental. Segundo os autores, não existia, em relação à dimensão atitudinal, um planejamento antecipado por parte da professora sobre os valores que pretendia trabalhar com seus alunos, ficando o desenvolvimento de tal dimensão à mercê de momentos oportunos que ocorriam no cotidiano da disciplina. Não que o desenvolvimento da dimensão atitudinal não possa também ocorrer através desses momentos oportunos que se sucedem durante as aulas. Aliás, a nosso ver, deixar de aproveitar as situações conflitantes decorrentes do cotidiano escolar para discutir questões de valores, normas e atitudes com os alunos demonstra um total estado de negligência da prática pedagógica frente às manifestações atitudinais desses discentes. Porém, também submeter o trabalho com a dimensão atitudinal apenas a essas situações é tornar o seu desenvolvimento insuficiente.

Aliado ao caráter incidental, alguns autores ainda têm constatado uma outra lacuna referente ao trato da dimensão atitudinal do conteúdo nas aulas de Educação Física. De acordo com Freire e Mariz de Oliveira (2004) e co m Freire et. al. (2010), é possível identificar na Educação Física escolar uma tendência em enfatizar o desenvolvimento de atitudes e valores não específicos da disciplina – ou que podem ser abordados em qualquer um dos componentes curriculares –, deixando de lado ou dando pouco destaque a uma dimensão atitudinal que lhe é peculiar, atrelada ao movimento humano58.

Neste sentido, talvez a explicação para as lacunas encontradas na Educação Física escolar no que diz respeito ao desenvolvimento de sua dimensão atitudinal pode estar

58

Fre ire et. a l. (2010) fundamentados em Gavíd ia, a rgumenta m que e xiste m para o contexto escolar u m conjunto de valores e atitudes gerais passíveis de serem t rabalhados pelos diferentes componentes curriculares. O que ocorre é que, para além desses conteúdos atitudinais transversais, cada disciplina específica també m apresenta uma d imensão atitudinal peculiar que lhe é part icular e que deve ser desen volvida, não sendo isso diferente no caso da Educação Física.

relacionada ao fato de que, apesar de existir certo reconhecimento de estudiosos e professores da área sobre a necessidade de uma presença maior de conteúdos atitudinais nas práticas pedagógicas desenvolvidas na Educação Física, ainda são tímidos os esforços por parte desse campo do saber que buscam sistematizar propostas de ensino nessa dimensão (BARROSO e DARIDO, 2009).

Com isso, o que se verifica é um desenvolvimento cada vez mais insuficiente dos conteúdos abarcados pela disciplina. No caso específico do esporte, por exemplo, há uma forte tendência em abordá-lo apenas em relação aos seus movimentos e gestos técnicos específicos, desconsiderando a possibilidade de explicar ao aluno o motivo da realização de tais movimentos ou ainda atribuir à prática esportiva valores e atitudes apropriadas à sua realização (BARROSO e DARIDO, 2009).

Isto posto, torna-se fácil notar a carência de propostas para a Educação Física escolar brasileira que avancem sistematicamente no desenvolvimento de métodos, procedimentos didáticos e estratégias capazes de avançar no trato da dimensão atitudinal do ensino nas aulas do referido componente curricular.

Que se tenha claro que a intenção não é eximir à Educação Física escolar do ensino de movimentos e gestos técnicos característicos de sua dimensão procedimental em detrimento de um componente curricular voltado apenas a reflexões e discussões, uma vez que nessa perspectiva estaríamos reforçando um mesmo problema, apenas de ordem inversa, supervalorizando uma categoria do conteúdo – no caso a atitudinal – em relação às demais – procedimental e conceitual.

Por isso, o emprego do Manual de Educação Olímpica nas aulas de Educação Física deve ocorrer juntamente com outras estratégias e propostas de ensino que abarquem as categorias procedimentais e conceituais do conteúdo esportivo, já que esse material didático volta-se exclusivamente para as manifestações atitudinais da e para a prática esportiva.

Além disso, segundo Carrasco et al. (2011) é preciso ter consciência de que qualquer proposta educacional que se lance ao objetivo de desenvolver intencionalmente a dimensão atitudinal do ensino durante as aulas de Educação Física deve considerar não apenas a perspectiva dos professores sobre os valores e atitudes que se deseja discutir e vivenciar, mas também buscar fundamentar-se nas expectativas dos discentes em relação à disciplina e as suas manifestações atitudinais, tornando os processos de ensino-aprendizado mais significativos.

CAPÍTULO IV

4 ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho se apresenta como um estudo de tipo explorató rio, transversal, que buscou realizar a validação qualitativa de um instrumento de apoio pedagógico – Manual de Educação Olímpica – voltado tanto para professores de Educação Física escolar atuantes no Ensino Médio quanto para os alunos pertencentes a esse nível de escolarização. O referido material apresenta-se como um livro didático com propostas de atividades destinadas à promoção de valores a partir do esporte e tendo como referência a Educação Olímpica.

A pesquisa, submetida à avaliação do Comitê de Ética, teve sua aprovação deferida sob o parecer de número 248.746 e CAAE 13590413.5.0000.5542.