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TRIBUNAL DE CONTAS E A FISCALIZAÇÃO DOS RECURSOS EDUCACIONAIS

O TCE-PR, assim como os demais TCs do país, enquanto órgão de controle externo do Estado, fiscaliza a aplicação das receitas vinculadas à educação, como os percentuais mínimos aplicados na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), os recursos do Fundeb e demais receitas e despesas, sendo esta uma das discussões mais empreendidas por autores e pesquisadores da área da educação sobre a atuação do TC.

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Esta verificação é realizada por meio dos processos de prestação ou tomada de contas, que envolve os ordenadores de despesas, gestores e outros responsáveis por bens e valores da administração pública (PARANÁ, 2005, Art. 12). As contas do governo do estado e das prefeituras municipais são apresentadas ao TC para apreciação e emissão de parecer prévio que, posteriormente deve ser encaminhado ao Poder Legislativo para julgamento das contas.

Importante pontuar ainda que, a não aplicação do percentual mínimo da receita de impostos em MDE caracteriza-se como um dos poucos itens que permitem a intervenção da União nos estados ou dos estados nos municípios, conforme expresso no inciso III, do artigo 20 da Constituição Estadual (PARANÁ, 1989) e nos artigos 34 e 35 da CF/1988 (BRASIL, 1988).

Conforme Oliveira (1999), após a promulgação da CF/1988, o financiamento da educação tem se configurado como um tema de pesquisa cada vez mais recorrente entre pesquisadores, e por consequente, o volume da produção acadêmica sobre essa temática se ampliou. No entanto, o autor destaca que esse movimento não tem sido acompanhado por melhorias no controle dos recursos educacionais, como mostram trabalhos que se dedicam a análise a respeito da dificuldade na fiscalização do cumprimento do que prevê os dispositivos legais quanto à aplicação dos recursos públicos em educação (OLIVEIRA, 1999), como pode ser observado na produção acadêmica elencada nos próximos parágrafos.

Os trabalhos de Davies (2003a, 2003b, 2006, 2007a, 2007b, 2010a, 2010b, 2013a, 2013b) sobre a eficácia e a confiabilidade dos TCs na verificação da aplicação dos recursos vinculados à educação elenca oito indagações feitas a todos os TCs brasileiros: 1) qual a legislação adotada pelo TC para averiguação das despesas e receitas vinculadas à MDE; 2) quais as instruções e normas internas do TC para o cálculo das despesas e receitas vinculadas à MDE; 3) qual a definição dos impostos que compõem a base de cálculo do percentual mínimo; 4) como são contabilizados os ganhos, a complementação federal e outros recursos recebidos, como os rendimentos do Fundef/Fundeb (como parte do percentual mínimo ou como acréscimo?); 5) se os valores devidos são corrigidos monetariamente; 6) qual a definição de despesas consideradas como MDE; 7) quais os critérios de cálculos das despesas em MDE (valores empenhados, liquidados ou pagos no ano); e 8) quais os procedimentos adotados em relação a implantação obrigatória do Fundef em 1998 e do Fundeb em 2007.

A partir dessas indagações, o autor procurou saber como os TCs analisaram as contas da educação desde a Lei nº 7.348/85 (que regulamenta a Emenda Calmon, de 1983, restabelecendo a vinculação constitucional de recursos para a educação), a LDB/1996 (Lei nº 9.394/1996), a Lei do Fundef (Lei nº 9.424/1996) e posteriormente, a Lei do Fundeb (Lei nº

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11.494/2007). Os resultados de sua pesquisa apontam aspectos importantes para análise da atuação do TC no âmbito da fiscalização dos recursos educacionais. Davies (2003b) constatou muitas discrepâncias entre os TCs e equívocos no cálculo das receitas de MDE. O autor destaca que as interpretações adotadas nas instruções normativas, resoluções ou deliberações dos TCs são na prática mais importantes do que a própria legislação nacional, já que os governos estaduais e municipais procuram segui-las em suas prestações de contas, no entanto, tais interpretações nem sempre coincidem com o texto legal (DAVIES, 2003b).

Esses equívocos e discrepâncias impactaram negativamente na contabilização dos recursos vinculados à educação, já que conforme o autor, bilhões teriam deixado de ser aplicados em MDE (DAVIES, 2003b). O autor indaga ainda a eficácia do TC para obrigar o governo a cumprir a lei, já que, conforme suas análises, alguns governos não parecem ter sofrido nenhuma punição, a não ser uma ou outra ressalva do TC, embora tenham continuado a praticar as mesmas irregularidades (DAVIES, 2007b, 2007a).

O autor elenca uma série de descumprimentos comuns realizados pelo Poder Executivo e aceitos pelos TCs, como a concordância com a vinculação do percentual mínimo instituído apenas na CF/1988 (25%), mesmo quando a Constituição Estadual ou a Lei Orgânica do município preveem um percentual maior de vinculação, ignorando assim, o disposto no artigo 69 da LDB/1996 que determina como válido o percentual elencado na Lei Orgânica e na Constituição Estadual (DAVIES, 2003b, 2006); o entendimento de que a exigência de um percentual de vinculação superior a 25% seria inconstitucional (DAVIES, 2010a); a confusão na definição do que compõe despesas em MDE, como o entendimento de que o pagamento de inativos, assistência à saúde e alimentação escolar poderiam ser realizados com esse recurso, diferente do que definem os artigos 70 e 71 da LDB/1996; a consideração do valor empenhado como aplicado, lembrando que estes podem ser cancelados no exercício seguinte, reduzindo o percentual realmente aplicado em MDE; a não contabilização dos rendimentos financeiros obtidos com a aplicação dos impostos (DAVIES, 2006); a confusão de gastos na função orçamentária educação e cultura (DAVIES, 2007a); além de outras situações aceitas pelos TCs que revelam, conforme o autor, um impacto negativo dos procedimentos dos TCs na análise das contas referentes ao financiamento da educação (DAVIES, 2007a).

No entanto, o autor também pontua importantes práticas adotadas pelos TCs, como a publicação do “Manual de Fiscalização em Municípios do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP)” (1997), que orienta a contabilização dos rendimentos financeiros dos impostos vinculados à MDE como acréscimo ao mínimo, a distinção entre empenhos

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processados (liquidados) e não processados e a verificação da aplicação trimestral dos valores devidos (DAVIES, 2006). Outro exemplo refere-se às denúncias realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BH) quanto a contratação temporária de funcionários no lugar da realização de concursos públicos pelo governo do estado (DAVIES, 2010b). E ainda, a elaboração da Carta dos Técnicos dos Ministérios da Educação e dos Tribunais de Contas sobre o Fundef (1999), como uma tentativa de padronização das interpretações e questões divergentes e/ou carentes de definições (DAVIES, 2003b).

Desse modo, mesmo que incipientes, tais iniciativas apontaram melhoras nos procedimentos dos TCs que, apesar de seguirem legislação nacional adotavam interpretações variadas, inclusive entre técnicos e instâncias de um mesmo tribunal (DAVIES, 2013a). Além disso, o autor lembra que em momentos anteriores à LDB/1996, a documentação interpretativa dos TCs era insuficiente tanto em termos qualitativos quanto quantitativos, sendo melhoradas desde então (DAVIES, 2003b). Desse modo, Davies (2010b) reitera a necessidade de se atentar para análise de como os TCs e os governos tem contabilizado as receitas e despesas em educação, no sentido de também ampliar e fortalecer o controle social na fiscalização dos recursos educacionais.

Os trabalhos de Davies mostram o importante papel do TC no financiamento da educação, tanto nas situações que evidenciam uma correta fiscalização por parte dos tribunais, bem como naquelas que apontam equívocos e oscilações em suas interpretações, pois conforme alertou o autor, tais interpretações levaram à perca de muitos recursos legalmente devidos à educação, o que implica diretamente em grandes prejuízos para o financiamento desse direito.

Além dos trabalhos de Davies, outros também analisam a atuação do TC no controle dos recursos educacionais, como a dissertação de Simão (2007), que se dedicou, mais especificamente, a analisar o TCE-SC quanto à fiscalização da aplicação dos percentuais mínimos estabelecido constitucionalmente para saúde e educação. Ao comparar os pareceres emitidos pelo TCE-SC, o autor observou primeiramente se a decisão da corte foi pela aprovação ou rejeição das contas, para depois verificar se a decisão por rejeição se devia a não aplicação dos percentuais mínimos de vinculação de recursos. Desse modo, a partir da análise dos dados, Simão (2007, p. 102) destaca que “o parecer de rejeição do TC não é motivado pelo descumprimento das vinculações mínimas em saúde e educação. Já que a indicação de rejeição parece ser motivada apenas pelo descumprimento da LRF”.

O autor ainda observa que os municípios menores descumpriram menos os limites de vinculação, mas também não receberam parecer de rejeição das contas, assim como os

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municípios maiores que, mesmo descumprindo, tiveram parecer favorável, evidenciando menor rigidez do TCE-SC com os municípios de grande porte. Em relação as contas do governo estadual, a regra de vinculação mínima dos recursos educacionais foi cumprida em todo o período analisado (2000-2004), no entanto, o estado considerava a remuneração de servidores inativos na base de cálculo do percentual de vinculação. Conforme a análise do autor há maior descumprimento dos limites constitucionais no âmbito da saúde, porém a rejeição das contas é mais frequente no descumprimento da vinculação dos recursos educacionais.

Assim como o trabalho de Davies, o de Simão (2007) denuncia uma série de irregularidades aceitas pelo TC, bem como interpretações distintas quanto a análise das contas do governo estadual e dos municípios, evidenciando a perca de montantes significativos de recursos que deveriam destinar-se à saúde e à educação pública do estado catarinense. Por fim, o trabalho do autor também demonstra que a maior antiguidade das regras de vinculação dos recursos em MDE denotam maior conscientização por parte dos gestores quanto a sua destinação, bem como maior rigidez por parte do TC na aferição desses recursos.

Outro trabalho que analisou a atuação do TC na fiscalização dos recursos públicos educacionais foi o de Carvalho (2006), que buscou compreender o TCM-PA enquanto instituição, suas atribuições, funcionamento, o processo de análise das contas públicas, sua atuação, bem como as dificuldades e procedimentos adotados no combate a corrupção dos gastos educacionais. Assim, o autor elenca aspectos positivos e negativos da atuação do TCM-PA.

Carvalho (2006) sustenta a defesa de aperfeiçoamento do sistema de controle externo brasileiro de modo que esse possa impedir o desvio de finalidades dos recursos educacionais. Dessa maneira, destaca procedimentos de modernização do TCM-PA considerados em sua análise como avanços nesse sentido, como a realização do processo de prestação de contas por meio magnético; a implementação de programas que permitem maior celeridade e padronização na análise dos relatórios e documentos, além de programas que viabilizam a fiscalização da aplicação de recursos públicos em obras durante sua realização; o estabelecimento de contratos e convênios com secretarias municipais, estaduais e outros TCs; e a aprovação de Instruções Normativas e Resoluções que estabelecem um sistema de controle mais rígido por meio de métodos e mecanismos de agilização da fiscalização (CARVALHO, 2006).

No entanto, o autor também elenca fragilidades que permanecem no sistema de controle da aplicação dos recursos públicos educacionais, como a desconsideração da

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legislação e a utilização de brechas por parte dos administradores públicos; o não funcionamento dos órgãos de controle interno em muitos municípios do estado; a falta de capacitação, má remuneração e desmotivação de funcionários públicos municipais que ocupam importantes cargos de gestão e fiscalização da aplicação dos recursos, além do ingresso no serviço público sem passar por concurso; falta de autonomia do TCM-PA para fazer cumprir suas decisões, bem como lentidão e carência de rigor no julgamento das contas; necessária ampliação da realização e repetição de cursos, seminários e palestras para o esclarecimento de questões deficientes sobre a prestação de contas; e a pouco provável responsabilização do gestor público, que cria um “ambiente favorável ao descontrole” (CARVALHO, 2006, p. 148).

Desse modo, diferente de Davies, Carvalho (2006) se dedica predominantemente à análise dos procedimentos adotados pelo TC na fiscalização da aplicação dos recursos públicos educacionais, não se atendo direta e detalhadamente às prestações de contas. No entanto, o autor contribui com análises relevantes a partir do estudo de caso do TCM-PA para reflexão acerca da importância dos procedimentos empregados pelos TCs, que podem contribuir ou não para maior eficiência e eficácia do controle externo dos recursos educacionais, sendo que, conforme destacou Davies (2003b), estes podem variar, a depender de cada TC.

Outros trabalhos ainda (MACHADO, 2012; RODRIGUES, 2014; FLORES, 2015a; BRASIL, 2017; GARCIA, 2017) têm abordado uma nova perspectiva de fiscalização dos TCs no que se refere ao contexto educacional, em que se destaca a preocupação com o processo de implementação, ou seja, o acompanhamento de políticas públicas, não apenas a fiscalização da aplicação das receitas vinculadas à educação, conforme destaca-se no subtítulo subsequente.