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A partir de 2008, o tema da descontinuidade da atividade rural passou a ter maior relevância jurídica, tendo em vista que o procedimento adotado administrativamente passou a ocasionar com frequência o indeferimento dos pedidos de aposentadoria por idade do segurado especial. Diante da negativa administrativa em conceder o benefício requerido, os segurados passaram a ingressar em juízo a fim de assegurar o seu direito.

Contudo, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região não uniformizou o entendimento acerca do tema, de forma que há decisões que admitem o exercício da atividade rural em períodos descontínuos, enquanto outras se coadunam à interpretação administrativa, o que resta evidenciado nos julgados a seguir colacionados:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE

RURAL. DESCONTINUIDADE DO LABOR. PRAZO MÁXIMO. 1. A descontinuidade, prevista na Lei 8.213/91, artigos 39, I, 48, § 2º, e 143, é possível de ser admitida quando o interregno entre um e outro período de labor rural não seja superior a 36 meses, que é o máximo do período de graça possível de ser alcançado, nos termos do artigo 15 da Lei 8.213/91, em interpretação analógica e sistemática dessa norma. 2. Caso

em que a autora não apresente vínculo com o meio rural de 1983 a 2001, o que implica a impossibilidade de somar os períodos anterior e posterior para concessão da aposentadoria requerida. (RIO GRANDE DO SUL, 2013, grifo nosso).

O julgado acima colacionado corrobora o entendimento administrativo, segundo o qual a legislação previdenciária não admite a descontinuidade da atividade rural por um período superior a 36 meses, valendo-se, para tanto, de interpretação analógica do artigo 15, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91. A referida decisão acaba inviabilizando o direito à

aposentadoria por idade da parte autora (segurado especial), uma vez que entende que, havendo o afastamento da atividade rural que acarrete a perda da qualidade de segurado perante a previdência social, não permite a soma de períodos descontínuos com o objetivo de atingir a carência exigida para o benefício requerido.

Ainda, no mesmo sentido, segue decisão recentemente proferida:

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR

IDADE RURAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO RURAL. DESCONTINUIDADE. 1. A locução "descontinuidade" (art. 48, § 2º, da Lei nº 8.213/91) não pode abarcar as situações em que o segurado para com a atividade rural por muito tempo. 2. Embora a parte autora tenha

preenchido o requisito etário, não se tem pelas provas juntadas aos autos

uma convicção plena no sentido de que, de fato, ocorreu o exercício da atividade rurícola, no período imediatamente anterior ao implemento etário ou ao requerimento, igual ao número de meses correspondentes à

carência do benefício (artigos 39, inciso I, e 48, §2º, ambos da Lei 8.213/91), tendo em vista que a autora ficou, dentro do período de carência, afastada das lides rurais por, aproximadamente, 08 (oito) anos, não sendo possível,

desta forma, somar, para efeitos de carência, tempo de labor rural anterior ou posterior ao período em que esteve afastada do trabalho rural. (RIO GRANDE DO SUL, 2015, grifo nosso).

Nota-se que a decisão vai ao encontro do procedimento administrativo à medida que reforça o entendimento de que o exercício da atividade rural para fins de aposentadoria por idade deve se dar no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo. Até admite certa descontinuidade no labor rurícola, desde que por curtos períodos. Também não permite a soma dos períodos descontínuos (intercalados) de atividade rural para fins de carência, ou seja, a partir do retorno ao trabalho rural deve computar os 180 meses necessários à concessão do benefício requerido.

Com entendimento completamente diverso, colaciona-se o julgado abaixo:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR

IDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA

MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL.

DESCONTINUIDADE DO TRABALHO RURAL. POSSIBILIDADE.

[...] 3. Existindo prova de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior à carência, deve ser admitido o direito ao benefício

com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigido pela legislação de regência. 4. A adoção de entendimento muito restritivo quanto ao conceito de

descontinuidade acaba por deixar ao desamparo segurados que desempenharam longos períodos de atividade rural, mas, por terem intercalado períodos significativos de atividade urbana ou mesmo de inatividade, restam excluídos da proteção previdenciária. 5. Choca-se com a Constituição Federal interpretação conducente a desvalorizar o trabalho, que é um de seus valores fundantes (art. 1º, IV, da CF). Ademais, a previdência é um direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal, e o artigo 7º, XXIV, do mesmo Diploma assegura, sem restrições, direito à aposentadoria ao trabalhador rural, atentando ainda contra o princípio da universalidade (art. 194, I, da CF), recusar o direito à aposentadoria ao trabalhador rural que exerceu sua atividade por longo período, a partir de um conceito restritivo de descontinuidade. [...] 8. Nessa hipótese, é razoável se entenda que, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, havendo descontinuidade, deve ser comprovado que no último período de atividade rural (o período imediatamente anterior) o segurado desempenhou atividade rural por tempo significativo, passando de fato a sobreviver dos frutos de seu trabalho junto à terra. [...] (RIO GRANDE

DO SUL, 2013, grifo nosso).

O entendimento da referida jurisprudência se coaduna com o que se pretende demonstrar no presente estudo, no sentido de que a legislação previdenciária admite a descontinuidade da atividade rural para fins de aposentadoria por idade do segurado especial. Ao adotar critérios restritivos de descontinuidade, a interpretação administrativa padeceria de inconstitucionalidade, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 conferiu caráter protetivo a classe dos trabalhadores rurais, assegurando-lhes o direito a aposentadoria por idade, sem impor-lhes qualquer restrição. E, não tendo a legislação estabelecido um conceito de descontinuidade, a interpretação da norma deve ser no sentido de não inviabilizar o direito dos segurados rurais.

Ainda, sustenta o eminente julgador que, para fins de concessão de aposentadoria por idade, havendo descontinuidade, o segurado especial deve comprovar que, após o retorno às lides agrícolas (no período imediatamente anterior), exerceu a atividade rural por tempo significativo, ou seja, voltou de fato a viver do trabalho na terra. Portanto, como medida da melhor justiça, confere o direito à aposentadoria por idade, admitindo a descontinuidade do labor rural, desde que o trabalhador retome sua condição de segurado especial, desempenhando a atividade rural por período razoável, tendo em vista que os frutos do trabalho no campo não são imediatos.

Neste diapasão, corroborando a pretensão do presente estudo, segue decisão recentemente exarada:

EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL

POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. IDADE MÍNIMA

ATINGIDA PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TRABALHO RURAL COMPROVADO. 1. Atingida a idade mínima exigida e comprovado o exercício da atividade rural em regime de economia familiar pelo período exigido em lei, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus à aposentadoria rural por idade. [...] 4. Havendo prova de desempenho de atividade rural em

período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, que se mostre significativo, ou seja, de no mínimo 1/3 do total da carência necessária, deve ser admitido o direito à concessão de aposentadoria rural por idade ao segurado especial, com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigido pela legislação de regência. [...] (RIO GRANDE DO SUL, 2015,

grifo nosso).

Do julgado acima se extrai que o exercício da atividade rural em períodos descontínuos não pode ser obstáculo à concessão da aposentadoria por idade do segurado especial, desde que haja retorno à atividade no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. Assim, o cômputo dos períodos anteriores estaria condicionado ao cumprimento de 1/3 da carência exigida, ou seja, após retornar às lides agrícolas, o segurado deveria contar com, no mínimo, 60 meses de atividade rural imediatamente anteriores à implementação do requisito etário ou requerimento administrativo.

O entendimento firmado no presente julgado decorre da aplicação da regra contida no parágrafo único do artigo 24 da Lei nº. 8.213/91 ao segurado especial, mostrando-se alternativa eficaz àqueles trabalhadores rurais que, em virtude das condições de trabalho no campo, exercem a atividade rural de forma intercalada. Não sendo admitida a descontinuidade da atividade rural por período superior a 36 meses, que resulte na perda da qualidade de segurado, parece justo, o segurado especial, valer-se da referida norma, assegurando-lhe, assim, o direito à aposentadoria por idade.

No item seguinte, será analisado o entendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça.

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