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A descontinuidade da atividade rural para fins de aposentadoria por idade do segurado especial (agricultor)

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CRISTIANE BECKER LIBARDONI

A DESCONTINUIDADE DA ATIVIDADE RURAL PARA FINS DE

APOSENTADORIA POR IDADE DO SEGURADO ESPECIAL (AGRICULTOR)

Ijuí (RS) 2015

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CRISTIANE BECKER LIBARDONI

A DESCONTINUIDADE DA ATIVIDADE RURAL PARA FINS DE

APOSENTADORIA POR IDADE DO SEGURADO ESPECIAL (AGRICULTOR)

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Nelci Lurdes Gayeski Meneguzzi

Ijuí (RS) 2015

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AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo, Sandro, pela inspiração e incentivo na escolha do Direito.

Aos meus filhos, Guilherme e Lorenzo, por me propiciarem diariamente o melhor de todos os aprendizados, que é ser mãe.

Ao meu colega, Jader, pelo interesse e auxílio prestado na pesquisa do tema.

À minha orientadora, Mestre Nelci Lurdes Gayeski Meneguzzi, pela disponibilidade e confiança em mim depositada.

A todos os professores, indistintamente, que me conduziram e auxiliaram nesta jornada acadêmica.

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo abordar a descontinuidade da atividade rural para fins de aposentadoria por idade do segurado especial. O tema apresenta relevância à medida que a interpretação dada ao parágrafo 2º do artigo 48 da Lei nº. 8.213/91 é controvertida tanto no âmbito administrativo quanto na jurisprudência. Segundo o entendimento administrativo, ao analisar o direito à concessão do benefício em questão, o segurado especial deverá comprovar o exercício da atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento, não admitindo intervalos (períodos descontínuos) superiores a 36 meses. Diante disso, pretende-se demonstrar que a interpretação administrativa dada ao parágrafo 2º do artigo 48 da Lei nº. 8.213/91 não está em conformidade com os preceitos legais e constitucionais, uma vez que restringe o direito à aposentadoria por idade do segurado especial que se afasta da atividade rural por período superior a 36 meses.

Palavras-chave: Aposentadoria por idade. Segurado especial. Descontinuidade da atividade rural.

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ABSTRACT

This study aproaches the rural activity descontinuity concerning to special insured's age retirement. The subject is important because the intepretation conferred to “segundo parágrafo do artigo 48 da Lei nº 8.213/91” is controversial, as well in administrative field as in case-law. According to administrative understanding, annalising the benefit grant law, the special insured should prove the rural activity exercise during 180 months immediatly before the application, without intervals (discontinuous periods) over 36 months. That said, the study intends to demonstrate that the administrative interpretation given to “segundo parágrafo do artigo 48 da Lei nº 8.213/91” is not along with legal and constitucional standards, since it restricts the right to age retirement concerning to special insured who abstains the rural activity for over 36 months.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 06 1 A APOSENTADORIA POR IDADE... 1.1 Antecedentes... 1.2 Requisitos... 1.3 Conceito de segurado especial... 1.4 O regime de economia familiar... 1.5 A carência... 08 09 12 13 17 18 2 A DESCONTINUIDADE DA ATIVIDADE RURAL... 2.1 A interpretação administrativa... 2.2 A interpretação administrativa à luz dos princípios do direito previdenciário.. 2.3 A (i)legalidade da interpretação administrativa...

22 22 26 27 3 CASUÍSTICA (VISÃO JURISPRUDENCIAL)... 3.1 Tribunal Regional Federal da 4ª Região... 3.2 Superior Tribunal de Justiça... 3.3 Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais...

31 31 35 37 CONCLUSÃO... 39 REFERÊNCIAS... 42

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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo abordar a descontinuidade da atividade rural para fins de aposentadoria por idade do segurado especial. O tema apresenta relevância à medida que a interpretação dada ao parágrafo 2º do artigo 48 da Lei nº. 8.213/91 é controvertida tanto no âmbito administrativo quanto na jurisprudência.

Ao segurado especial (trabalhador rural) a aposentadoria é concedida quando o homem completar 60 anos e a mulher 55 anos. Além do requisito etário, faz-se necessária a comprovação do exercício da atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao mês em que completar a idade para obter a aposentadoria ou ao requerimento administrativo.

Ocorre que, em regiões essencialmente agrícolas, comumente as pessoas iniciam a vida profissional no meio rural e, em virtude das dificuldades enfrentadas no campo, migram para o meio urbano em busca de emprego e renda, onde passam a manter vínculos empregatícios urbanos.

É neste ponto que reside a controvérsia do tema. Segundo a interpretação administrativa, ao analisar o direito à concessão do benefício em questão, o segurado especial deverá comprovar o exercício da atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento, não admitindo intervalos superiores a 36 meses. Assim sendo, admite o exercício do labor agrícola intercalado com períodos de atividade urbana (períodos descontínuos) desde que inferiores a três anos, sob pena de acarretar a perda da qualidade de segurado especial perante à previdência social e, consequentemente, inviabilizar o direito à aposentadoria por idade.

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Assim, em virtude dessas particularidades, esses segurados que exerceram atividade agrícola e urbana de forma intercalada, ao atingirem a idade – 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher –, não comprovam 180 meses de atividade rural nos meses imediatamente anteriores ao complemento da idade. Essa situação acaba inviabilizando o direito à aposentadoria por idade do segurado especial em idade avançada.

Diante disso, pretende-se demonstrar que a interpretação administrativa dada ao parágrafo 2º do artigo 48 da Lei nº. 8.213/91 não está em conformidade com os preceitos legais e constitucionais, uma vez que restringe o direito à aposentadoria por idade do segurado especial que se afasta da atividade rural por período superior a 36 meses.

Para tanto, serão abordados os aspectos que ensejam o entendimento administrativo acerca da descontinuidade da atividade rural, bem como sua (des)conformidade com legislação previdenciária. Também será analisada a (in)constitucionalidade da interpretação administrativa, uma vez que a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 201, parágrafo 7º, inciso II, assegura ao segurado especial o direito a aposentadoria por idade sem lhes impor qualquer restrição. E, por fim, será apresentado o posicionamento jurisprudencial, valendo-se, para tanto, de recentes julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça.

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1 A APOSENTADORIA POR IDADE

A aposentadoria por idade está disciplinada nos artigos 48 ao 51 da Lei nº. 8.213/91. A regra contida no caput do artigo 48 é destinada ao segurado urbano, que poderá obter a aposentadoria por idade ao completar o requisito etário de 65 anos para o homem e de 60 para mulher, desde que cumpra a carência exigida de 180 meses de contribuição.

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher (BRASIL, 2015).

No caso do segurado especial, objeto do presente estudo, deve-se atentar às regras dispostas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 48 do mesmo diploma legal.

§ 1º. Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11 (BRASIL, 2015).

O parágrafo 1º, editado em conformidade com a parte final do inciso I do artigo 202 da Constituição Federal, reduziu o requisito etário em 5 (cinco) anos para o trabalhador rural, assim compreendidos o empregado rural (alínea “a” do inciso I do artigo 11), o contribuinte individual rural (alínea “g” do inciso V do artigo 11), o trabalhador avulso rural (inciso VI do artigo 11) e o segurado especial (inciso VII do artigo 11). De modo que estes trabalhadores poderão requer a aposentadoria por idade ao completar 60 anos de idade, se homem, e 55 anos, se mulher.

§ 2º. Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei (BRASIL, 2015).

Conforme as disposições do parágrafo 2º, para fazer jus ao benefício da aposentadoria por idade, além do requisito etário, o segurado especial deverá comprovar o exercício da atividade rural em números de meses idênticos à carência do benefício.

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A proteção previdenciária aos trabalhadores rurais (segurado especial) em virtude da idade avançada tem seu nascedouro na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, a lição de Antonio Lopes Ribeiro (2013, p. 1):

O benefício de aposentadoria por idade tem por matriz a previsão constitucional de cobertura previdenciária à idade avançada, nos moldes delineados pelo art. 201, inciso I, da Constituição Federal de 1988. O requisito etário foi fixado em sessenta e cinco anos para homens e sessenta anos para mulheres, e no que tange aos trabalhadores rurais, o legislador constituinte estabeleceu critério diferenciado, levando em conta as peculiaridades do trabalho no campo, reduzindo a idade para sessenta anos para homens e cinquenta e cinco anos para mulheres.

Assim, tendo em vista que o trabalho no meio rural é mais penoso, pois o trabalhador exerce o labor exposto às intempéries, o legislador constituinte entendeu mais justo reduzir em cinco anos o requisito etário para os trabalhadores rurais (segurado especial), estabelecendo sessenta anos para homens e cinqüenta e cinco anos para mulheres.

1.1 Antecedentes

A Lei Orgânica da Previdência Social – Lei nº. 3.807/60 – excluía expressamente os trabalhadores rurais da proteção previdenciária, conforme a redação do seu artigo 3º, inciso II:

Art. 3º São excluídos do regime desta lei: [...]

II - os trabalhadores rurais, assim definidos na forma da legislação própria (BRASIL, 2015).

Somente com o advento do Estatuto do Trabalhador Rural – Lei nº. 4.214/63 –, o qual instituiu o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – FUNRURAL – o trabalhador rural, ainda que limitadamente, passou a ter direito à cobertura previdenciária. Nesse diapasão, o disposto no artigo 160:

Art.160. São beneficiários da previdência social rural: I - como segurados:

a) os trabalhadores rurais;

b) os pequenos produtores rurais, na qualidade de cultivadores ou criadores, diretos e pessoais, definidos em regulamento;

II - como dependentes dos segurados: a) a esposa e o marido inválidos;

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b) os filhos, de ambos os sexos e de qualquer condição, menores de 16 anos ou inválidos;

c) o pai e a mãe inválidos.

§ 1º Equipara-se à esposa a companheira do segurado (BRASIL, 2015). A partir da criação do FUNRURAL, os trabalhadores rurais passaram a ser reconhecidos como segurados obrigatórios e fazer jus a alguns benefícios e serviços previdenciários. O artigo 164 da Lei nº. 4.214/63 enumerava os benefícios estendidos ao segurado rural e seus dependentes:

Art. 164. O IAPI prestará aos segurados ou dependentes rurais, entre outros, os seguintes serviços:

a) assistência à maternidade; b) auxilio doença;

c) aposentadoria por invalidez ou velhice; d) pensão aos beneficiários em caso de morte; e) assistência médica;

f) auxilio funeral; g) VETADO.

§ 1º – Os benefícios correspondentes aos itens “b” e “c" são privativos do segurado rural (BRASIL, 2015).

O Estatuto da Terra – Lei nº. 4.504/64 – passou a disciplinar a agricultura familiar e trouxe, em seu artigo 4º, inciso II, a definição de propriedade e agricultor familiar, in verbis:

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se: [...]

II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros; (BRASIL, 2015).

Já a Lei Complementar nº. 11, de 25 de maio de 1971, criou o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), o qual abrangia tanto o empregado rural quanto o “segurado especial”, sob a denominação de trabalhador rural e seus dependentes, assim definidos no artigo 3º, parágrafo 1º, alíneas “a” e “b”, e parágrafo 2º:

Art. 3º São beneficiários do Programa de Assistência instituído nesta Lei Complementar o trabalhador rural e seus dependentes.

§ 1º Considera-se trabalhador rural, para os efeitos desta Lei Complementar: a) a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie.

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b) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mutua dependência e colaboração.

§ 2º Considera-se dependente o definido como tal na Lei Orgânica da Previdência Social e legislação posterior em relação aos segurados do Sistema Geral de Previdência Social (BRASIL, 2015).

Ao segurado especial foram assegurados os benefícios de aposentadoria por velhice e aposentadoria por invalidez, e de pensão e auxílio-funeral1 aos dependentes, além do serviço social e de saúde. O valor do benefício de aposentadoria era equivalente a 50% do salário-mínimo de maior valor no País, devido ao trabalhador rural que tivesse completado 65 (sessenta e cinco) anos de idade, porém a condição de segurado era limitada ao chefe ou arrimo de família. A pensão por morte correspondia a 30% do valor do salário mínimo, sendo, posteriormente, aumentado para 50% pela Lei Complementar 16/73.

Nota-se que a proteção previdenciária aos trabalhadores rurais era limitada quando comparada aos benefícios estendidos aos segurados urbanos. Em que pese a suposta simplicidade em requerer os benefícios rurais, eis que os requisitos e a comprovação destes era simplificada, em razão da reconhecida informalidade das relações de trabalho no campo, os benefícios concedidos aos segurados urbanos e rurais eram diferentes. No caso dos segurados rurais, além da redução no valor dos benefícios, a condição de segurado estava limitada ao chefe ou arrimo de família, e, ainda, era vedada a cumulação de pensão por morte e aposentadoria com outros benefícios urbanos.

Destaca-se que a Constituição Federal de 1988, ao consagrar como princípios da Seguridade Social a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, vedou as distinções vigentes em detrimento dos trabalhadores rurais, no qual coexistiam regimes previdenciários distintos para os segurados urbanos e rurais, com benefícios diferentes para cada grupo. Desde então, passaram a existir benefícios e serviços idênticos para os mesmos eventos cobertos pelo sistema previdenciário.

1 O auxílio-funeral devido em virtude da morte do trabalhador rural, chefe ou arrimo de família, ou de seu

cônjuge dependente, era pago, no valor de um salário mínimo vigente no País, àquele que, comprovadamente, promoveu, à suas expensas, o sepultamento, nos termos do artigo 9º da Lei Complementar nº. 11/1971. Tal benefício restou extinto pelo Decreto nº. 1.744/1995, conforme redação do artigo 39: “A partir de 1º de janeiro de 1996, ficam extintos o auxílio-natalidade, o auxílio-funeral e a renda mensal vitalícia.”

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1.2 Requisitos

O artigo 48, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91, disciplina o direito à aposentadoria por idade do segurado especial (agricultor), enumerando seus requisitos. As disposições contidas no parágrafo 1º reduzem o requisito etário em 5 anos para os trabalhadores rurais (segurado especial):

[...]

§ 1º. Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11 (BRASIL, 2015).

Já o parágrafo 2º dispõe acerca da comprovação do período de carência necessário à concessão do benefício requerido:

[...]

§ 2º. Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei (BRASIL, 2015).

Portanto, para fazer jus à aposentadoria por idade, o segurado especial deve implementar a idade mínima de 60 anos, se for homem, e de 55 anos, se for mulher. E também comprovar o exercício do labor agrícola, ainda que descontinuamente, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idênticos à carência exigida para o benefício requerido. No caso da aposentadoria por idade, o período de carência exigido é de 180 meses, nos termos do artigo 25, inciso II, do mesmo diploma legal.

Conforme ensinamento de Daniel Machado da Rocha (2012, p. 211):

A regra do § 1º da Lei de Benefícios foi editada em consonância com a parte final do inciso II do § 7º do artigo 201 da Constituição Federal de 1988, que reduziu a exigência etária em 5 anos para os trabalhadores rurais.

A redução em 5 anos do requisito etário para o trabalhador rural em relação ao trabalhador urbano se justifica à medida que o trabalho no meio rural é considerado mais

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penoso, uma vez que o segurado exerce a atividade exposto ao sol, frio, chuva, etc. Esse tratamento diferenciado dispensado ao trabalhador do campo não implica afronta ao princípio constitucional da igualdade, já que decorre de previsão da própria Constituição, a qual conferiu caráter protetivo a classe dos trabalhadores rurais.

No que tange a carência, Carlos Alberto Pereira de Castro (2014, p. 509) leciona que: Quanto ao período de carência, a nova redação do § 2º do art. 48 da Lei de Benefícios estatui que o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido [...].

Assim, a concessão do benefício da aposentadoria por idade ao trabalhador rural (segurado especial), ao atingir o requisito etário, está condicionada à comprovação do exercício do labor rurícola no período de 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício.

1.3 Conceito de segurado especial

Segundo a redação do artigo 11, inciso VII, da Lei nº. 8.213/91, considera-se segurado especial:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

[...]

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

a) produtor; seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; ou

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do artigo 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste

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inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo (BRASIL, 2015).

No referido dispositivo legal, encontram-se delimitadas as condições que configuram a qualidade de segurado especial, de modo que, para fazer jus aos benefícios previdenciários, na qualidade de segurado especial, deve-se atentar às regras dispostas, sob pena de ficar a descoberto da proteção previdenciária.

Acerca do segurado especial, Rocha (2012, p. 67) traz importante consideração: O trabalhador rural somente passou a ser considerado segurado de um regime de previdência, no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da Lei 4.214/63, o chamado Estatuto do Trabalhador Rural. Esse diploma legal pretendeu instituir uma previdência social assemelhada à urbana, conquanto não houvesse ainda contribuição dos trabalhadores rurais. Como se tratava de um sistema assistencial que concedia apenas um benefício substitutivo para cada unidade familiar: pensão por morte, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e aposentadoria por idade, não havia qualquer disciplina do tempo de serviço do segurado do FUNRURAL, que se restringia ao arrimo de família, sendo os demais membros seus dependentes.

A concepção atual da categoria dos segurados especiais decorre da redação do parágrafo 8º do artigo 195 da Lei Fundamental de 1988, a qual recomenda tratamento diferenciado àqueles que, exercendo a atividade rural em regime de economia familiar, realizem pequena produção, da qual provém sua subsistência. Somente a partir do preceito constitucional que os cônjuges do pequeno produtor rural passaram a ser considerados segurados. E, ao concretizar o enunciado precitado, os Planos de Custeio e Benefícios foram além, pois incluíram os filhos maiores de 16 anos no rol de segurados. Assim, desde então, aqueles que eram dependentes do chamado arrimo de família no restritivo regime do FUNRURAL, passaram a ser segurados especiais.

Entretanto, conforme lição de Castro e Lazzari (2014, p. 154):

Para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.

Para ser considerado segurado especial perante a previdência social, o segurado deve reunir as condições estabelecidas no inciso VII do caput do artigo 11 referido anteriormente.

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Ocorre que, determinadas situações/circunstâncias podem ou não descaracterizar a condição de segurado especial. O parágrafo 8º do artigo 11 da Lei nº. 8.213/91 traz o rol das situações/circunstâncias que, apesar de presentes, não descaracterizam a condição de segurado especial, quais são:

I – a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato, de até 50% (cinqüenta por cento) de imóvel rural cuja área total não seja superior a 4 (quatro) módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de economia familiar;

II – a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano;

III – a participação em plano de previdência complementar instituído por entidade classista a que seja associado em razão da condição de trabalhador rural ou de produtor rural em regime de economia familiar;

IV – ser beneficiário ou fazer parte de grupo familiar que tem algum componente que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo;

V – a utilização pelo próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, na forma do § 11 do art. 25 da Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991;

VI – a associação em cooperativa agropecuária; e

VII – a incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI – sobre o produto das atividades desenvolvidas nos termos do § 12 (BRASIL, 2015). A legislação previdenciária veda expressamente ao segurado especial o exercício de atividade estranha à agrícola, que o enquadre como segurado obrigatório no regime geral ou em outro regime, excepcionando somente as hipóteses previstas nos incisos III ao VIII do parágrafo 9º do artigo 11:

III – exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991;

IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais;

V – exercício de mandato de vereador do Município em que desenvolve a atividade rural ou de dirigente de cooperativa rural constituída, exclusivamente, por segurados especiais, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991;

VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 8º deste artigo;

VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; e

VIII – atividade artística, desde que em valor mensal inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social (BRASIL, 2015).

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Além disso, não será considerado segurado especial, ainda que não exerça atividade diversa da rural, o trabalhador que possuir outra fonte de renda, sendo esta decorrente de benefício previdenciário ou não, superior a um salário mínimo, nos termos dos incisos I e II do parágrafo 9º do artigo 11.

Já no parágrafo 10 do artigo 11 da Lei nº. 8.213/91 estão enumerados as situações que, uma vez confirmadas, acarretam a exclusão da categoria de segurado especial, são elas:

I – a contar do primeiro dia do mês em que:

a) deixar de satisfazer as condições estabelecidas no inciso VII do caput deste artigo, sem prejuízo do disposto no art. 15 desta Lei, ou exceder qualquer dos limites estabelecidos no inciso I do § 8º deste artigo;

b) enquadrar-se em qualquer outra categoria de segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto nos incisos III, V, VII e VIII do § 9º deste artigo, sem prejuízo do disposto no art. 15 desta Lei; e

c) tornar-se segurado obrigatório de outro regime previdenciário; e

II – a contar do primeiro dia do mês subseqüente ao da ocorrência, quando o grupo familiar a que pertence exceder o limite de:

a) utilização de terceiros na exploração da atividade a que se refere o § 7º deste artigo;

b) dias em atividade remunerada estabelecidos no inciso III do § 9º deste artigo; e

c) dias de hospedagem a que se refere o inciso II do § 8º deste artigo (BRASIL, 2015).

O referido dispositivo legal abarca aquelas situações em que o segurado especial deixaria de reunir uma ou mais condições inerentes a esta categoria de segurados. Dentre as quais se destaca o exercício da atividade rural em regime de economia familiar, em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e do núcleo familiar. Em que pese a legislação previdenciária permita que o segurado especial exerça individualmente a labor rurícola.

Ainda, a exploração da atividade agropecuária deve se dar em área de até quatro módulos fiscais. Deve-se atentar que o módulo fiscal de cada município, expresso em hectares, é fixado pelo INCRA, através de instrução especial. No caso do município de Três Passos e região, o módulo fiscal corresponde a 20 hectares. Portanto, somente é segurado especial perante a Previdência Social aquele que exerce atividade rural em área de até 80 hectares.

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Deve-se também atentar aos limites estabelecidos no inciso I do parágrafo 8º do artigo 11, o qual estabelece que a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato de até 50% do imóvel rural cuja área total não seja superior a quatro módulos fiscais, não descaracteriza a condição de segurado especial, desde que outorgante e outorgado permaneçam laborando nas respectivas áreas.

E, a partir do momento em que enquadrar-se em qualquer outra categoria de segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, obviamente, o segurado especial perde esta condição perante a Previdência Social. Contudo, excetuam-se à regra, o exercício de atividade remunerada no período de entressafra ou do defeso, a qual não deve superar 120 dias, corridos ou intercalados, dentro do ano civil; o exercício de mandato de vereador no município em que exerce a atividade rural ou de dirigente de cooperativa rural constituída por segurados especiais; e atividade artesanal ou artística, desde que a renda auferida mensalmente seja inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social, o que corresponde ao valor de um salário mínimo nacional vigente.

Outra situação que acarreta a exclusão da categoria de segurado especial é a contratação de empregados, de modo que está limitada às épocas de safra e não deve superar os 120 dias, corridos ou intercalados, dentro do ano civil (parágrafo 7º do artigo 11). Também está condicionada a, no máximo, 120 dias no ano, a exploração de atividade turística na propriedade rural, incluindo-se a hospedagem (inciso II do parágrafo 8º do artigo 11).

Portanto, para requerer benefício previdenciário na qualidade de segurado especial, o trabalhador rural (agricultor) deve atentar as peculiaridades inerentes a esta categoria de segurados, sob pena de ficar excluído da proteção previdenciária.

1.4 O regime de economia familiar

Ao requerer o benefício na qualidade de segurado especial, deve-se atentar ao exercício da atividade rural em regime de economia familiar, cujo conceito encontra-se consubstanciado no artigo 11, § 1º, da Lei nº. 8.213/91:

§ 1º. Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao

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desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (BRASIL, 2015).

No que tange ao regime de economia familiar, Rocha (2012, p. 72) traz importante observação:

Outra questão polêmica acerca do regime de economia familiar diz com a exigência de que o trabalho dos membros da família seja indispensável à própria subsistência, exercido em condições de mútua dependência e colaboração, e, em decorrência, o fato de um dos membros possuir outra fonte de renda descaracterizar ou não a condição de segurado especial, [...], pois, em tais casos, a atividade rural poderia não ser indispensável para a subsistência da família. A qualidade de segurado especial exige que a atividade rural desenvolvida seja a principal atividade desenvolvida pelo trabalhador.

Contudo, o fato de algum dos integrantes não realizar o trabalho em regime de economia familiar, por si só, não descaracteriza a condição dos demais familiares, nesse diapasão, a Súmula nº. 41 da Turma Nacional de Uniformização:

A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto (BRASIL, 2015).

Assim, pode-se entender que restará descaracterizado o regime de economia familiar somente quando a renda obtida com a outra atividade for suficiente para a manutenção do grupo familiar, de modo a tornar dispensável a atividade agrícola.

1.5 A carência

Sabe-se que, em regra, a filiação ao regime geral da previdência social, na qualidade de segurado, se dá através do recolhimento das contribuições previdenciárias. No caso do segurado especial, a contribuição decorre da comercialização da produção agrícola, nos termos do artigo 25 da Lei nº. 8.212/91 (Plano de Custeio). Para tanto, é essencial que haja produção agrícola para fins de comercialização, de modo que não adquire a qualidade de segurado especial aquele que planta apenas para sua subsistência.

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O artigo 195, § 8º, da Constituição Federal, determina que a base, de cálculo das contribuições previdenciárias do segurado especial será o resultado da comercialização da sua produção, estabelecendo, assim, uma regra diferenciada para participação no custeio. Entendeu o legislador que, sendo a atividade agrícola instável durante o ano, em função dos períodos de safra, no caso dos agricultores, estes não poderiam contribuir mensalmente com valores fixos estipulados.

À primeira vista, a regra contida no artigo 26, inciso III, da Lei nº. 8.213/91, dispensa expressamente o segurado especial de cumprir o prazo de carência necessário à concessão do benefício. Entretanto, não se trata de isentar o segurado especial do cumprimento do prazo de carência exigido, uma vez que este dispositivo deve ser interpretado à luz do disposto no inciso I do artigo 39. Assim, assegura-se ao segurado especial a concessão de aposentadoria por idade ou invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão, ou pensão por morte, no valor de um salário mínimo, desde que este comprove o exercício da atividade rural por período igual ao número de meses correspondentes à carência exigida do benefício requerido.

Diante disso, o objetivo do dispositivo legal é isentar o segurado especial do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas em virtude do exercício da atividade agrícola, uma vez que este não possui salário de contribuição, garantindo-lhe somente o benefício no valor mínimo. Porém, nada obsta que o segurado especial filie-se e contribuía facultativamente ao Regime Geral da Previdência Social.

Acerca do tema, Sergio Pinto Martins (Apud CASTRO, 2014, p. 691) defende que: [...] As aposentadorias dos trabalhadores rurais sem contribuição têm trazido muita fraude, como se tem verificado, porém nada impede que o trabalhador rural recolha normalmente a sua contribuição para ter direito a uma aposentadoria comum e igual à do trabalhador urbano.

Se o sistema para o trabalhador rural continuar em parte não contributivo, já que há a possibilidade de opção, é claro que o referido trabalhador vai optar por não contribuir, daí a necessidade de modificação do referido sistema. O entendimento acima representaria um retrocesso nos direitos constitucionalmente conferidos aos trabalhadores rurais, os quais permaneceram, por longo período, alijados da proteção previdenciária. Ademais, o próprio texto constitucional reconheceu a necessidade de

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estabelecer uma forma diferenciada de participação do trabalhador rural no custeio, tendo em vista as peculiaridades do trabalho no campo.

Para fazer jus a aposentadoria por idade, além do requisito etário, faz-se necessária a comprovação do exercício da atividade rural no período idêntico à carência exigida para o benefício requerido. O artigo 106 da Lei nº. 8.213/91 relaciona os documentos que devem ser apresentados de forma alternativa:

Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:

I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;

II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;

III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;

IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;

V – bloco de notas do produtor rural;

VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;

VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;

VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;

IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou

X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra (BRASIL, 2015).

É possível, ainda, comprovar o tempo de serviço rural através de documentos em nome do pai ou do marido, uma vez que, usualmente, os documentos eram firmados em nome do titular da propriedade; e mediante a apresentação de certidão de casamento e/ou nascimento dos filhos, nos quais o segurado está qualificado como agricultor.

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região editou a Súmula 73: “Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental” (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

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Tendo em vista a informalidade em que, não raras vezes, se estabelecem as relações no meio rural, dificultando a comprovação documental ano a ano do exercício da atividade agrícola, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula 14: “Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício” (BRASIL, 2015).

Uma vez realizadas as abordagens julgadas pertinentes, bem como apresentados os conceitos necessários à compreensão do tema, no capítulo seguinte discorrer-se-á sobre o tema propriamente dito, a descontinuidade da atividade rural, objeto do presente estudo.

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2 A DESCONTINUIDADE DA ATIVIDADE RURAL

O tema da descontinuidade da atividade rural para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural (segurado especial) passou a ter maior relevância jurídica a partir do ano de 2008. Tal fato deve-se ao entendimento adotado pela autarquia previdenciária acerca do exercício da atividade rural em períodos descontínuos, o que passou a ocasionar, com certa frequência, o indeferimento administrativo dos requerimentos de aposentadoria por idade do segurado especial.

2.1 A interpretação administrativa

A controvérsia do direito à aposentadoria por idade do segurado especial reside na interpretação administrativa dada ao parágrafo 2º do artigo 48 e artigo 143 da Lei nº. 8.213/91. Conforme o entendimento administrativo, ao requerer o benefício de aposentadoria por idade, o segurado especial (agricultor) deve comprovar o exercício da atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento, não admitindo intervalos (períodos descontínuos) superiores a 36 meses, que acarretem a perda da qualidade de segurado.

Tal entendimento resultou da analogia das regras aplicáveis ao segurado urbano que, uma vez cessadas as contribuições, mantém a qualidade de segurado por um prazo máximo de até 36 meses, nos termos do artigo 15, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

[...]

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

[...]

§ 1º. O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

§ 2º. Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (BRASIL, 2015).

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Assim, o segurado especial que deixar de exercer ou comprovar a atividade rural por período superior a 36 meses dentro do prazo da carência do benefício (nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício) perde esta qualidade perante a previdência social, prejudicando sobremaneira o direito à aposentadoria por idade.

Segundo o procedimento adotado pela autarquia, ao protocolar o requerimento administrativo de aposentadoria por idade, exemplificativamente, no ano de 2015, o segurado especial deverá preencher o requisito etário (60 anos, homem, e 55 anos, se mulher) e comprovar 180 meses de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sendo o termo inicial de comprovação do labor rurícola o ano de 2001. Nesse sentido, o período de atividade rural a ser comprovado estaria compreendido entre 2001 (termo inicial) e 2015 (termo final), admitindo-se lapsos (intervalos) de, no máximo, 36 meses, sem que ocorra a perda da qualidade de segurado.

A interpretação administrativa é perversa à medida que inviabiliza o direito a aposentadoria por idade daquele segurado especial que exerce a atividade rural em períodos descontínuos superiores a 36 meses, uma vez que, ocorrendo a perda da qualidade de segurado, não permite o cômputo dos períodos anteriores. E, para fazer jus ao benefício requerido, o segurado especial deverá, após o retorno às lides rurícolas, exercer e comprovar novamente 180 meses de atividade rural, o que, tendo em vista a idade e as condições de trabalho no campo, torna inviável o direito a aposentadoria por idade.

Tendo em vista que o entendimento administrativo acerca da descontinuidade da atividade rural decorre da interpretação analógica do artigo 15, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91, encontra-se no mesmo diploma legal alternativa ao segurado especial que se afasta da atividade campesina por período superior a 36 meses.

O parágrafo único do artigo 24 da Lei nº. 8.213/01, que disciplina o período de carência, dispõe que:

Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.

Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no

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mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido (BRASIL, 2015).

Segundo o aludido dispositivo legal, ocorrendo a perda da qualidade de segurado, os períodos de contribuição anteriores a esta somente serão computados para efeito de carência depois que o segurado contar com, no mínimo, 1/3 do período de carência exigido para concessão do benefício. Entende-se que a presente norma deve aplicar-se também ao segurado especial, quando este perder esta qualidade em virtude da descontinuidade no exercício da atividade rural.

Assim, considerando que, para fazer jus a aposentadoria por idade, o segurado especial deve comprovar o exercício da atividade rurícola por um período de 180 meses. Ocorrendo a descontinuidade que acarrete a perda da qualidade de segurado, este deve contar, após o retorno à atividade, com, no mínimo, 60 meses de labor agrícola. Estes no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, e que, somados aos períodos de labor agrícola anteriores, implementem os 180 meses de atividade rural necessários à concessão do benefício.

Cumpre salientar que esta interpretação não é aceita no âmbito administrativo, pois a autarquia entende que a regra do parágrafo único do artigo 24 da Lei nº. 8.213/91 aplica-se tão somente ao segurado urbano, já que este realiza contribuições ao regime geral da previdência social. De modo que, não se aplicaria a aludida regra ao segurado especial, por este não verter contribuições, apenas comprovar o exercício da atividade rural pelo período de meses idênticos à carência exigida.

Ora, o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas rurais, consagrado no artigo 2º, inciso II, da Lei nº. 8.213/91, confere tratamento uniforme a trabalhadores urbanos e rurais, de modo que haverá benefícios e serviços idênticos nos eventos cobertos pela previdência social. Portanto, reveste-se de ilegalidade o ato administrativo ao dispensar tratamento diferenciado, estabelecendo critérios mais rígidos ou deixando de aplicar dispositivos de lei que possam beneficiar o trabalhador rural (segurado especial).

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Em que pese a via administrativa manter o entendimento acerca da descontinuidade da atividade rural, indeferindo a aposentadoria por idade ao segurado especial que não exercer ou comprovar o exercício da atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, a jurisprudência vem, gradualmente, acolhendo o argumento de que a regra do parágrafo único do artigo 24 da Lei nº. 8213/91, aplica-se ao segurado especial. O entendimento jurisprudencial será abordado em capítulo próprio, quando serão analisados alguns julgados pertinentes ao tema da descontinuidade da atividade rural.

Pode, ainda, o trabalhador rural (segurado especial) que exerce a atividade rural de forma descontínua, intercalando períodos de labor rural com urbano, valer-se da regra disposta no parágrafo 3º do artigo 48 da Lei nº. 8.213/91, incluído pela Lei nº. 11.718, de 20/06/2008. Segundo a redação do referido dispositivo legal:

[...]

§ 3º. Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher (BRASIL, 2015).

Trata-se da chamada aposentadoria por idade mista ou híbrida, pois reúne duas categorias de segurados e duas formas distintas de contribuição. Esta espécie de benefício aplica-se àquele trabalhador rural que, em virtude da descontinuidade, não comprova o exercício exclusivo do labor rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, mas que, considerando-se os períodos intercalados de atividade rural e urbana, atinge a carência necessária à concessão do benefício.

Contudo para fazer jus ao benefício da aposentadoria por idade híbrida, deve se atentar que, nos períodos em que não houver exercício da atividade rural, deve haver necessariamente o exercício de atividade sob outra categoria de segurado (empregado, contribuinte individual, facultativo, etc.) que verta contribuições ao regime geral da previdência social. Portanto, não pode valer-se da regra aquele segurado que, nos períodos em que deixar de exercer a atividade rural, permanecer inativo ou, comumente, trabalhando informalmente.

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Outro aspecto importante a ser considerado é o requisito etário. O trabalhador rural (segurado especial) somente fará jus à aposentadoria por idade híbrida ao complementar 65 anos de idade, no caso dos homens, e 60 anos, para as mulheres. Ou seja, aplica-se o requisito etário dos trabalhadores urbanos, adiando em cinco anos o direito à aposentadoria do trabalhador rural, o que se entende não ser o mais justo.

2.2 A interpretação administrativa à luz dos princípios do direito previdenciário

O Direito Previdenciário, assim entendido como ramo autônomo, é regido pelos princípios da solidariedade, da vedação do retrocesso social e da proteção ao hipossuficiente. Portanto, todo ordenamento jurídico-positivo pertinente à matéria previdenciária deve estar assentado sobre estes princípios fundantes. Da mesma forma, quando houver dúvida a respeito da intenção do legislador, a interpretação da norma previdenciária deve-se dar à luz destes princípios norteadores.

Pelo princípio da solidariedade deve-se compreender que a previdência social está baseada na solidariedade entre os membros da sociedade. A respeito deste princípio, Castro e Lazzari (2014, p. 90) traz importante ensinamento:

[...] como a noção de bem-estar coletivo repousa na possibilidade de proteção de todos os membros da coletividade, somente a partir da ação coletiva de repartir os frutos do trabalho, com a cotização de cada um em prol do todo, permite a subsistência de um sistema previdenciário.

Segundo o princípio da vedação do retrocesso social, a legislação previdenciária não pode retroceder nos direitos conferidos aos segurados, assim compreendido o alcance (rol dos segurados abrangidos pela proteção previdenciária) e o valor das prestações previdenciárias. Portanto, diante de tal princípio, qualquer alteração ou interpretação normativa que venha a limitar direitos sociais garantidos constitucionalmente estaria, em tese, eivada de inconstitucionalidade.

Em atenção ao princípio da proteção ao hipossuficiente, as normas que conferem direitos sociais devem fundar-se no preceito de proteção à parte menos favorecida na relação jurídica estabelecida com o Estado, ou seja, os segurados. No caso das normas previdenciárias, havendo dubiedade na interpretação/aplicação da norma, esta deve se dar no

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sentido de proteger o direito dos seus beneficiários, pois este é o destinatário da proteção previdenciária.

Tendo em vista que a legislação previdenciária não traz uma definição do sentido e do alcance da descontinuidade admissível para fins de concessão de aposentadoria por idade rural diante de uma intercalação de atividade rurícola com atividade urbana, a interpretação administrativa deve se dar à luz dos princípios que regem o Direito previdenciário, de modo que não inviabilize os direitos conferidos ao segurado especial.

Neste diapasão, o entendimento administrativo acerca da descontinuidade da atividade rural merece reparo à medida que vem de encontro aos princípios que regem o Direito Previdenciário, em especial os princípios da vedação do retrocesso social e da proteção ao hipossuficiente.

Como o legislador não estabeleceu objetivamente qual seria a descontinuidade admissível, a interpretação deve ser no sentido de proteger os interesses do segurado. Ao estabelecer critérios restritivos de descontinuidade, o procedimento administrativo inviabiliza o direito do segurado especial à aposentadoria por idade, deixando a própria sorte aquele a quem o Estado deveria conferir a proteção previdenciária.

Ainda, fere o princípio da vedação do retrocesso social, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 conferiu ao trabalhador rural o direito à aposentadoria por idade. Portanto, qualquer circunstância que possa limitar o exercício deste direito representa um retrocesso nas conquistas sociais da classe dos trabalhadores rurais.

2.3 A (i)legalidade da interpretação administrativa

Entende-se que a interpretação administrativa é equivocada, contrária a legislação previdenciária, senão inconstitucional. De acordo com a redação do parágrafo 2º do artigo 48 da lei em comento (grifo nosso), “[...] o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício [...]” (BRASIL, 2015, grifo nosso), ou seja, admite a descontinuidade do labor rural, sem estabelecer limites que impliquem na perda da qualidade de segurado e, consequentemente, prejuízo ao direito de aposentadoria do segurado especial.

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O procedimento no âmbito administrativo contraria, ainda, o disposto no artigo 39, caput e inciso I, da Lei nº. 8.213/91:

Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de

meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou (Redação

dada pela Lei nº. 12.873, de 2013) [...] (BRASIL, 2015, grifo nosso).

Nota-se que a regra contida no dispositivo legal decorre de redação dada recentemente pela Lei nº. 12.873 de 2013. Segundo a norma em comento, fica garantido ao segurado especial o direito à concessão da aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, fazendo-se necessária a comprovação do exercício da atividade rural, ainda que descontinuamente, por período igual ao número de meses da carência exigida para o benefício requerido. Logo, não há óbice a descontinuidade no labor agrícola, desde que o segurado implemente os 180 meses de atividade rural.

Ao adotar um critério restritivo de descontinuidade de atividade rural, reveste-se de ilegalidade a interpretação administrativa, à medida que a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 201, parágrafo 7º, inciso II, assegura ao segurado especial o direito a aposentadoria por idade sem fazer qualquer restrição, senão vejamos:

§ 7º. É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

[...]

II – 65 (sessenta cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, reduzido em 5 (cinco) anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal (BRASIL, 2015).

O referido excerto legal demonstra a clara intenção do legislador constitucional em estender a proteção previdenciária à classe dos trabalhadores rurais. Por isso, não parece pertinente a interpretação administrativa adotar critérios restritivos que inviabilizem o acesso do trabalhador rural (segurado especial) a aposentadoria por idade, sob pena de deixar à própria sorte o segurado em idade avançada, afrontando o texto constitucional.

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Inclusive, ao restringir o direito a aposentadoria do segurado especial, atenta-se contra o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, consagrado no artigo 194, parágrafo único, inciso I, da Carta Magna.

Segundo o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, a proteção social deve alcançar todos os eventos (idade avançada, doença, morte), cuja prestação seja medida urgente, a fim de garantir a subsistência daqueles que dela dependem. Assegura, ainda, o atendimento a todos os que necessitem das prestações e serviços da seguridade social, assim compreendida a previdência social, a saúde e a assistência social.

Assim, a interpretação administrativa deve-se dar à luz do texto constitucional, de modo que o segurado especial, em idade avançada e sem contar com a mesma força de trabalho, não se encontre ao desamparo, sendo o direito à aposentadoria medida que se impõe. A respeito da lacuna existente entre a postura administrativa e o direito aplicado judicialmente, José Antonio Savaris (2011, p. 130) faz importante ressalva:

Como se sabe, a não inclinação administrativa aos critérios consagrados pelos tribunais cumpre o indesejado papel de separar o indivíduo, por tempo indeterminado e por vezes para sempre, da prestação de caráter alimentar que está a perseguir.

Não raro, ainda que a esfera judicial corrija as ações e/ou omissões administrativas, a entidade previdenciária tende não se curvar ao entendimento, mesmo que uniformizado pela jurisprudência. Assim, persiste em manter um procedimento mais gravoso, retardando, ao máximo, a tutela do direito ao benefício previdenciário.

Ainda, a respeito da insistência administrativa em dificultar o acesso dos segurados à proteção previdenciária, a Juíza Federal Aline Lazzaron Tedesco (2013, p. 1) faz relevante consideração:

Apesar dessa evolução legislativa, a postura administrativa do órgão gestor previdenciário não se tem mostrado igualmente ampliativa. Ao contrário, frente à maior demanda a que se viu submetido, o órgão previdenciário optou por tornar mais difícil o acesso aos benefícios em cada um dos pedidos que aprecia, buscando, talvez, um inconsciente equilíbrio de caixa, que, diga-se, é de todo infundado.

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A autora retrata muito bem a realidade enfrentada pelo segurado, que, ao requerer benefício previdenciário, depara-se com a rigidez da postura administrativa, totalmente equivocada, inclusive contrária à legislação, que ampliou a proteção previdenciária. Esta postura administrativa tem, invariavelmente, impulsionado os segurados a demandarem em juízo a revisão dos atos administrativos de indeferimento ou de concessão de benefícios. Diante disso, o Poder Judiciário tem sanado os equívocos administrativos, dando respaldo a proteção previdenciária do trabalhador rural, e, através da construção jurisprudencial, facilitado e expandido o seu acesso aos benefícios previdenciários.

Diante disso, como o tema apresenta relevância jurídica à medida que a matéria ainda é controvertida na esfera judicial, o capítulo seguinte será dedicado à análise da jurisprudência nos tribunais, em especial do Tribunal Regional da 4ª Região, do Superior Tribunal de Justiça e da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.

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3 CASUÍSTICA (VISÃO JURISPRUDENCIAL)

A possibilidade de exercer a atividade rural de forma descontínua ou não, bem como em que consiste a descontinuidade admitida na legislação previdenciária, é questão controvertida no âmbito judicial, de modo que a jurisprudência não pacificou entendimento acerca do tema. Para demonstrar as posições firmadas, se colacionam os recentes julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Superior Tribunal de Justiça.

3.1 Tribunal Regional Federal da 4ª Região

A partir de 2008, o tema da descontinuidade da atividade rural passou a ter maior relevância jurídica, tendo em vista que o procedimento adotado administrativamente passou a ocasionar com frequência o indeferimento dos pedidos de aposentadoria por idade do segurado especial. Diante da negativa administrativa em conceder o benefício requerido, os segurados passaram a ingressar em juízo a fim de assegurar o seu direito.

Contudo, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região não uniformizou o entendimento acerca do tema, de forma que há decisões que admitem o exercício da atividade rural em períodos descontínuos, enquanto outras se coadunam à interpretação administrativa, o que resta evidenciado nos julgados a seguir colacionados:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE

RURAL. DESCONTINUIDADE DO LABOR. PRAZO MÁXIMO. 1. A descontinuidade, prevista na Lei 8.213/91, artigos 39, I, 48, § 2º, e 143, é possível de ser admitida quando o interregno entre um e outro período de labor rural não seja superior a 36 meses, que é o máximo do período de graça possível de ser alcançado, nos termos do artigo 15 da Lei 8.213/91, em interpretação analógica e sistemática dessa norma. 2. Caso

em que a autora não apresente vínculo com o meio rural de 1983 a 2001, o que implica a impossibilidade de somar os períodos anterior e posterior para concessão da aposentadoria requerida. (RIO GRANDE DO SUL, 2013, grifo nosso).

O julgado acima colacionado corrobora o entendimento administrativo, segundo o qual a legislação previdenciária não admite a descontinuidade da atividade rural por um período superior a 36 meses, valendo-se, para tanto, de interpretação analógica do artigo 15, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91. A referida decisão acaba inviabilizando o direito à

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aposentadoria por idade da parte autora (segurado especial), uma vez que entende que, havendo o afastamento da atividade rural que acarrete a perda da qualidade de segurado perante a previdência social, não permite a soma de períodos descontínuos com o objetivo de atingir a carência exigida para o benefício requerido.

Ainda, no mesmo sentido, segue decisão recentemente proferida:

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR

IDADE RURAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO RURAL. DESCONTINUIDADE. 1. A locução "descontinuidade" (art. 48, § 2º, da Lei nº 8.213/91) não pode abarcar as situações em que o segurado para com a atividade rural por muito tempo. 2. Embora a parte autora tenha

preenchido o requisito etário, não se tem pelas provas juntadas aos autos

uma convicção plena no sentido de que, de fato, ocorreu o exercício da atividade rurícola, no período imediatamente anterior ao implemento etário ou ao requerimento, igual ao número de meses correspondentes à

carência do benefício (artigos 39, inciso I, e 48, §2º, ambos da Lei 8.213/91), tendo em vista que a autora ficou, dentro do período de carência, afastada das lides rurais por, aproximadamente, 08 (oito) anos, não sendo possível,

desta forma, somar, para efeitos de carência, tempo de labor rural anterior ou posterior ao período em que esteve afastada do trabalho rural. (RIO GRANDE DO SUL, 2015, grifo nosso).

Nota-se que a decisão vai ao encontro do procedimento administrativo à medida que reforça o entendimento de que o exercício da atividade rural para fins de aposentadoria por idade deve se dar no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo. Até admite certa descontinuidade no labor rurícola, desde que por curtos períodos. Também não permite a soma dos períodos descontínuos (intercalados) de atividade rural para fins de carência, ou seja, a partir do retorno ao trabalho rural deve computar os 180 meses necessários à concessão do benefício requerido.

Com entendimento completamente diverso, colaciona-se o julgado abaixo:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR

IDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA

MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL.

DESCONTINUIDADE DO TRABALHO RURAL. POSSIBILIDADE.

[...] 3. Existindo prova de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior à carência, deve ser admitido o direito ao benefício

com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigido pela legislação de regência. 4. A adoção de entendimento muito restritivo quanto ao conceito de

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descontinuidade acaba por deixar ao desamparo segurados que desempenharam longos períodos de atividade rural, mas, por terem intercalado períodos significativos de atividade urbana ou mesmo de inatividade, restam excluídos da proteção previdenciária. 5. Choca-se com a Constituição Federal interpretação conducente a desvalorizar o trabalho, que é um de seus valores fundantes (art. 1º, IV, da CF). Ademais, a previdência é um direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal, e o artigo 7º, XXIV, do mesmo Diploma assegura, sem restrições, direito à aposentadoria ao trabalhador rural, atentando ainda contra o princípio da universalidade (art. 194, I, da CF), recusar o direito à aposentadoria ao trabalhador rural que exerceu sua atividade por longo período, a partir de um conceito restritivo de descontinuidade. [...] 8. Nessa hipótese, é razoável se entenda que, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, havendo descontinuidade, deve ser comprovado que no último período de atividade rural (o período imediatamente anterior) o segurado desempenhou atividade rural por tempo significativo, passando de fato a sobreviver dos frutos de seu trabalho junto à terra. [...] (RIO GRANDE

DO SUL, 2013, grifo nosso).

O entendimento da referida jurisprudência se coaduna com o que se pretende demonstrar no presente estudo, no sentido de que a legislação previdenciária admite a descontinuidade da atividade rural para fins de aposentadoria por idade do segurado especial. Ao adotar critérios restritivos de descontinuidade, a interpretação administrativa padeceria de inconstitucionalidade, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 conferiu caráter protetivo a classe dos trabalhadores rurais, assegurando-lhes o direito a aposentadoria por idade, sem impor-lhes qualquer restrição. E, não tendo a legislação estabelecido um conceito de descontinuidade, a interpretação da norma deve ser no sentido de não inviabilizar o direito dos segurados rurais.

Ainda, sustenta o eminente julgador que, para fins de concessão de aposentadoria por idade, havendo descontinuidade, o segurado especial deve comprovar que, após o retorno às lides agrícolas (no período imediatamente anterior), exerceu a atividade rural por tempo significativo, ou seja, voltou de fato a viver do trabalho na terra. Portanto, como medida da melhor justiça, confere o direito à aposentadoria por idade, admitindo a descontinuidade do labor rural, desde que o trabalhador retome sua condição de segurado especial, desempenhando a atividade rural por período razoável, tendo em vista que os frutos do trabalho no campo não são imediatos.

Neste diapasão, corroborando a pretensão do presente estudo, segue decisão recentemente exarada:

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