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Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais

No ano de 2012, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em pedido de uniformização de interpretação de lei federal, editou a Súmula 46 com o seguinte enunciado: “O exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto.” Para tanto, colaciona-se o precedente jurisprudencial que ensejou o enunciado:

APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. ATIVIDADE RURAL DESCONTÍNUA. ATIVIDADE URBANA

INTERCALADA. [...] 2. Demonstrada divergência com acórdão paradigma da Turma Nacional de Uniformização, segundo o qual o exercício de atividade urbana, durante parte do período de carência, quando não interrompe o curso normal do trabalho rural, não afasta a caracterização da condição de segurado especial. (Processo nº 2006.70.95.001723-5, DJU 31/08/2007). 3. O incidente de uniformização não embute pretensão direta a reexame de prova, mas apenas arguição de divergência jurisprudencial em torno de critério jurídico para valoração da prova. 4. O acórdão recorrido

contraria o art. 143 da Lei nº 8.213/91, segundo o qual a atividade rural pode ser descontínua. O exercício de atividade urbana intercalada não constitui motivo suficiente para tornar ineficaz todo o tempo de serviço rural. 5. A prova testemunhal foi colhida, mas não chegou a ser examinada

pelo acórdão recorrido. Por isso, o acórdão dever ser anulado para que o conjunto probatório seja apreciado. Aplicação da Questão de Ordem nº 20 da TNU. A turma recursal de origem fica vinculada ao seguinte critério jurídico de valoração da prova: a atividade urbana intercalada não impede a

concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, se os períodos descontínuos em que houve exclusivo exercício de atividade rural forem suficientes para cobrir tempo equivalente à carência do benefício. 6. Incidente parcialmente provido para anular o acórdão recorrido,

cabendo à turma recursal retomar o julgamento do recurso interposto contra a sentença. [...] (BRASIL, 2012, grifo nosso).

O enunciado consagrado na Súmula 46 decorre dos incidentes de uniformização levados à apreciação desta instância recursal, tendo em vista a existência de acórdão divergente (paradigma). Diante disso, firmou o entendimento de que o exercício da atividade rural intercalada com períodos de atividade urbana não constitui, por si só, óbice ao direito à aposentadoria por idade do segurado especial, sendo necessária análise do caso concreto. O ditame jurisprudencial vincula as instâncias de origem (Turmas Recursais), de modo que estas devem adequar suas decisões aos critérios nele estabelecidos.

O entendimento firmado no enunciado jurisprudencial se coaduna ao pretendido no presente estudo, no sentido de que a descontinuidade da atividade rural não impede a

concessão da aposentadoria por idade do segurado especial (agricultor), desde que comprovado o exercício do labor rural por período idêntico à carência do benefício. Assim, ao requerer a aposentadoria por idade, o trabalhador rural deve implementar o requisito etário e comprovar 180 meses de serviço exclusivamente agrícola, ainda que de forma descontínua.

A análise dos julgados evidencia que o tema da descontinuidade da atividade rural ainda é controvertida nos tribunais, de forma que a jurisprudência não pacificou o entendimento acerca da descontinuidade admissível pela legislação previdenciária. Tanto que há julgados no sentido de que o exercício da atividade rural de forma intercalada (períodos descontínuos) não constitui óbice ao direito de aposentadoria por idade do segurado especial. Conquanto outros, de que a comprovação do labor rural deve se dar no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, admitindo curtos lapsos de descontinuidade, desde que não acarretem na perda de qualidade de segurado especial.

A mercê de uma solução para controvérsia, encontra-se o segurado especial, em idade avançada e sem poder contar com mesma força de trabalho, que, diante da negativa administrativa, vê o seu direito a aposentadoria por idade ser retardado, quiçá até inviabilizado, vislumbrando na esfera judicial a garantia do seu direito a uma vida digna na velhice.

CONCLUSÃO

O presente estudo se propôs a abordar a descontinuidade da atividade rural para fins de aposentadoria por idade do segurado especial. Para tanto se valeu do confronto entre a interpretação administrativa dada ao parágrafo 2º do artigo 48 da Lei nº. 8.213/91 e a Constituição Federal de 1988, a legislação previdenciária, os princípios que regem o Direito Previdenciário e o entendimento jurisprudencial.

Conforme o procedimento administrativo, para fazer jus ao benefício da aposentadoria por idade, o segurado especial deve comprovar o exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. E, ocorrendo a descontinuidade no labor agrícola, esta não pode ser superior a 36 meses, sob pena de acarretar a perda da qualidade de segurado especial. Ao estabelecer critérios rígidos acerca da descontinuidade da atividade rural, a via administrativa acabou inviabilizando o direito à aposentadoria – aos 60 anos de idade, para o homem, e 55 anos, se mulher – do segurado especial que intercala a atividade rural com períodos atividade urbana.

A construção do entendimento administrativo decorre de interpretação analógica das regras aplicáveis ao segurado urbano que, uma vez cessadas as contribuições, mantém a qualidade de segurado por um prazo máximo de até 36 meses, nos termos do artigo 15, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91. Entretanto, a interpretação administrativa dada à descontinuidade “admissível” pela legislação previdenciária encontra-se em descompasso com a evolução legislativa dos direitos previdenciários dos trabalhadores rurais (segurado especial).

A Constituição Federal de 1988, ao estender a proteção previdenciária à classe dos trabalhadores rurais, assegurou ao segurado especial o direito a aposentadoria por idade, sem impor-lhes qualquer restrição. Nesse sentido, o procedimento administrativo reveste-se de inconstitucionalidade à medida que adota critérios restritivos de descontinuidade que inviabilizam o direito dos segurados rurais.

Ademais, atenta contra o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, uma vez que exclui da proteção previdenciária aquele trabalhador rural que não comprova o exercício do labor agrícola no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, deixando à própria sorte o segurado em idade avançada e que não pode mais contar com a força de trabalho de outrora.

A legislação previdenciária, embora, não estabeleça o sentido e alcance da descontinuidade admissível para fins de concessão de aposentadoria por idade rural, não pode dar razão à interpretação administrativa, ao estabelecer critérios que possam limitar o exercício dos direitos conferidos ao segurado especial. Esta deve se dar à luz dos princípios que regem o Direito previdenciário, em especial os princípios da vedação do retrocesso social e da proteção ao hipossuficiente. Portanto, toda interpretação deve ser no sentido de proteger os interesses do segurado, destinatário da proteção previdenciária.

Entende-se, ainda, que nada impede que os trabalhadores rurais que exerceram a atividade rural intercalada com períodos de labor urbano, os quais acarretaram a perda da qualidade de segurado especial, possam valer-se da regra do parágrafo único do artigo 24 da Lei nº. 8.213/91, aplicável aos segurados urbanos. Esta abarcaria aquelas situações em que, ocorrendo a perda da condição de segurado especial em virtude da descontinuidade na atividade rural, o segurado comprova, após o retorno à atividade, no mínimo, 1/3 da carência do benefício, ou seja, 60 meses de labor agrícola no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, e que, somados aos períodos anteriores descontínuos de labor agrícola, implementam os 180 meses de atividade rural necessários à concessão da aposentadoria por idade.

Em que pese o respaldo jurisprudencial, o procedimento administrativo não se curva ao raciocínio expendido. E, portanto, encontra-se eivado pela ilegalidade, pois, em reverência ao princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas

rurais, não poderia dispensar tratamento diferenciado, estabelecendo critérios mais rígidos ou deixando de aplicar dispositivos de lei que possam beneficiar o segurado rural.

Neste contexto, se justifica a crescente demanda pela tutela judicial, cujo direito envolve a discussão da descontinuidade da atividade rural para fins de aposentadoria por idade do segurado especial. Contudo, na análise dos julgados, ficou evidente que o tema também é controvertido nos tribunais, de forma que a jurisprudência não pacificou o entendimento acerca do sentido e alcance da descontinuidade admissível pela legislação previdenciária.

Tanto que há julgados no sentido de que o exercício da atividade rural de forma intercalada (períodos descontínuos) não constitui óbice ao direito de aposentadoria por idade do segurado especial. Conquanto outros, de que a comprovação do labor rural deve se dar no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, admitindo curtos lapsos de descontinuidade, desde que estes não acarretem na perda de qualidade de segurado especial.

Enquanto isso, ainda que o Poder Judiciário venha a sanar os equívocos praticados, o segurado especial encontra-se sujeito aos critérios estabelecidos no âmbito administrativo. De forma que, não logrará êxito, na via administrativa, aquele trabalhador rural que, ao requerer a aposentaria – aos 60 anos de idade, quando for homem, e 55 anos, se mulher –, não comprovar o exercício da atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento administrativo, admitidos períodos descontínuos, desde que inferiores a 36 meses. Diante disso, a estes segurados especiais resta percorrer o caminho na esfera judicial, a fim de que esta lhes assegure o direito a uma vida digna na velhice.

REFERÊNCIAS

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