Capítulo 6 -‐ Diferenciação social das formas de sentir 135
6.2. Tristeza e raiva 148
Tabela 14 -‐ Percepção de suficiência de rendimento por sentir stress
Nota: Os valores apresentados referem-‐se aos resíduos estandardizados e ajustados entre categorias. * indica significância estatística (|Z|>1,96; nível de significância de 0,05). Os valores realçados a negro indicam uma associação positiva entre as categorias.
Embora o stress seja um sentimento negativo, a sua percepção apresenta diferenças face aos outros sentimentos negativos em análise. Sentir stress ocorre mais entre os mais novos (diminui com o aumento da idade), com posições sociais acima da média, que estão empregados e valorizam o consumo e o reconhecimento social. Refira-‐se ainda que o stress ocorre mais entre as mulheres. Parece-‐nos importante destacar que a probabilidade de não se sentir tratado com respeito é mais elevada entre as mulheres, podendo este sentimento contribuir também para uma maior percepção de stress, como veremos mais à frente neste capítulo.
Importa pois aprofundar as circunstâncias sociais em que se produzem estas percepções, aspecto a que nos dedicaremos no capítulo sete.
6.2. Tristeza e raiva
A Sociologia das Emoções não tem dedicado muita atenção ao estudo da tristeza, privilegiando outras emoções. Apesar disso, a literatura existente permite saber que se distingue de depressão (mal-‐estar, inquietação) e de mágoa ou pesar, normalmente associados à perda (Barr-‐Zisocuitz, 2006).
Sentiu' preocupação Não'sentiu' preocupação Total N 261 179 440 %'linha 59,30% 40,70% 100,00% Res.'Est.'Aj. D3,3* 3,3* N 133 48 181 %'linha 73,50% 26,50% 100,00% Res.'Est.'Aj. 3,3* D3,3* N 394 227 621 %'linha 63,40% 36,60% 100,00% Total Rendimento'permite'viver 'Dificil'viver'com'rendimento
De acordo com Barr-‐Zisocuitz (2006), a tristeza ocorre perante a possibilidade da situação puder ter corrido de outra forma e caracteriza-‐se por lentidão, passividade e suavidade das acções/reacções. Por outro lado, pode assumir formas mais intensas, transformando-‐se em raiva.
Por sua vez, a raiva sinaliza algo importante na relação do indivíduo com o ambiente e influência a resposta à situação, caracterizando-‐se por comportamentos de explosão. Os autores identificam na raiva várias funções adaptativas, nomeadamente em processos relacionados com a auto-‐defesa e na regulação dos comportamentos interpessoais (Lemerise & Dodge, 2004).
A tristeza e a raiva são consideradas emoções primárias, a par da felicidade e medo, sendo a tristeza a que mais se opõe a felicidade (Stets & Turner, 2005).
A abordagem sociológica da tristeza e da raiva terá de incidir sobre a sua expressão social, ou seja, percebendo as suas variações em contexto sociocultural. É esse o nosso objectivo, analisar a percepção de tristeza em relação a características socioculturais que poderão influenciar a forma como é experimentada.
Assim, a análise dos resultados permite desde logo perceber que cerca de um terço dos respondentes declara que sentiu tristeza durante o dia anterior. Mas a análise permite igualmente perceber que a percepção de tristeza é socialmente diferenciada.
Através do teste t à igualdade de médias procuramos perceber em que medida há diferenças da posição social média relacionadas com a percepção de tristeza. Os resultados permitem perceber que é entre os indivíduos com menores recursos sociais que tendem a destacar-‐se sentimentos de tristeza. Ao contrário, entre os que ocupam posições sociais mais elevadas (médias) há menor probabilidade de terem sentido tristeza91.
91 𝑡
Para explorar de forma mais aprofundada as diferenças inerentes à percepção de tristeza mobilizámos o teste de independência do qui-‐quadrado para avaliar a grandeza da relação entre este sentimento e a idade dos inquiridos. Assim, é possível encontrar diferenças entre os grupos etários quanto à percepção de tristeza92. São os mais velhos que mais se associam à expressão deste sentimento. Entre os mais novos, encontramos uma forte associação negativa com a percepção de tristeza, sendo que 79,1% dos mais jovens declara não ter sentido tristeza no dia anterior (ver tabela 15).
Tabela 15 -‐ Escalões etários por sentir tristeza
Nota: Os valores apresentados referem-‐se aos resíduos estandardizados e ajustados entre categorias. * indica significância estatística (|Z|>1,96; nível de significância de 0,05). Os valores realçados a negro indicam uma associação positiva entre as categorias.
No mesmo sentido, procurámos avaliar a relação entre a idade e a percepção de sentir raiva através do teste de independência do qui-‐quadrado. A percepção de raiva apresenta uma associação negativa com o grupo etário dos
92 𝑋2(2)=17,333; p<0,001. Sentiu'tristeza Não'sentiu' tristeza Total N 50 189 239 %'linha 20,90% 79,10% 100,00% Res.'Est.'Aj. A4,1* 4,1* N 76 143 219 %'linha 34,70% 65,30% 100,00% Res.'Est.'Aj. 1,7 A1,7 N 62 98 160 %'linha 38,80% 61,30% 100,00% Res.'Est.'Aj. 2,7* A2,7* N 188 430 618 %'linha 30,40% 69,60% 100,00% 18A34 35A54 >=55 Total
mais velhos e cerca de 91,5% destes declara não ter sentido raiva no último dia (tabela 16)93.
Tabela 16 -‐ Escalões etários por sentir raiva
Nota: Os valores apresentados referem-‐se aos resíduos estandardizados e ajustados entre categorias. * indica significância estatística (|Z|>1,96; nível de significância de 0,05). Os valores realçados a negro indicam uma associação positiva entre as categorias.
Foi possível identificar ainda uma associação entre este sentimento e o nível de instrução, penalizando com tristeza os que detém graus de escolaridade mais baixos (1º e 2º ciclo), e verificando-‐se uma menor probabilidade de incidência entre os respondentes com níveis de instrução mais elevados (universitário) 94. No mesmo sentido, encontramos diferenças relacionadas com a situação profissional sendo que a percepção de tristeza é mais comum entre os reformados e os desempregados95.
93
𝑋2(2)=6,183, 𝑝=0,04. 94
Entre nível de instrução e sentir tristeza: 𝑋2(2)=40,009; p<0,001, com resíduos estandardizados e
ajustados com significância estatística 𝑝<0,05 entre as categorias sentir tristeza e 1º/2º ciclo (𝑅ij=6,3) e sentir tristeza e universitário (𝑅ij=-‐3,4). A tabela que sustenta esta análise pode ser
consultada em anexo (Anexo 3, página 359).
95
Entre situação profissional e sentir tristeza: 𝑋2(4)=27,117; p<0,001, com resíduos estandardizados
e ajustados com significância estatística 𝑝<0,05 entre as categorias sentir tristeza e reformados
!Sentiu!raiva Não!sentiu!raiva Total
N 35 206 241 %!linha 14,50% 85,50% 100,00% Res.!Est.!Aj. 0,3 A0,3 N 38 181 219 %!linha 17,40% 82,60% 100,00% Res.!Est.!Aj. 1,8 A1,8 N 14 150 164 %!linha 8,50% 91,50% 100,00% Res.!Est.!Aj. A2,3* 2,3* N 87 537 624 %!linha 13,90% 86,10% 100,00% 18A34 35A54 >=55 Total
Questionámos ainda se a percepção de tristeza poderia estar relacionada com a percepção acerca da suficiência dos rendimentos para o dia-‐a-‐dia. Através do teste de independência do qui-‐quadrdo avaliámos a relação entre estas variáveis. Os resultados indicam uma maior probabilidade de ocorrer tristeza entre aqueles que percepcionam a sua remuneração como insuficiente ou que sentem muitas dificuldades em viver com a sua remuneração actual96 Ao
contrário, destaca-‐se a menor probabilidade de tristeza entre os inquiridos que declaram viver confortavelmente com os seus rendimentos (tabela 17).
Tabela 17 -‐ Percepção acerca do rendimento por sentir tristeza
Nota: Os valores apresentados referem-‐se aos resíduos estandardizados e ajustados entre categorias. * indica significância estatística (|Z|>1,96; nível de significância de 0,05). Os valores realçados a negro indicam uma associação positiva entre as categorias.
Refira-‐se ainda que os resultados sugerem uma relação significativa entre o escalão de rendimento e a variável tristeza (avaliadas através do teste de independência do qui-‐quadrado), diminuindo a probabilidade de sentir tristeza
(𝑅ij=2,1) e sentir tristeza e desempregados (𝑅ij=4,2). A tabela que sustenta esta análise pode ser
consultada em anexo (Anexo 3, página 360).
96 𝑋2(3)=36,483; p<0,001. Sentiu'tristeza Não'sentiu' tristeza Total N 20 107 127 %'linha 15,70% 84,30% 100,00% Res.'Est.'Aj. A4,0* 4,0* N 84 225 309 %'linha 27,20% 72,80% 100,00% Res.'Est.'Aj. A1,8 1,8 N 52 63 115 %'linha 45,20% 54,80% 100,00% Res.'Est.'Aj. 3,8* A3,8* N 32 34 66 %'linha 48,50% 51,50% 100,00% Res.'Est.'Aj. 3,4* A3,4* N 188 429 617 %'linha 30,50% 69,50% 100,00% Difícil'viver'com'o'rendimento'actual Muito'difícil'viver'com'o'rendimento'actual O'rendimento'actual'permite'viver' confortavelmente O'rendimento'actual'dá'para'viver Total
com o aumento do escalão de rendimento do agregado familiar97. Da mesma forma, os efeitos da situação económico-‐financeira no dia-‐a-‐dia estão também estatisticamente relacionados com sentir tristeza98. No mesmo sentido, verifica-‐se uma maior associação entre ter sentido raiva e o estar desempregado99 e os inquiridos que consideram muito difícil viver com o rendimento actual100.
Sendo a tristeza o sentimento antagónico de felicidade, esperava-‐se que os resultados traduzissem esta oposição. Mobilizámos o teste de independência do qui-‐quadrado para testar esta relação. De facto, entre os inquiridos que referem ter sentido tristeza há uma elevada probabilidade de não terem sentido felicidade (tabela 18)101.
97
Entre escalão de rendimento e sentir tristeza: 𝑋 2(4)=28,612; p<0,001, com resíduos
estandardizados e ajustados com significância estatística 𝑝<0,05. A tabela que sustenta esta análise pode ser consultada em anexo (Anexo 3, página 360).
98
Entre sentir tristeza e sentir efeitos da crise: 𝑋2(1)=4,317; p=0,038, com resíduos estandardizados
e ajustados com significância estatística 𝑝<0,05 entre as categorias sente efeitos da crise e sentir tristeza (𝑅ij=2,1). A tabela que sustenta esta análise pode ser consultada em anexo (Anexo 3,
página 361).
99
Entre sentir raiva e situação profissional: 𝑋2(4)=11,558; p=0,021, com resíduos estandardizados e
ajustados com significância estatística 𝑝<0,05 entre as categorias desempregado e sentir raiva (𝑅ij=2,8). A tabela que sustenta esta análise pode ser consultada em anexo (Anexo 3, página 361).
100 Entre sentir raiva e percepção rendimento:
𝑋2(3)=9,167; p=0,027 com resíduos estandardizados
e ajustados com significância estatística 𝑝<0,05 entre as categorias desempregado e sentir raiva (𝑅ij=2,2). A tabela que sustenta esta análise pode ser consultada em anexo (Anexo 3, página 362). 101
Tabela 18 -‐ Sentir felicidade por sentir tristeza
Nota: Os valores apresentados referem-‐se aos resíduos estandardizados e ajustados entre categorias. * indica significância estatística (|Z|>1,96; nível de significância de 0,05). Os valores realçados a negro indicam uma associação positiva entre as categorias.
A análise da percepção de tristeza e de raiva permite concluir que a forma de experimentar estes sentimentos não é semelhante em todo o tecido social, contribuindo para a confirmação da hipótese de diferenciação social das formas de sentir.
6.3. Sorridente/risonho e gozo
Vimos anteriormente que o sorriso – e mais especificamente o sorriso Duchenne ou sorriso verdadeiro – constitui um indicador da expressão emocional de felicidade (Ekman et al., 1990).
Da mesma forma, a imagem normalmente associada a felicidade é o sorriso, sendo disso exemplo o ícone smile, amplamente difundido pelos media e partilhado como forma de comunicação e de expressão deste sentimento.
Sorrir constitui uma experiência positiva e resulta da situação imediata mas também de valores culturais e aprendizagem social. Mas sorrir tem também consequências fisiológicas e cognitivas: aumenta os afectos positivos, a percepção de adequação social e tem efeito de contágio, ou seja, sorrir desencadeia sorrisos
Sentiu'tristeza Não'sentiu'tristeza Total
N 103 375 478 %'linha 21,50% 78,50% 100,00% Res.'Est.'Aj. A8,8* 8,8* N 83 54 137 %'linha 60,60% 39,40% 100,00% Res.'Est.'Aj. 8,8 A8,8* N 186 429 615 %'linha 30,20% 69,80% 100,00% Total Não'sentiu'felicidade Sentiu'felicidade