• Nenhum resultado encontrado

2.2 TURFEIRAS E SUA CLASSIFICAÇÃO

2.2.2 CLASSIFICAÇÃO GEOLÓGICA

2.2.2.2 Turfeiras associadas a ambiente deltaico

Conforme anteriormente mencionado, as turfeiras constituem precursores e análogos modernos dos depósitos de carvão. Em vista deste fato, o grupo de pesquisadores liderados por Arthur Cohen e Peter McCabe julga importante o estudo conjunto destes depósitos uma vez que características peculiares a cada um refletem-se no outro e, desta forma, a precisa identificação e caracterização de determinadas feições auxiliam no entendimento mútuo da origem e transformações pelas quais ambos passaram.

Carvões originados de ambientes deltaicos apresentam geometria tabular, teores elevados em cinzas e enxofre e são constituídos de remanescentes vegetais não lenhosos; todos os tipos de deltas são possíveis de conter camadas de carvão, sejam eles dominados por rios, ondas ou marés.

Estes carvões representam os tipos mais discutidos no meio geológico. McCabe (1984) afirma que a maioria dos depósitos comerciais de carvão tem sido interpretada, ao menos em alguma etapa de seu desenvolvimento, como sendo deltaica, não sendo raro geólogos argumentarem pertencer a este ambiente toda seqüência sedimentar que apresente camadas de carvão.

Cohen (1984), contrapondo-se, afirma que a formação de turfa não é provável em deltas ativos uma vez que a sedimentação inorgânica domina nestes ambientes. Modelos deposicionais utilizados para interpretar carvões antigos protegidos por ilhas-barreira representam tais depósitos como ocorrendo atrás destas estruturas e ao pé do lobo deltaico. O desenvolvimento de turfeiras atrás de ilhas-barreira situadas na porção frontal do lobo deltaico é geralmente raro, exceto, possivelmente, no caso de

depósitos domeados originados por elevada precipitação pluviométrica, isolados da ação destrutiva da água do mar e isentos de sedimentação clástica.

McCabe (1984) tece considerações bastante pertinentes acerca desta pretensa associação do ambiente deltaico formador de turfas frente à possibilidade de formação de depósitos de carvão de valor comercial, sucintamente reproduzidas a seguir.

Estudos realizados nos atuais deltas do Mississipi, Niger e Mahakan (Indonésia) revelaram que os sedimentos orgânicos neles depositados não constituem turfas verdadeiras tendo em vista os constituintes clásticos presentes, fato que eleva sobremaneira o teor de cinzas destas turfas; o autor julga que o termo turfa foi utilizado sem o devido cuidado técnico por muitos dos pesquisadores que trabalharam nestas áreas.

Constatações semelhantes ocorrem em outros ambientes costeiros, notadamente naqueles de mangue.

Tendo em vista que estes análogos modernos de sedimentação orgânica, a julgar pelos exemplos acima, dificilmente originariam carvões puros, o autor chega a conjecturar que carvões com baixo teor de cinzas, possivelmente originados de turfas com alto teor de cinzas, foram submetidos a algum processo que pudesse atenuar tal parâmetro - de vital importância ao rank dos carvões - durante os estágios de carbonificação. Aventa, como principal possibilidade, a lixiviação de inorgânicos pelos ácidos produzidos pela decomposição da matéria orgânica, o que poderia originar depósitos argilosos predominantemente cauliníticos, imediatamente sotopostos aos carvões, conhecidos como “underclays” ou “fireclays”; esta situação é atualmente encontrada no delta do Mississipi. Por outro lado, é possível, também, a existência de depósitos de arenitos quartzosos sotopostos, extremamente puros e com cimento silicoso, apresentando alto grau de depleção de feldspatos e outros constituintes, muito comuns nas regiões carboníferas da Inglaterra e conhecidos como “ganisters”.

McCABE pondera, entretanto, que a lixiviação não seria aplicável a quartzo e caulinita associados às turfas e que, portanto, o elevado teor de cinzas nestas últimas não seria adequadamente reduzido enquanto o swamp for “ativo” relativamente ao influxo de clásticos. A lixiviação teria de ocorrer numa situação pós soterramento para transformar tais turfas em carvões puros, o que não parece ser muito provável: a acidez deve sofrer sensível redução com o soterramento tendo em vista o envolvimento por um lençol freático caracterizado por águas com pH próximo à neutralidade.

Desta forma, McCABE conclui que carvões puros devem ter sido originados de turfas puras e que a relação turfa - sistemas clásticos não é tão singela quanto o desejado por muitos modelos deposicionais. Considera como 3 as possibilidades para a formação de carvões de valor comercial e que no mínimo um destes três fatores foi importante na sua formação:

• a composição química das águas do swamp defenderam-no do influxo de clásticos;

• a turfa formou-se em turfeiras flutuantes (floating swamps) ou domeadas (raised swamps), as quais, por sua natureza física, são naturalmente protegidas do influxo de clastos;

McCabe (1984) sugere que o último destes fatores seja provavelmente o mais importante e crê que a maioria dos carvões tenha sido depositada longe da influência clástica; são, portanto, temporalmente distintos dos leitos clásticos sobre e sotopostos. Nos casos de evidente contemporaneidade das camadas da seqüência sedimentar, um dos outros fatores foi presumivelmente mais importante.

Um dos principais exemplos situa-se no baixo curso do rio Baram, região de Sarawak, ao sul do continente asiático, progradante sobre o Mar do Sul da China (CAMERON et al., 1989).

Trata-se de um grande depósito de clima tropical, localmente ombrotrófico (evidenciado pela morfologia convexa), com espessura variável de 1 a 12 metros, assentado sobre argilas e areias depositadas pela progradação do rio Baram durante o Holoceno. As cabeceiras do rio Baram situam-se nos limites do embaiamento original, formado durante o último nível marinho máximo na região, datado de 4000-5400 AP. Desde este período o embaiamento vem recebendo a sedimentação progradante do rio rumo ao norte numa extensão próxima de 50Km; nesta superfície desenvolveram-se extensos depósitos de turfa.

Anderson (1964, apud CAMERON et al., 1989) postula um modelo de sedimentação para explicar a acumulação de turfa conforme descrito a seguir.

As planícies aluviais argilosas são, inicialmente, colonizadas por vegetação típica de mangue; alterações ambientais conduzem à instalação de vegetação arbustiva e arbórea progressivamente mais adaptada à água doce em substituição àquela de mangue; originam-se os primeiros leitos de turfa. A vegetação de mangue acompanha a expansão da planície rumo ao mar constituindo-se numa franja na extremidade dos lobos deltaicos.

O avanço da sedimentação deltaica se dá concomitantemente à agradação do rio e conseqüente formação de diques marginais, que escudam as margens da planície contra a invasão de sedimentos; desta forma, a vegetação de água doce no interior dos interflúvios origina turfa praticamente desprovida de clásticos, exceto quando de grandes inundações. A sedimentação contemporânea de turfa na planície e inorgânica nos diques resulta em depósitos de turfa com base ligeiramente côncava (figura 10).

Figura 10 – Seções esquemáticas dos estágios de formação de turfa contemporânea à acumulação de clásticos (extraído de CAMERON et al., 1989)

Quando o acúmulo de turfa excede a sedimentação clástica nos diques, os depósitos turfáceos adquirem forma domeada ou convexa, reduzindo ainda mais as inundações para o seu interior. Sem o efeito da neutralização, fruto do afluxo de enchentes, as turfas tornam-se extremamente ácidas devido à decomposição da matéria orgânica. A acidez do meio diminui a atividade microorgânica, com a conseqüente diminuição da taxa de decomposição.

Para McCabe (1984), para estes casos onde a sedimentação nos interflúvios é mais rápida que a agradação na área ativa do canal, é provável o desenvolvimento de pacotes espessos e domeados de turfa, com consideráveis impactos nos processos sedimentares, significativa redução nas taxas de

geometria similar pode resultar mesmo que o crescimento dos pacotes turfáceos apenas acompanhem a agradação no canal uma vez que as águas ácidas do swamp podem confinar os clásticos fluviais a uma estreita faixa ao longo do canal (figura 11).

Figura 11 – Modelo teórico da arquitetura de depósitos fluviais em planície deltaica, originando turfeiras domeadas, aplicável ao caso do Rio Baram (Sarawak) (extraído de McCABE, 1984)