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Foto 2 Vista aérea de Maragogi, porção Sudoeste

1.1 Desenvolvimento do Turismo

1.1.2 Turismo no mundo contemporâneo

Estudos sobre a história do turismo demonstram que a origem desta prática sucede acompanha o decorrer da história (LEAKEY apud BARRETTO, 1995, p.44). Porém a sua importância como atividade econômica e cultural somente começou a se destacar a partir do século XIX, como consequência da Revolução Industrial. O turismo moderno surgiu com as primeiras viagens organizadas, possibilitadas pela modernização dos navios e demais meios de transportes, além do apoio logístico das primeiras redes hoteleiras. Contudo, era uma prática relativamente cara e realizada por pessoas pertencentes às altas classes sociais. O poder econômico para viajar deixou de ser privilégio dessas elites sociais apenas na segunda metade do século XX. E foi no mundo contemporâneo que a classe média ocidental agregou em larga escala o hábito de viajar, e o produto turístico passou a ser consumido massivamente (FONSECA, 2005).

As mudanças na economia e nos meios de produção global permitiram a materialização e expansão do hábito de viajar, através de um maior número de pessoas com acesso ao trabalho, a regulamentação de férias, fins de semana livres e feriados; melhorias na segurança; e crescimento nos níveis de alfabetização. O dinamismo da globalização levou a um célere crescimento das cidades, aumento demográfico metropolitano, ritmos de vida acelerados e ao surgimento de novos conflitos urbanos. Esses problemas trouxeram consequências negativas para a vida da população urbana e impulsionou nelas o desejo de procurar uma ‘fuga’ temporária do seu cotidiano, das grandes metrópoles (RYKWERT, 2004, p.216). Como consequência, o crescimento massivo desta prática faz do turismo uma atividade econômica que continua em ascensão. Não é por acaso que Trigo (1993) posiciona o turismo entre os três principais segmentos econômicos do mundo, juntamente com a indústria automobilística e de petróleo. Segundo Falcão (1999, p. 65),

[...] o turismo e o lazer surgem como via potencial de integração de alguns países ou regiões periféricas, constituindo-se assim numa nova fronteira modal e territorial do processo de acumulação.

Evidenciando o pensamento de Falcão (1999), o crescimento da atividade turística acompanha a nova realidade internacional, caracterizada pela terceirização dos serviços no processo de globalização, cooperando, contraditoriamente, para a integração dos espaços e empregando funções e serviços em lugares específicos, em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, incluindo lugares que antes se encontravam muito isolados.

Como consequência, a exploração da atividade turística tem sido responsável pela reorganização do território de vastas regiões em várias partes. Além disso, adoção do modelo neoliberal2, em praticamente todas as economias mundiais, determina que cidades passem a ser cada vez mais competitivas para a conquista de mercado. E é neste cenário que o turismo se desenvolve e se insere nas comunidades (CRUZ, 2006). Entretanto o turismo, sob a égide neoliberal, tende a beneficiar setores privilegiados da sociedade em detrimento da população geral, apesar de as políticas oficiais do turismo ter como uma das suas metas o desenvolvimento local.

A despeito disso, o turismo é defendido por grande parte dos atores envolvidos no processo turístico pelos seus impactos positivos. Por exemplo, Ruschmann (2006) menciona a contribuição do turismo na criação de renda e empregos locais, evitando o êxodo rural, além de proporcionar à comunidade receptora elevação dos níveis cultural e profissional, expansão do setor da construção e modificação positiva da estrutura econômica e social.

Outra característica da atividade turística é a sua capacidade multiplicadora (McINTOSH, 2003), pois o turismo movimenta e articula outros segmentos da economia, como agricultura, pesca, artesanato, construção civil, mercado imobiliário, setor de transportes e logística, comunicação, marketing, comércio e várias outras       

2 Modelo de desenvolvimento neoliberal compreende um conjunto de idéias políticas e econômicas capitalistas que defende a

não participação do estado na economia, para que haja total liberdade de comércio e assim possibilite o crescimento econômico e desenvolvimento social. Foi adotado a partir da década de 1970 em diversas economias mundiais dentre elas Estados Unidos (Ronald Reagan) e Reino Unido (Margaret Thatcher), como também em países em processo de desenvolvimento, dentre eles Chile (Augusto Pinochet) e Brasil (Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso). Apresenta entre suas características: a redução de gastos públicos de cunho assistencial como educação, previdência social e outras; somente beneficia as grandes potências econômicas e empresas multinacionais; privatização de estatais, base da economia formada por empresas privadas; etc. Estudos (SUNDARAN & BAUDOT) sobre este modelo apontam que ele vem gerando aumento da desigualdade social e dos índices de pobreza, maior concentração do poder econômico e a liberalização dos fluxos de capitais financeiros saíram dos países mais pobres para beneficio dos mais ricos internacionais, todas causadas pelo desemprego, a incidência de baixos salários, aumento das diferenças sociais e a dependência do capital internacional.

atividades amplamente ligadas aos empreendimentos turísticos. Por isso, a cadeia produtiva do turismo permite que haja uma absorção de mão de obra nos mais diversos níveis de qualificações, o que é visto como positivo para regiões subdesenvolvidas com níveis de educação reduzidos. Esse efeito multiplicador pode atrair para a localidade receptora outras atividades produtivas e de serviços, o que, em tese, pode contribuir para o desenvolvimento local e para melhorias na qualidade de vida da população residente nas comunidades envolvidas.

Entretanto, Castilho (2000), Cruz (2006) e Rodrigues (2006) consideram que os aspectos positivos normalmente relacionados ao turismo são irrelevantes diante dos efeitos negativos que essa atividade proporciona. Estes autores têm como base para seus argumentos suas próprias pesquisas. Castilho em relação ao desenvolvimento socioespacial local em Recife (CASTILHO, 2000); Cruz em sua análise sobre o modelo de turismo praticado no Brasil (CRUZ, 2000, CRUZ, 2006); e Rodrigues em sua observação acerca da formação de bolsões de pobreza após a

turistificação3, em cidades como Campos do Jordão e Guarujá (RODRIGUES, 2006).

Nesses estudos, aponta-se a deflagração dos impactos econômicos negativos refletidos diretamente na população residente, na forma de inflação de produtos comercializados localmente; especulação imobiliária, levando ao aumento excessivo no preço de terrenos e imóveis residenciais; efeitos da sazonalidade na renda da população, com redução da renda em períodos de baixa temporada; subordinação excessiva da economia ao turismo, o que leva a população a depender em demasia da empregabilidade deste setor; e reprodução de bolsões de pobreza ao redor da localidade turística, que são formados, em sua maioria, por novos residentes que buscam oportunidades de emprego no turismo.

Outra desvantagem do advento do turismo, apontada por Rodrigues (2006, p. 308), são os altos custos sociais que esta atividade acarreta para a população residente. Esses custos são reflexos dos investimentos relativos à manutenção e ampliação de obras de infraestrutura para a estruturação do turismo, tais como: implantação de rede elétrica, de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, entre outras. As melhorias apontadas são circunstancialmente desnecessárias ou escassamente utilizadas pela população residente. Contraditoriamente ao discurso dominante, partes do mesmo lugar localizadas fora do raio da atividade turística,       

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Turistificação - termo usado para expressar o processo de requalificação de espaços para transformá-los em propícios para o desenvolvimento da atividade turística.

embora próximas, permanecem sem infraestrutura básica e serviços fundamentais para o desenvolvimento humano. Segundo Rodrigues (2006, p.308), “[...] do ponto de vista social, trata-se de um modelo de turismo segregador e excludente”.

Além dos problemas socioeconômicos ligados ao turismo, o resultado dos fluxos sobre territórios sensíveis do ponto de vista ambiental, se não controlados podem gerar efeitos negativos, levando à perda da atratividade dos lugares. A exemplo disso, cita-se os efeitos do turismo nas Ilhas Baleares no Mar Mediterrâneo, que já tiveram no turismo 50% do seu PIB (EDGELL, 2006; HENRIQUES, 2003) e sofreram efeitos negativos em seu território, como resultado da erosão do solo, poluição das águas, agressão à fauna e flora subaquáticas, acelerado esgotamento dos reservatórios de água potável, e perda de identidade cultural, linguística e do patrimônio imaterial (SALVÁ, 1999; MARCHENA,1995). Segundo Paiva (1999), em países em desenvolvimento geralmente o turismo se expande com base no emprego de mão de obra barata. Além disso, as melhorias na infraestrutura e nos serviços, geradas pela atividade turística se tornam largamente inacessíveis à população autóctone, visto o seu baixo poder aquisitivo.

Apesar da identificação de tais problemas por diferentes autores, há mais de 50 anos órgãos oficiais de turismo têm associado a atividade à questão do desenvolvimento tendo por base a expectativa de crescimento econômico e a consequente criação de empregos. O principal organismo internacional responsável pela regulamentação das ações da atividade turística no mundo é a Organização Mundial do Turismo (OMT). Sua criação ocorreu em 1946 durante o Primeiro Congresso Internacional de Organismos de Turismo Nacional, em Londres, e substituiu a antiga União Internacional de Organizações Oficiais de Viagens (IUOTO). Atualmente serve como principal fomentador de conhecimento do setor turístico e mentor das ações deliberativas da atividade. A OMT tem como objetivo principal a promoção do desenvolvimento do turismo responsável, principalmente no que se refere aos países em desenvolvimento, com ênfase no papel do turismo no desenvolvimento local e na melhoria da qualidade de vida nas comunidades hospedeiras (OMT, 2011).

Os efeitos negativos gerados pelo turismo em sociedades frágeis socioeconomicamente e a atual mudança de paradigma de desenvolvimento, que incorpora a preservação ambiental e o desenvolvimento focados no capital humano, fez com que a OMT tomasse uma postura mais consciente em sua atuação, na

adoção de diretrizes (Quadro 1), para que o turismo sirva como instrumento de redução das desigualdades sociais, atrelado à conservação ambiental.

Quadro 1 – Diretrizes para do desenvolvimento do turismo sustentável

DIRETRIZES DA OMT PARA O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO

ESTABELECER MODELOS ECONÔMICOS QUE AUXILIEM NA DEFINIÇÃO DE NÍVEIS E TIPOS APROPRIADOS DE ATIVIDADES ECONÔMICAS PARA AS ÁREAS URBANAS E NATURAIS;

ELABORAR PESQUISA SOBRE EFEITOS AMBIENTAIS, CULTURAIS E ECONÔMICOS;

DESENVOLVER PADRÕES E REGULAMENTOS PARA AVALIAR IMPACTO AMBIENTAL E CULTURAL; MONITORAR E PROMOVER AUDITORIA EM DESENVOLVIMENTOS TURÍSTICOS EXISTENTES E PROPOSTOS;

INCLUIR O TURISMO NO PLANEJAMENTO DO USO DO SOLO PARA MINIMIZAR O CONFLITO COM OS USOS TRADICIONAIS E ASSEGURAR QUE AS CAPACIDADES DE CARGA DOS DESTINOS TURÍSTICOS REFLITAM OS NÍVEIS SUSTENTÁVEIS DE DESENVOLVIMENTO E DE QUE ESTEJAM SENDO MONITORADAS E AJUSTADAS DE FORMA ADEQUADA;

DESENVOLVER PADRÕES DE DESIGN E DE CONSTRUÇÃO CAPAZES DE ASSEGURAR QUE OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO ESTEJAM EM HARMONIA COM A CULTURA LOCAL E OS AMBIENTES NATURAIS;

DESENVOLVER INSTRUMENTOS E TÉCNICAS ADEQUADOS À ANÁLISE DO EFEITO NOS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO SOBRE OS LOCAIS RELACIONADOS AO PATRIMÔNIO E AOS MONUMENTOS ANTIGOS, COMO PARTE INTEGRAL DA AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS CULTURAL E AMBIENTAL;

REFORÇAR O CUMPRIMENTO DOS REGULAMENTOS PARA EVITAR O COMÉRCIO ILEGAL DE OBJETOS HISTÓRICOS E DE ARTESANATO, A PESQUISA ARQUEOLÓGICA QUE NÃO SEJA OFICIAL, O DESGASTE DOS VALORES ESTÉTICOS E A PROFANAÇÃO DOS LOCAIS RELIGIOSOS; CRIAR JUNTAS DE CONSULTORIA TURÍSTICA QUE ENVOLVAM A POPULAÇÃO LOCAL, O PÚBLICO EM GERAL, O TRADE TURÍSTICO, AS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS E OUTROS, E INCLUAM TODOS OS COLABORADORES NO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÕES; DESENVOLVER PROGRAMAS EDUCACIONAIS E DE CONSCIENTIZAÇÃO PARA O PÚBLICO;

INSTRUIR TODOS OS DEPARTAMENTOS GOVERNAMENTAIS ENVOLVIDOS COM O TURISMO OU DEPARTAMENTOS RELACIONADOS AO TURISMO (RECURSOS NATURAIS, PRESERVAÇÃO HISTÓRICA, ARTES E OUTROS);

TRABALHAR EM CONJUNTO COM ORGANIZAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS;

IMPLEMENTAR SISTEMAS REGIONAIS DE PRESTAÇÃO DE CONTAS EM TERMOS AMBIENTAIS PARA A ATIVIDADE TURÍSTICA. Fonte: Dados compilados da Organização Mundial do Turismo (2003, p. 134). 

Estas diretrizes foram criadas para que o turismo ocorra baseado nos princípios de desenvolvimento sustentável, ou seja, numa nova lógica de crescimento econômico em que todas as atividades produtoras devam seguir critérios socioambientais para a garantia da sustentabilidade, como conservação do capital natural e cultural. No entanto, todas as diretrizes identificadas acima ainda são adotadas morosamente em países em desenvolvimento como resultado da ausência de políticas públicas focadas no planejamento e na gestão continuada da atividade (DIAS, 2008; LICKORISH & JENKINS, 2000).