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4. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL DO CONSUMIDOR EM FACE

4.1 A TUTELA CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR

O discurso do presidente norte-americano John F. Kennedy, em 1962, é considerado o princípio da reflexão jurídica mais profunda sobre o direito consumerista. No referido pronunciamento, o presidente enumerou os direitos do consumidor e os considerou como desafio necessário para o mercado. A novidade surgiu da consideração que, em algum momento da vida, tem-se o status deste sujeito, “somos todos consumidores”, “este papel social e econômico, estes direitos e interesses legítimos, que são individuais, mas também são os mesmos nos grupos identificável (coletivos) ou não (difuso),”52

é o que se define como consumidor na contemporaneidade.53*

Desde então, surgiram outras iniciativas que contribuíram para o desenvolvimento da regulamentação das relações consumerista. Destaca-se a Resolução n° 2.542 da ONU que buscava fomentar o progresso e o desenvolvimento social através da disciplina de tais relações. Em 1973, em Genebra, a Comissão de Direitos Humanos da ONU realizou uma sessão, na qual enunciou os direitos fundamentais e universais do consumidor, direitos estes que são assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, condensados em seu artigo 6°. As “Diretrizes para a Proteção do Consumidor” correspondem à Resolução n° 39/248, editada durante a realização da

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MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. 18. ed. Trad. Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.___. Cultura de massas no século XX o espirito do tempo – I neurose. 4. ed. Rio de Janeiro Forense, 1977.

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MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. p.1364. 3. ed. rev. e atual. São Paulo, SP : Saraiva, 2008.

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MARQUES, Claudia Lima. Introdução ao Direito do Consumidor p. 32 In: BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor – 5 ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. 53

PAZ, Leonardo Silva. A indenização por danos morais prevista no código de defesa do consumidor: análise crítica acerca das funções punitivas e inibitória. Monografia. Faculdade de Direito – Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2017, p. 49

assembleia, em 16 de abril de 1985, que visava oferecer aos governos um conteúdo programático com o objetivo de solucionar conflitos, advindos das relações consumeristas, ainda que não tivesse função imperativa54.

O Constituinte brasileiro, com esteio na teoria de Robert Alexy, segundo a qual “os direitos humanos só podem desenvolver seu pleno vigor quando garantidos por normas de direito positivo, isto é, transformados em direito positivo”,55

cuidou de garantir os direitos do consumidor como direito e princípio fundamental, bem como determinou ao legislador a realização do Código de Defesa do Consumidor, um sistema normativo que fosse capaz de garantir a proteção estabelecida pela Constituição. Consagrando, assim, um novo microssistema de direitos e deveres imanentes às relações de consumo, “aproxima de modo mais efetivo suas proposições normativas dos fatos da vida que regula”56

Nesse novo contexto, a proteção jurídica do consumidor pelo Estado se legitima em razão de sua fragilidade frente ao mercado; este, em sua atual conformação massificada ocasiona, sob diversos aspectos, potencial e constante ofensa a interesses materiais e existenciais do consumidor57. As mudanças profundas na nossa sociedade e a conscientização da extrema massificação da produção, da distribuição e do consumo em geral que se vive atualmente na terceira revolução industrial, com a globalização proporcionaram tais transformações. Entende-se, pois, que estas mudanças da economia e da sociedade eleveram “exponencialmente a vulnerabilidade dos consumidores e levaram o direito a preocupar-se de forma tão profunda com sua tutela especial, criando um novo direito de consumidor”58

.

A Constituição Federal de 1988 reconhece a vulnerabilidade do consumidor, e, nas oportunidades em que determina que o Estado regule as relações consumeristas ou quando coloca limites a parâmetros para a atividade econômica, o texto maior prevê a sua defesa, o que evidencia que

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Idem, p. 49. 55

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais - p. 93 São Paulo: Malheiros Editores, 2008

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MIRAGEM, op. cit. p. 47 57

ZABAN, Breno. BESSA, Leonardo Roscoe. Vulnerabilidade do Consumidor – Estudo empírico sobre a capacidade de tomada de decisões financeiras por interessados na compra de imóveis. P. 212. Revista de Direito do Consumidor. Vol. 101 ano 24 p. 209 - 237. São Paulo: Ed. RT, set - out 2015

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este precisa mesmo de proteção59. A especificidade do regime de defesa do consumidor, individual e coletivamente, encontra-se atualmente cercado de mecanismos próprios de tutela, nos quais se consagram conquistas já obtidas no direito comparado em países desenvolvidos. A Carta de 1998 imprimiu esta organicidade e institucionalizou a matéria, “no âmbito constutucional, os direitos coletivos e as garantias correpondentes”60

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Desta forma, surge o CDC de expressa determinação constitucional61, objetivando a proteção do consumidor, sujeito específico, titular de um direito subjetivo constitucional- “um novo sujeito pós- moderno de direito” como definiu Claudia Lima Marques. A referência à relação de consumo, realizada pela Lei 8.078/ 90 apresenta-se como uma estratégia legislativa, cujo objetivo é identificar a partir desta um de seus sujeitos e determinar-lhe proteção, a começar da consagração do direito do consumidor como direito fundamental (artigo 5°, XXXII); seu estabelecimento como princípio de ordem econômica (artigo 170, V); e previsão expressa da competência legislativa da União para legislar sobre sobre responsabilidade por danos causados62.

O reconhecimento dos direitos editados no CDC e a instituição do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor surgem da ruptura da ordem tradicional que se esmerava na defesa de interesses privados. Tais parâmetros representam uma nova era para as relações de consumo, proporcionando ao indivíduo a satisfação real de seus interresses, concebida a partir do assentamento da referida ruptura na Constituição de 198863.

Se realizada uma digressão cronológica na legislação, é possível observar que, em vários campos, extensa regulamentação tem complementado o regime referente à proteção das relações consumeristas. Entre tantas leis, colacionadas cuidadosamente por Carlos Alberto Bittar em sua obra “Direito do Consumidor”64 ,

à qual remete-se o leitor para uma análise mais detalhada, pode-se observar tentativas esparsas de proteção ao

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NUNES. Luis Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. P.74 – 6 ed. rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2011.

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BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor: código de defesa do consumidor. P. 7.- 3ª Ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991

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artigo 48 do ADCT. 62

MIRAGEM, op. cit p. 48 63

BITTAR, op. cit. p. 15 64

consumidor, desde 1933, no âmbito penal, que definiam crimes contra a economia popular; a repressão ao abuso de poder econômico; criação de órgão próprio para o julgamento de questões, a nível administrativo, o CADE. Em 1962, houve regulamentação da distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale- brindes. Entre outras normas pertinentes à seara penal, passando por legislações setoriais, como as de locação, mensalidades escolares entre outras, surgiram, em 1971, preceitos cujo objetivo era coibir as práticas de dominação do mercado, por meio de concentrações empresariais que eliminem ou dificultem a concorrência e indiretamente, amparavam os interesses dos consumidores. No plano contratual, houve a edição, em 1987, de norma que protegia os interesses dos usuários na transferência de tecnologia e no uso de software e regulava o conteúdo dos contratos, vedando certas cláusulas65.

Assim, surge o CDC, muito mais como uma filosofia de ação, segundo José Geraldo Filomeno Brito, do que um conjunto de normas inovadoras, em diversos aspectos legais; isto porque delineia uma política ou um conjunto de diretrizes que devem ser efetivadas para a proteção efetiva do consumidor, conforme emana a Constituição de 198866.

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