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N A H ISTÓRIA DA F OTOGRAFIA , O L UGAR DO R ECIFE

1.2. U MA HISTORIOGRAFIA DA FOTOGRAFIA NO B RASIL

Hoje não é mais possível dizer que a produção historiográfica sobre a fotografia no Brasil é pequena; é tanto que para traçarmos uma historiografia da fotografia no Brasil precisamos recorrer a uma seleção de textos que podem, também, melhor enquadrar nossos interesses num eixo temático correspondente e balizar nossa escrita. Temos consciência que muito da produção historiográfica sobre fotografia no Brasil ficará por lembrar e comentar, visto que não pretendemos esgotar o assunto nem determinar validades. É preciso salientar que a década de 1980 provou a viabilidade dos estudos sobre a fotografia e a imagem fotográfica. O que se pensou sobre fotografia antes desta década, no Brasil, afora os trabalhos pioneiros de Gilberto Ferrez, do Rio de Janeiro, ainda está para ser desvendado162. Estes estudos de 1980 começaram por colocar em evidência historiadores e pensadores, como o próprio Ferrez, que, para além do Brasil, influenciaram e tornaram a fotografia um campo do saber163.

Historiadores e antropólogos que estudam fotografia até recentemente anunciam que, por outro lado, há muito ainda por fazer, principalmente quando confrontados com as inúmeras coleções, acervos públicos e particulares ainda por investigar e em relação às inúmeras temáticas e perguntas que o estudo possibilita. A cada ano que passa, para além da superfície, vem à luz algumas dessas produções e coleções, em livros, revistas, na

internet ou através de documentários e percebemos o quão instigante são os estudos

fotográficos. A maioria desses autores reconhece que foi no pós-segunda guerra mundial que surgiram os primeiros trabalhos de história da fotografia no Brasil através dos referidos estudos de Gilberto Ferrez; estudos estes que pretendemos colocar em diálogo

162 Ricardo Mendes, da Unicamp, Campinas - SP, em banco de dados por ele criado, patrocinado com

recursos da Fundação VITAE, enumera alguns estudos de fotógrafos publicados antes de 1946. Disponível na Internet: <http://www.fotoplus.com/>. Acesso em: 14 ago. 2004.

163

Etienne Samain faz um balanço dos principais trabalhos que investigam fotografia fora do Brasil, entre estes enumera os de Roland Barthes, a partir de 1961, os de Phillippe Dubois (1986) e Jean-Marie Schaeffer (1987). Ver SAMAIN, Etienne. O Fotográfico. São Paulo: Hucitec/CNPq, 1998; BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. In: O Óbvio e o Obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [1961] 1990; DUBOIS, Philippe. op. cit; SCHAEFFER, Jean-Marie. A imagem precária. Sobre o dispositivo fotográfico. Campinas: Papirus, 1996.

com outras produções, contextualizando-os, desde a década de 1950 e priorizando o Recife.

Então, para começar, devemos lembrar o que nos conta “Cousas da Cidade”, coluna diária do jornal Diário de Pernambuco que, em abril de 1954, chama atenção para fotografias do Recife que são publicadas em livro recém lançado como segunda edição no Rio de Janeiro um ano antes, em 1953. O livro, utilizando a fotografia não apenas como ilustração, é considerado o primeiro estudo histórico sobre a fotografia como objeto de pesquisa no Brasil164. O trabalho foi publicado pela primeira vez em 1946, na revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e é marco da historiografia da fotografia no Brasil. Sua importância é tanta que voltou a ser publicado outras duas vezes depois da edição comentada pelo DP, em 1985 e em 1997, nas comemorações dos sessenta anos da referida revista, edição hoje esgotada.

Gilberto Ferrez, o autor do livro, nos dá um panorama dos principais fotógrafos nas principais cidades do país, suas casas fotográficas e as técnicas utilizadas nos anos pioneiros desde o daguerreótipo, que aqui chegou em 1840, através de um navio-escola francês, a corveta “L´Orientale”, no qual se encontrava o Abade Combes (Louis Compte), primeiro a retratar o Rio de Janeiro utilizando “uma certa máquina que aprisionava a luz e fixava as pessoas e as coisas em miniaturas tão perfeitas como a natureza as havia criado”

165. Acompanhando a trajetória de fotógrafos que atuaram nas principais cidades do país

até centrar-se no Rio de Janeiro, na figura de Marc Ferrez (1843 – 1923), um dos muitos “retratistas do Imperador”, são os chamados “fotógrafos paisagistas” o foco de interesse de Ferrez, por considerar que o pouco que resta de suas obras possui cada vez maior valor iconográfico, inclusive porque mostram as idades da cidade e as várias cidades numa

mesma166. Valor não reconhecido até então (1946). A biografia de Marc Ferrez exposta

neste estudo passou a ser também um viés entre os muitos possíveis de serem explorados

164FERREZ, Gilberto. A fotografia no Brasil e um dos seus mais dedicados servidores, op. cit.; reeditado

como “A fotografia no Brasil 1840-1990”, em 1985 pela Fundação Nacional de Arte – FUNARTE/Fundação Nacional Pró-Memória, Rio de Janeiro; o nº 26 da Revista do IPHAN – “60 anos: a revista”, 1997, reproduz o mesmo trabalho.

165

FERREZ, Gilberto, op. cit., p. 294.

166

Gilberto Ferrez é neto de Marc Ferrez, fotógrafo servidor do Imperador Pedro II, e bisneto do escultor Zeferino Ferrez que, com seu irmão também Marc, vieram juntar-se, em 1816, a Missão Artística Francesa trazida para o Rio de Janeiro por Dom João VI. Ver também CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 27 – 31, 44, 53 – 54, 64.

pelos que se dedicam à documentação fotográfica, como veremos adiante: acompanhar o trabalho e os lugares sociais, o “circuito social”, de um fotógrafo em sua época167.

Com Gilberto Ferrez o tema dos estudos da cidade através da fotografia no Brasil é então inaugurado; nele encontramos além das imagens de perfil urbano e - nos casos do Rio de Janeiro e Recife (um Rio menor, como dizia a imprensa de 1950), lugares difíceis de serem estudados por conta da natureza privilegiada, por sua beleza monumental - exemplares das fachadas do casario colonial congeladas antes das grandes intervenções urbanísticas que as modificaram168. Tanto nos estudos históricos de Ferrez, quanto nos daqueles que vieram imediatamente depois, nas décadas de 1980 e 1990, há uma preocupação em analisar principalmente a documentação fotográfica do século XIX, nossas primeiras fotografias que carecem inclusive de tratamento arquivístico, guardadas em acervos públicos e particulares. O fotografado está, neste período, naquilo que entendemos hoje como o ideal de reprodução do retrato - posado na maioria das vezes até por conta do longo tempo necessário à exposição -, fonte de acúmulo de capitais entre os “retratistas”, e das vistas de cidades, com os principais aspectos físicos e urbanos da paisagem, assim como os edifícios públicos notórios, exemplares de um processo de civilização e da criação de monumentos169. A esta última tarefa os Ferrez se dedicaram com maestria, o avô chegou a inventar mecanismos para melhor fotografar em situações adversas, como é o caso das imagens de marinhas e navios, motivos em que se tornou especialista; o neto, através de seus estudos fotográficos, trabalhou, para efetivar tombamentos de logradouros junto a instituições do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional170.

167

Ver ANDRADE, Ana Maria Mauad de Souza. Sob o signo da Imagem. Op. cit.

168

Sobre as transformações urbanísticas no Rio de Janeiro, ver: NEEDELL, Jefrey. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; também ARAÚJO, Rosa Maria Barboza de. A vocação do prazer. A cidade e a família no Rio de Janeiro Republicano. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. No Recife, ver: REZENDE, Antônio Paulo. O Recife: os

espelhos do passado e os labirintos do presente ou as tentações da memória e as inscrições do desejo.

São Paulo: PUC, 1999 (Projeto História nº18, maio, Espaço e Cultura), pp. 155-166; NAVSLAVSKY, Guilah. Modernidade arquitetônica no Recife. Arte, técnica e arquitetura, de 1920 a 1950. São Paulo: USP/FAU, dissertação de Mestrado, 1998; GOMINHO, Zélia. Veneza Americana X Mucambópolis. O Estado Novo na cidade do Recife. Recife: UFPE, Dissertação de Mestrado em História, 1997; OUTTES, Joel. Recife pregado à cruz das grandes avenidas. Contribuição à história do urbanismo (1927 – 1945). Recife: UFPE/MDU, 1991; BERNARDES, Denis. Recife, o Caranguejo e o viaduto. Recife: UFPE, 1996; PONTUAL, Virgínia. Uma cidade e dois Prefeitos: narrativas do Recife das décadas de 1930 a 1950. Recife: Editora da UFPE, 2001, e, da mesma autora, Tempos do Recife: representações culturais e configurações urbanas. In: Revista Brasileira de História nº 42. São Paulo: ANPUH/Humanitas, vol 21, 2003.

169

Ver LE GOFF, Jacques. Monumento. In: ROMANO, R. Memória e história. Enciclopédia EINAUDI, edição portuguesa – Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984.

170

“Cousas da Cidade”, usando o exemplo da arte dos Ferrez, a fotografia, salienta com orgulho que o aparecimento do daguerreótipo em Pernambuco aconteceu logo que foi “descoberto” na França, em 1839. Diz encantar, no “delicioso livro”, aquelas imagens do Recife e seus arrabaldes, feitas pelo fotógrafo alemão Augusto Stahl, em 1859. A nota, munida deste exemplo, questiona a afirmação que diz que o progresso para chegar ao Brasil demanda de, no mínimo, vinte e cinco anos. Para reforçar o questionamento, acentua que, no Recife, desde muito que se imprimem vistas como os desenhos de Schlappriz e as gravuras de F. H. Carls, sendo esta uma prática que prova o adiantamento desta cidade tal e qual o da “Côrte” 171.

172

O colunista, observador das imagens apresentadas no trabalho de Ferrez, não se

cansa de admirar os velhos sobradões do Recife que caracterizam a cidade173.

Reproduzidos neste livro, sua sóbria e discreta arquitetura é distinta do que chama de “abomináveis bolos de noivas” introduzidos pela engenharia portuária de avenidas novas,

aludindo às reformas com inspiração na belle époque francesa174. Aquela vista

171 Ver FERREZ, Gilberto. Raras e preciosas vistas e panoramas do Recife: 1755 – 1855. Rio de Janeiro:

Fundação Nacional Pró-Memória; Recife: Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE, 1984 (Coleção Pernambucana, 2ª fase). Neste livro Ferrez recupera imagens do Recife do período posterior a expulsão dos holandeses. Deste período, diz, nada se conhecia até 1946, quando Robert Smith publica um “Prospecto da villa do Recife vista pelo lado fronteiro à cidade de Olinda”, de 1801 [1759]. A cartografia do Recife neste trabalho é completada, entre outros, com panoramas e aquarelas pintadas por estrangeiros (franceses, alemães, ingleses, suíços) onde se acentua a vocação portuária da cidade, as transformações no Bairro de Santo Antônio (ilha de Antônio Vaz – a juntar-se com outra ilha que hoje é o Bairro de São José) e a expansão do Recife na planície adentro pelo bairro da Boa Vista. Ferrez coloca, como marco da história da arquitetura do Recife, a chegada do arquiteto francês Louis Lèger Vauthier em 1840, quando são promovidas transformações patrocinadas pelo Conde da Boa Vista. O Recife, diz, sofreu poucas modificações na primeira metade do século XIX, entre cerca de 1810 e 1840, o que é possível perceber em alguns panoramas, principalmente naqueles do período que vai de 1826 a 1832. Em relação a essas gravuras, foco de seu estudo, Ferrez anota, para o ano de 1825, a introdução da litografia no Brasil (Frederico Salathé; João Steinmann) e para 1827 (Secretan em Paris; Emeric Essex Vidal) as primeiras litografias do Recife; na análise dos panoramas (R. Schmidt), utiliza linhas e planos na leitura das imagens, localizando e discutindo os logradouros e suas características.

172

O Recife, panorama de R. Schmidt. In: FERREZ, Gilberto. Raras e preciosas vistas e panoramas do Recife: 1755 – 1855, op. cit.

173

O Recife é caracterizado como uma cidade magra, como o acidente por ela nomeado, magro como seus sobrados, vertical e de sobrevivência altiva como o “recifense”. Ver Pernambuco, sim! Gilberto Freyre, Mauro Mota, Roberto Cavalcanti. Guanabara: Agência Jornalística Image, 1974.

174

desaparecida, em sua linha pura e simples, faz, portanto, com que evoque um Recife já antigo, porém uma cidade cuja marca própria de eternidade, compara, é como se fora o Recife da arquitetura funcional de um Corbusier, triunfante nos idos da década de 1950175. É possível que o colunista compartilhasse da idéia de que a população do Recife estivesse bem adaptada ao sobrado e que inclusive, por sua magreza - como sinônimo de aristocracia e altura (Recife-homem-sobrado longo, vertical, de “sobrevivência altiva”) -, com ele se identificasse176.

Paradoxos à parte, são imagens do Recife. Mas o fato é que, ainda em 1954, no mês de maio, o DP publica uma foto e anuncia a presença de Gilberto Ferrez no Recife, para fazer uma exposição iconográfica prevista para o mês de setembro177. O acontecimento é comparado com o que Ferrez realizou em Petrópolis (RJ), e que resultou em livreto publicado naquela cidade em 1948, acontecimento não desconhecido de Alexandre Berzin. Esta exposição consta entre os eventos das comemorações do Tricentenário da Restauração Pernambucana (1654 – 1954), e anuncia-se que motiva o lançamento de um outro livro, um álbum, dedicado à fotografia de Pernambuco, lançado posteriormente em 1956178.

175

Diário de Pernambuco, quinta-feira, 15 de abril de 1954, p. 4. Le Corbusier (1887 – 1965), Charles-

Edouard Jeanneret. Arquiteto francês. Elaborou um urbanismo racionalista também chamado de urbanismo

funcionalista, marco da arquitetura moderna. Propunha uma cidade que funcionasse adequadamente para o

conjunto da população, distribuindo, entre todos, as possibilidades de bem-estar decorrentes dos avanços técnicos que deveriam ser combinados à alternativas políticas (de Estado) muito precisas, mas ainda utópicas, entre as décadas de 1930 e 1950. Ver: LE CORBUSIER. A carta de Atenas. São Paulo: Hucitec/EDUSP, [1941] 1993. Sobre o problema do “neo-colonial” freyriano, regional e inadequado pelo seu calor e insalubridade e sobre a posição a respeito das “linhas do passado que além de veneráveis por tão bonitas, possuem [...] em comum com o arranha-céu, o predomínio das geometrias rectas”, como afirma Manuel Bandeira, ver: NAVSLAVSKY, Guilah, op. cit., pp. 73 – 80; também: BARRETO, Sonia Marques da Cunha. Maestro sem orquestra, um estudo da ideologia do arquiteto no Brasil – 1820 – 1950. Recife: Dissertação de Mestrado – MDU/UFPE, 1983.

176

A inspiração para o problema da habitação popular, entretanto, é o mocambo, a casa nativa dos trópicos, a habitação primitiva ‘que oferecia a orientação a ser seguida na procura da casa racional em países quentes para as populações mais pobres das cidades. Sobre esta questão do moderno

(edificação/homem) no Recife ver: NAVSLAVSKY, Guilah, op. cit., p. 81; o mocambo é visto também como habitação caracteristicamente rural, ver: PERRUCI, Gadiel. Favelas do Rio e Mucambos do Recife. Um relatório de estágio. Recife: Fundação da Promoção Social. Departamento Sócio-Econômico. Divisão de Informação e Documentação, 1962.

177

Recife, DP, domingo, 9 de maio de 1954, 2º caderno, p. 12.

178

Cf. DP, domingo, 30 setembro de 1956, 2º caderno, p. 8: Gilberto Ferrez no Recife. Encontra-se no

Recife, o escritor, fotógrafo e colecionador, Gilberto Ferrez. Veio entrar em contacto com membros da COE do Tricentenário a fim de ultimar preparativos da Exposição Iconografica Retrospectiva de Pernambuco que será realizada, provavelmente, em setembro. Nessa exposição serão apresentados cerca de 300 peças, entre aquarelas, gravuras e litografias do século XIX, todas elas raras e algumas ineditas, e pertencentes ás (sic) coleções da Biblioteca Nacional, M. das Relações Exteriores, e ás (sic) coleções particulares do príncipe D. Pedro de Orleans e Bragança, viuva de Amauri de Sá e do próprio Gilberto Ferrez (que constituem grandes(sic) número). Entre as gravuras e litografias ineditas destacam-se as de Landseer (pintor que veio ao Brasil, em 18, com a missão Charles Stuart), Schlappriz e Lewis, representando detalhes da cidade de Olinda e paisagens urbanas do Recife. Recentemente, Gilberto Ferrez publicou A fotografia no Brasil, livro que obteve extraordinária repercussão.

O álbum intitulado “Velhas fotografias pernambucanas. 1841 – 1900” funda uma forma de retratar a paisagem do Recife, hoje

tradicional179. O álbum traz, além das fotografias de Marc

Ferrez que viajou pelo Brasil em missão científica-geológica, as de Augusto Stahl, do pernambucano João Ferreira Vilela e as gravuras de F. H. Carls, datadas de 1848, gravuras estas que teriam sido baseadas em fotografias de Stahl e Vilela180. O álbum “Velhas Fotografias de Pernambuco” marca um período de vinte anos em que Ferrez nada publica a respeito de fotografia, o que só volta a fazer em 1982181. Neste “recesso”, porém, não deixa de se dedicar às pesquisas sobre iconografia do Brasil e sobre viajantes estrangeiros182.

Amador de antiguidades, livros e gravatas, fotógrafo e introdutor do cinema no Brasil, benemérito da cidade de Petrópolis, como acentua o DP de 1954, Ferrez é pioneiro na publicação de ensaios sobre a fotografia também no exterior, tendo sido considerado

responsável pela penetração da fotografia nos meios institucionais, acadêmicos e

editorias, complementando a prática colecionista de Dom Pedro II, como acentua Pedro Karp Vasquez, que chega a compará-lo com o sol e com o que representa André Kertész para os fotógrafos, parafraseando Henri Cartier-Bresson183. Gilberto Ferrez apresentando também Augusto Malta (1864 – 1957), alagoano que chegou ao Rio em 1888, com suas vistas panorâmicas circulares do Rio de Janeiro, acentua que este gênero de fotografia era, porém, muito menos lucrativo do que o que produzia o fotógrafo-retratista, por servir a uma clientela mais restrita principalmente àqueles que, como estrangeiros ou moradores de

179

FERREZ, Gilberto. Velhas fotografias pernambucanas, 1841 – 1900. Recife: Departamento de Documentação e Cultura, 1956.

180Os trabalhos desses artistas completam admiravelmente a obra iconográfica de aspectos do Recife de

1830 a 1890, período em que aparecem os curiosíssimos desenhos de L. Schlappriz e as litografias de F. H. Carls, a provarem que Pernambuco, no tocante a essas artes, se achava tão adiantado quanto a Corte. Somos da opinião que as preciosas estampas gravadas nas oficinas litográficas de F. H. Carls constituíam cópias de fotografias de Stahl e de João Ferreira Vilela, e por isso não trazem nome de desenhista: não era necessário. In: FERREZ, Gilberto. A Fotografia no Brasil e um dos seus mais dedicados servidores, op. cit.

p. 320.

181

Gilberto Ferrez: A Fotografia no Brasil e um dos seus mais dedicados servidores.... Depoimentos. In: Fotografia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 27, 1998, pp. 19 - 33.

182 Idem. 183

Idem. Sobre D. Pedro II e a fotografia, ver “A revolução do daguerreótipo entre nós”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, cap. 13, p. 345 – 355. Sobre Kertész e Bresson ver: MIEELBECK, Reinhold, op. cit.

outras cidades, pretendiam enviar, a seus parentes longínquos, imagens de onde residiam184. Poderíamos dizer hoje que “o lucro” dessas imagens pertence muito mais à ordem do simbólico que vai constituir modelos imaginários de cidade, como é o caso, por exemplo, da discussão a respeito da “arquitetura moderna” no Recife185.

O período de vinte anos, no qual Ferrez interrompe sua produção ensaística sobre a fotografia do Brasil, é o mesmo que gesta a produção de outros historiadores da fotografia, entre eles, Boris Kossoy, que vai se preocupar sobremaneira com o invento fotografia, com o uso e a evolução da técnica, entre fotógrafos em São Paulo e no Brasil. Os primeiros anos da fotografia, até 1900, são como uma “corrida do ouro” que Kossoy acompanha, atento aos detalhes da técnica, entre fotógrafos, em contínua reinvenção. Reconhecendo em Ferrez as mesmas qualidades apontadas por Karp Vasquez, Kossoy cita-o quando da sua preocupação em destacar os chamados fotógrafos paisagistas e seu crescente valor iconográfico, ao retratarem a cidade quando profundas modificações estão acontecendo no seu aspecto físico186.

Muitos desses fotógrafos, diz Kossoy, levantando um problema para quem trabalha com acervos fotográficos, não possuíam reconhecimento autoral, ou seja, muitas fotografias são encontradas sem que haja a assinatura do fotógrafo ou da casa fotográfica que registrou a imagem (como o fazia Vilela) - prática que persiste no século XX, principalmente entre fotógrafos que trabalham para o Estado e mesmo na imprensa - e por isso, somente uma pequena parcela desses profissionais é hoje reconhecida, visto que estas duas instituições tornaram-se as maiores empregadoras de fotógrafos, para além do comércio ainda não incrementado com os capitais estrangeiros do pós-segunda guerra.

Essas questões estão em seu livro publicado em 1980, trabalho que vai, segundo as

palavras do autor, mapear a fotografia no século XIX e acentuar a co-participação do Brasil na sua descoberta em 1833, antes mesmo dos franceses patentearem o invento187.

Kossoy explora e aprofunda a referência dada por Ferrez aos “primórdios da fotografia” no Brasil citando ipsis literis as pesquisas divulgadas por Hercules Florence no 184

Cf. VASQUEZ, Pedro Karp. A fotografia no Império. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2002; sobre Malta ver também MAUAD, Ana Maria. O poder em foco: imagens reservadas de homens públicos, uma reflexão sobre fotografia e representação social na Coleção Pereira Passos. Disponível na Internet: <http://www.rehb.ufjf.br>. Acesso em: 20 ago. 2003. Revista Eletrônica de História do Brasil. Juiz de Fora: UFJF, 1999, v. 3, n. 2, jul./dez., p. 4 –21.