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Q uando, em 1185, após a morte de D.Afonso Henriques, Sancho I subiu ao trono, já

tinha uma experiência considerável na governação do reino de Portugal. A derrota de Badajoz tinha enfraquecido o seu pai, o rei fundador, tornando-o incapaz de prosseguir nas lides guerreiras e exigindo a participação de seu filho e sucessor na governação do Reino.

A participação de Sancho I no governo do reino é confirmada pela sua presença como co-outorgante em alguns diplomas régios e pela inclusão do seu nome no rodado de alguns documentos, sendo o rodado um símbolo de validação diplomática, inspirado nos documentos emanados pela chancelaria papal211. José Mattoso contesta, no entanto, que tenha havido uma perda de autoridade de Afonso Henriques a favor de seu filho,

211 José Marques, “A influência das bulas papais na documentação medieval portuguesa “ in Revista da

afirmando: “...analisando a documentação da chancelaria dos anos 1169 a 1185 , creio poder detectar uma orientação global da política régia em perfeita continuidade com a que se notava pelo menos desde 1146.”212 Esta continuidade afirmar-se-ia , segundo o mesmo autor, “...por um certo distanciamento e independência para com a aristocracia nortenha, por uma incipiente libertação de concepções de tipo feudal e por

preocupações de administração pública, em particular na atenção cedida ao povoamente e defesa do território.”213

De qualquer modo, D. Afonso Henriques, muito diminuído fisicamente, não pôde continuar a gloriosa carreira militar que lhe foi sendo reconhecida ao longo da sua vida: as crónicas tardias e os documentos da sua chancelaria não se coibiram de exaltar o seu valor militar.

Para dar continuidade à guerra cristã, ter-se-á estreado D. Sancho, ainda muito jovem, nas lides militares e na guerra contra os muçulmanos. Maria João Branco acrescenta também um outro motivo que teria levado o jovem rei a iniciar tão jovem a sua carreira de armas: A necessidade de evidenciar as suas qualidades de guerreiro, de demonstrar como merecia o reino que deveria herdar à morte do pai, era decerto muito

premente.214 Para obter o reconhecimento por parte dos seus pares, o jovem rei

precisava então de assumir os desígnios próprios da realeza ibérica: a guerra, palco de demonstração de qualidades associadas à bravura militar, e a continuação da reconquista de território, numa Hispânia ainda largamente ocupada pelos Infiéis.

Terá sido em 1170 que, das mãos de seu pai, Afonso Henriques, o príncipe Sancho terá sido investido como cavaleiro. Embora tradicionalmente se aponte 1178, como o início da sua actividade militar, com o saque de Triana, actualmente, aceita-se que teria participado num segundo ataque a Badajoz, aproveitando as sucessivas investidas que Geraldo Geraldes, sem Pavor, continuava a fazer nos arrabaldes da cidade almóada a seguir à derrota de 1169. Este segundo ataque a Badajoz, onde Sancho teria iniciado as suas lides militares, continuou desfavorável às tropas portuguesas, afastando então a possibilidade de conquista da cidade num futuro mais próximo.

212 José Mattoso, Afonso Henriques, Lisboa, 2006, p. 238 213 Ibidem.

Em 1185, à morte de Afonso Henriques, Sancho I não era um estreante nos negócios do Reino. Casado, desde 1175, com D.Dulce de Aragão, numa aliança considerada de extremo significado, numa época em que as relações entre Portugal e os reinos de Leão e Castela eram difíceis, teria o seu sucessor, o príncipe Afonso, futuro Afonso II, nascido em 1186.

O reinado de Sancho I caracterizou-se, em termos gerais, pela continuidade da guerra contra os muçulmanos, assumindo, numa primeira fase, um carácter essencialmente ofensivo, que se traduziu em conquistas de território bastante significativas, como foi o caso de Silves e Alvor, em 1189, num contexto marcado pela exaltação dos valores associados à guerra cristã, por via da pregação da 3ª Cruzada, após a vitória de Saladino, em 1187. Numa segunda fase, com a reorganização do exército almóada e a sua invasão em 1190-1191, e a consequente perda, até à linha do Tejo, dos territórios conquistados aos Infiéis, o rei português é obrigado a assumir uma posição militar defensiva,

objectivada nos apoios significativos que deu às Ordens Militares.

O ambiente de guerra, no entanto, não se circunscrevia apenas ao processo de

reconquista cristã : as ilusões criadas acerca de um relacionamento mais amigável com o reino de Leão, por via dos fortes laços familiares que ligavam D.Sancho I ao seu sobrinho e genro, Afonso IX de Leão, em breve seriam desfeitas. De facto houve fortes mudanças no relacionamento entre os vários reinos cristãos da península, pois as ambições expansionistas por parte de Castela associada à anulação do matrimónio da Afonso IX com Teresa Sanches ( a qual faria suscitar de novo a questão das arras) desagradaram grandemente a Sancho, induzindo um clima de guerra que opôs esses mesmos reinos cristãos entre si. O reino de Portugal não seria estranho a esse processo.

Outro dos traços definidores da política de D.Sancho I encontra-se nos aspectos relacionados com a organização e desenvolvimento económico do território. A doação das cartas de foral, expressão significativa do propósito do rei em se apropriar do

território, no sentido de exercer o seu poder de forma mais próxima e directa, inseria-se, não só, nas medidas de aproveitamento económico do Reino, mas também num

conjunto de estratégias políticas régias de defesa. Estes documentos destinavam-se a povoar os territórios de fronteira, incluídos nas novas terras conquistadas, mas também

podem ser considerados como uma forma do rei garantir e perpetuar os seus direitos sobre essas mesmas terras.

Este propósito de controlar as terras novas, atribuindo-lhes cartas de privilégios que regulavam, em parte, os direitos e deveres dos moradores, mas que também

asseguravam as prerrogativas régias, tinha o seu correspondente, no caso específico das terras velhas. Controladas pela nobreza a quem foram atribuídas tenências, que se patrimonializaram gradualmente, essas terras nunca deixariam, no entanto, de pertencer ao território governado pelo rei. A nobreza do Norte de Portugal, e Sancho I bem o sabia, oscilava no seu apoio ora ao rei português ora ao rei leonês, provocando assim conflitos onerosos para a afirmação do poder régio.

Mas a construção do reino não passava apenas por instrumentos de aproveitamento económico e de defesa do território.Para a afirmação do poder régio era necessário prover a Casa do rei de personagens necessárias à eficácia da política régia. Foi nesse sentido que os oficiais régios foram cuidadosamente escolhidos, participando, deste modo, numa espécie de governo central, embora como afirma Maria João Branco, tudo, na cúria de Sancho I, se baseie…ainda no princípio da graça e do privilégio, cabendo ao monarca, quer julgar e punir, quer distribuir benesses e privilégios a indivíduos particulares ou comunidades…tendo por base a sua vontade como fundamento teórico.215

Um dos instrumentos fundamentais da expressão da vontade do rei é formalizada pela escrita de documentos, pelo que a organização e a consolidação da chancelaria régia terá um papel crucial na afirmação crescente do poder do rei. Julião Pais será o chanceler de Sancho I e, com ele, uma série de transformações irão ser aplicadas na sua chancelaria.