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Uberlândia: antecedentes históricos

No documento PolíticaPúblicaAções (páginas 55-58)

CAPÍTULO I CAMINHOS POLÍTICOS APÓS A ABOLIÇÃO: UM MOVIMENTO

1.5 Uberlândia: antecedentes históricos

Uberlândia, como todo espaço urbano, possui diferentes atores sociais que tem suas trajetórias intercruzadas constituindo assim a cidade, tais sujeitos que possuem trabalhos diferentes, costumes diversos, práticas distintas que podendo ou não se organizarem enquanto grupo ou movimento social.

Muitos pesquisadores36 narram e refletem sobre a constituição da cidade de Uberlândia, e também sobre a população negra e descendente que habita na cidade, desde a sua fundação. Historicamente aponta-se para a constituição de um bairro, considerado reduto de negros: o Patrimônio. Nossa pesquisa não tem como foco refletir sobre esse espaço,

36Ver: SANTOS, Fernanda. Negros em movimento: sentidos entrecruzados de práticas políticas e culturais.

Uberlândia/1984-2000. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Uberlândia, 2011. LOURENÇO, Luís Augusto Bustamante. Bairro do Patrimônio: salgadores e moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1986. SILVA, Daniela Belo et al. Configuração urbana do bairro Patrimônio em Uberlândia-MG: levantamento histórico e contemporaneidades. Revista Fato & versões, n°.3 v.2, 2010. Disponível em: www.catolicaonline.com.br/fatoeversoes . Acesso em 05.09.2016. SILVA, José Carlos Gomes; CAIXETA, Jeane Maria. Patrimônio: Imagem e Memória de Um Território Negro em Uberlândia. IN: Boletim do Lapes. Laboratório do Pensamento Social. Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia, 1997. BARBOSA, Pedro. O movimento negro de Uberlândia/MG: mobilização social e política. Novas edições acadêmicas, 2014. BOSI, Antônio de Pádua. Reforma Urbana e luta de classes. Uberabinha/MG (1888 a 1922). São Paulo: Xamã, 2004. CARMO, Luís Carlos do. Função de Preto: trabalho e cultura de trabalhadores negros em Uberlândia. Dissertação de Mestrado, São Paulo. PUC/SP, 2000.

contudo torna-se necessário fazer uma breve reflexão sobre ele, pois vemos nele uma raiz para a organização de movimentos negros instituídos localmente.

O historiador Antônio de Pádua Bosi (2004) nos ajuda entender a constituição do bairro, por meio da análise da trajetória dos trabalhadores negros na cidade, aponta que

É possível visualizar a trajetória dos trabalhadores negros ex-escravos, libertos e descendentes em Uberabinha. A maioria dos trabalhadores negros vivia, desde pelo menos 1883, num “bairro” chamado Patrimônio. O lugar ficava afastado do núcleo populacional aproximadamente dois quilômetros. Dezesseis anos antes da abolição, Uberabinha (então Freguesia de Uberaba/MG) contava com 545 escravos frente a 3483 livres37.

Considerando que a transferência de escravos para outras regiões não foi tão grande como nas zonas de garimpo e computada a “perda” de escravos em função da lei do sexagenário (de eficácia duvidosa) e da mortalidade, o número de escravos às vésperas de 1888, não deve ter variado muito. Após a abolição, os que ficaram em Uberabinha empregaram-se principalmente nas charqueadas, no matadouro e em serviços de reforma urbana (estes, numa escala crescente), como o calçamento das ruas da cidade. (BOSI, 2004, p. 107)

O bairro Patrimônio, desde a sua “fundação”, é um lugar onde estavam presentes os negros e descendentes da cidade, recém-emancipada38, empregados nos mais diversos trabalhos, como manutenção do calçamento das ruas ou nos afazeres domésticos39. Desde o período mencionado percebemos os processos de exclusão e discriminação aos negros na cidade que se constituía. A exclusão pode ser observada não somente pela localização do bairro, cerca de dois quilômetros de distância do centro, como também pelo tipo de trabalho executado por eles, tais trabalhos eram rejeitados pela maioria da população da cidade40.

Para Bosi (2004) a composição de um bairro de negros em Uberlândia, pós-abolição da escravatura se deu numa estratégia de autodefesa e para além, a composição de relações familiares, de amizade e de trabalho. Um lugar onde poderiam unir os mesmos gostos, costumes, tradições, práticas no intuito de lutar contra algum tipo de controle por parte do grupo dominante. Além de uma possibilidade de formação de um movimento social, pois

37Dado retirado do artigo de BOSI, Antônio de Pádua. Ex-escravos, imigrantes e Estado na constituição da classe

trabalhadora de Uberabinha, MG (1888-1915). Revista de História Regional 9(1): 105-135, Verão 2004. Fonte: Catálogo Histórico, ano I, nº 6, Secretaria de Educação e Cultura, Uberaba/MG, 1987, In RIBEIRO JR., Florisvaldo Paulo. Resistência Negra e a Experiência do Cativeiro – Uberaba, 1856/1901. Dissertação de Mestrado, São Paulo, PUC/SP, 2001, p.48.

38De acordo com a historiografia local, o primeiro nome adotado foi São Pedro de Uberabinha em 1852, em

1891 passou a se chamar Uberabinha e finalmente em 1929, Uberlândia. Ver: História de Uberlândia. Prefeitura Municipal. Disponível em: http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=Conteudo&id=111 Acesso em 28.02.2017.

39Ver: CARMO, Luís Carlos do. Função de Preto: trabalho e cultura de trabalhadores negros em

Uberlândia. Dissertação de Mestrado, São Paulo. PUC/SP, 2000.

onde existe a concentração de várias pessoas que dividem os mesmos anseios, podendo gerar articulação de um movimento social.

Dentro da versão oficial da história do município, nada é apresentado sobre a constituição social do bairro Patrimônio, demonstrando a exclusão social, política e racial desses atores sociais, que são tratados aqui como em outros momentos na história, como se não existissem, relegados sobre a visão exótica, folclórica, vinculados à escravidão ou às manifestações culturais. Excluir essa parcela da população do histórico da cidade de Uberlândia é deixar ao esquecimento sua participação na construção da cidade. Esse movimento é constituinte de um racismo instaurado, não somente nesta cidade, mas em todo território brasileiro.

O geógrafo Luiz Augusto Bustamante Lourenço, no ano de 1986, demonstra por meio de uma pesquisa empírica a identificação da composição racial e social do Patrimônio. Seu trabalho foi premiado pela Secretaria de Cultura no primeiro concurso de Monografia. Um texto que rompe as barreiras e insere a discussão sobre a constituição do bairro, assim como também apresenta uma noção de segregação e discriminação dentro da cidade. Ele aponta que

[...] com base numa amostra de 72 pessoas (15 moradias) num universo de 463 pessoas (188 moradias), e dentro da classificação tripla negro-mulato- branco, a distribuição desses tipos é a seguinte: negros, 43,05%; brancos, 18,05% e mulatos, 38,89%. Ou seja, trata-se de uma comunidade onde a grande maioria da população é negra e mestiça. Isto é fato sabido por moradores de outros locais da cidade, que classificam o Patrimônio como sendo um "bairro de pretos" [...] esses dados mais ou menos empírica dão um "caráter" ao bairro: ele abriga uma comunidade cujo o elemento padrão é negro pobre. (LOURENÇO, 1986, p.13)

Os dados levantados por Lourenço (1986) indicam que a maioria dos moradores do bairro se encaixava na que ele denomina de “negro-mulato-branco”, sendo que os dois primeiros estavam em maior quantidade. Indo ao encontro com a fala de Bosi (2004) percebemos que a concentração de trabalhadores negros e pobres em uma região afastada da área central indicava exclusão racial e social. Aqui o Patrimônio é referido como Patrimônio da Santa, devido a doação das terras à Igreja Católica para a construção de uma Capela em homenagem a Nossa Senhora do Carmo. Todos os habitantes dessa região passam a ser Patrimônio da Santa, reafirmando o conceito cunhado no século XIX de objetificação do negro

Na história oficial do município, presente no site da Prefeitura Municipal, os nomes das pessoas que são considerados fundadores por parte da sociedade política, ganham destaque, enquanto que outras histórias são omitidas, esquecidas ou mesmo traduzidas em outras versões. O Patrimônio é visto com conotações diferentes, no primeiro momento, pela

história oficial, ele é propriedade de alguém e algo (neste caso da Santa), no segundo momento as pessoas que moram são estigmatizadas, como apontado por Lourenço (1986), um bairro taxado de “Bairro dos Pretos”, sendo definidas sua classificação e estereotipação. Além de ser um bairro onde habitava parte da população negra de Uberlândia, ele também era um exemplo de Vila Operária, conforme retratam as geógrafas Gerusa Gonçalves de Moura e Beatriz Ribeiro Soares, em seu texto sobre a expansão da cidade de Uberlândia

O bairro Patrimônio foi também um exemplo de Vila Operária, pois surgiu a partir da construção de casas para os trabalhadores do Frigorífico Ômega e somente alguns anos depois, quando a mão de obra operária já era abundante, é que o Conjunto Habitacional Patrimônio foi construído. Assim como as demais vilas, o Patrimônio não possuía infraestrutura (água, esgoto, iluminação elétrica, calçamento nas ruas), permanecendo dessa forma durante muito tempo, de acordo com seus moradores, que sempre reivindicaram por melhorias, mas eram deixados ao acaso pelo Poder Público local. (MOURA; SOARES, 2009, p.27)

As autoras apresentam que o lugar seria “um exemplo de vila operária” por ser espaço onde havia uma gama significativa de trabalhadores empregados na “função de preto” (CARMO, 2000), em especial trabalhando no frigorífico. Um bairro com pouca ou nenhuma infraestrutura deixado à margem pelo poder público da cidade. Por serem pouco valorizados e distante da região central, possivelmente os terrenos eram baratos possibilitando que a população pobre pudesse comprá-los e construíssem seu lugar de moradia, estabelecendo também relações de proximidade e resistência. O fato de existir um espaço de concentração desse grupo racial, possivelmente foi um dos motivos que promoveu uma organização estruturada de movimentos e grupos negros, conforme veremos no próximo tópico.

No documento PolíticaPúblicaAções (páginas 55-58)