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Na mesma linha de raciocínio, Handy (1987) também aponta um aspecto relevante:

4.1 Um Breve Relato da Formação do Setor Elétrico

Ao consultar a história da economia mundial da energia, verifica-se que a eletricidade fez parte das novas indústrias de energia que emergiram na segunda metade do século XIX.

Para Martin (1992, p.51) a eletricidade, o gás natural e o petróleo “são respostas aos limites encontrados pelo sistema técnico moldado pela primeira Revolução Industrial”. Candeeiros a óleo, velas e máquinas a vapor apresentavam limitações que não atendiam às novas necessidades de iluminação e força motriz, oriundas da expansão do capitalismo, que passava a demandar um consumo de energia cada vez mais elevado.

A indústria da eletricidade não só veio preencher as necessidades apontadas, mas surgiu como uma indústria totalmente nova, com uma característica especial, que a destingue das outras - a inovação tecnológica - ao converter um recurso natural, principalmente hidráulico, em outras formas de energia (motriz e de iluminação), adequadas às novas demandas da industria lização.

O progresso científico e a inovação tecnológica passam a fazer parte e a impulsionar essa nova indústria. A partir do século XVII, as descobertas do dínamo, do motor, da lâmpada de filamento, inovações em turbinas e no aumento do tamanho das instalações, associados à organização da indústria, fazem com que a eletricidade ganhe mercados,

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principalmente nos Estados Unidos e Alemanha, líderes no desenvolvimento desse setor (Martin, 1992).

Já no século XIX a indústria elétrica nesses países já era composta por empresas produtivas e distribuidoras, que não só produziam energia elétrica, mas também, conforme Martin (1992, p. 58-9), “... se voltam para a indústria de construção elétrica”, “...controlam a tecnologia pela pesquisa–desenvolvimento e as patentes (...) e se internacionalizam, cedendo licenças a construtores estrangeiros ou criando filiais”.

O desenvolvimento da indústria de energia elétrica prossegue com o surgimento de grandes empresas americanas, européias e japonesas, que passam a estabelecer acordos comerciais e tecnológicos e atuar como multinacionais da construção elétrica, passando a também explorar os mercados de eletrificação dos países em desenvolvimento.

Por tratar-se de um serviço público essencial, na maior parte dos países, os governos assumiram a responsabilidade de prover a sociedade de energia elétrica, como ocorreu na França e na Inglaterra, na época do pós -guerra até a década de 80. Em outros países, como os Estados Unidos, o Estado impôs uma regulação severa sobre as concessionárias de serviços públicos.

Por outro lado, a indústria de energia elétrica foi sempre considerada um monopólio natural, concebida como empresas integradas, que atuavam na geração, transmissão e distribuição, vendendo energia a consumidores finais de eletricidade. No entanto, como informa Martínez (1997, p. 25), o monopólio do setor começou a ser quebrado a partir da década de 70, primeiro nos Estados Unidos12 e depois em outros países, com a geração por produtores independentes, que se expandiram inclusive com turbinas a gás natural. A quebra dos monopólios se consolidou com as reformas no Chile e na Inglaterra, onde foi feita a separação das atividades de geração, transmissão e distribuição.

A reforma do setor elétrico, como parte da reforma do Estado, é uma experiência internacional. Já em 1982, o Chile começou a reestruturar o setor, sendo um dos pioneiros dessa transformação. A Inglaterra em 1990, Noruega e Nova Zelândia em 1991, Argentina em

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1992, Peru em 1993, Bolívia, Colômbia e Austrália em 1994 são outros exemplos. (Araújo e Hoffman, 1997, p. 5).

Esses autores informam que “a racionalidade das reformas é a competição entre agentes e objetiva estender seus benefícios ao consumidor de energia elétric a. Outra razão forte é a quebra do conceito do serviço pelo custo, tão arraigado no caso brasileiro, que, em combinação com a série de ingerências políticas e altos índices de endividamento ocorridos no setor, elevou os custos dos empreendimentos...” (Araújo e Hoffman, 1997, p. 5).

Nos Estados Unidos, país de referência no setor, até 1970 a regulamentação não sofreu grandes modificações. Mas, a partir das duas crises de petróleo, o governo federal instituiu, em 1978, o Public Utility Regulatory Policies Act (PURPA) que, segundo Baumgarten (1998, p. 1-3), entre outras mudanças, resultou na quebra de monopólio natural de geração, na consolidação do produtor independente e na instituição do consumidor livre.

Apesar de apresentar problemas como custos médios de geração elevados em muitos estados e criação de stranded costs (custos de produção ou de ativos não recuperáveis a preços normais de mercado), que oneram as tarifas, as reestruturações em curso nos EUA têm, conforme Baumgarten (1998), pontos relevantes e lições que poderiam ser extraídas para o caso brasileiro, conforme estão transcritos a seguir.

Comparando a reestruturação do setor elétrico brasileiro com o que vem acontecendo nos EUA, pode-se verificar que os princípios são basicamente os mesmos: competição e preços de mercado para a geração e comercialização, e preços administrados (...) para as atividades de transporte (transmissão e distribuição) que continuam como monopólios naturais;

O processo de privatização, quando afetado pelas necessidades de caixa, tende a gerar stranded costs, na medida em que se procura garantir receitas elevadas para aumentar o fluxo de caixa descontado e, consequentemente, o valor apurado na venda;

As questões ambientais tiveram grande influência na evolução do setor nos EUA: desenvolvimento de fontes renováveis, limitações à construção de hidrelétricas, tempo necessário para o licenciamento na construção de linhas de transmissão;

Para as tarifas para as atividades consideradas monopólios naturais, as Public Utilities Comission (órgãos reguladores estaduais) são mais conservadoras, exercendo um controle mais rigoroso do que o previsto no modelo brasileiro, mantendo o velho regime do serviço pelo custo (Baumgarten, 1998, p. 5-6).

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Para Lay (1999), Presidente da Enron Corporation, empresa de energia americana, a desvinculação nas telecomunicações efetuada no curso das últimas décadas abriu caminho, nos Estados Unidos, para debate e reformas nos setores elétrico e de gás natural. Para o executivo, “...o mercado nacional de varejo de eletricidade estará aberto por volta de 2006” (Lay, 1999, p. 313).

No Chile, foi iniciado em 1980 um processo de desconcentração vertical e horizontal das atividades de geração, transmissão e distribuição, com o desmembramento das duas maiores empresas estatais. Embora as empresas geradoras continuassem com as linhas de transmissão, foram criadas várias empresas de distribuição. Com as privatizações, iniciadas em 1981, a participação estatal foi reduzida drasticamente. O organismo principal da estrutura de regulação naquele país é a Comissão Nacional de Energia.

Para Rodrigues & Dias (1994, p. 46-7), a reforma chilena, apesar das controvérsias a respeito da privatização, “é de extrema importância para a implantação de reformas estruturais - princip almente de cunho institucional...”. A experiência chilena introduziu uma postura tarifária realista, procedimentos para saneamento das empresas privatizáveis, um arcabouço de regras e normas estáveis e um conjunto de medidas para distribuir a propriedade das empresas para diferentes grupos sociais, que ajudaram a fortalecer e legitimar o processo de privatização.

Embora os chilenos tenham sido pioneiros na reforma de seu setor elétrico, a reforma inglesa foi mais profunda e abrangente. As reformas na Ingla terra, postas em prática em 199013, transformaram uma estrutura verticalmente integrada e administrada pelo Estado em um sistema desintegrado, com empresas que foram separadas e depois privatizadas. O novo sistema foi formado por empresas todas privatizadas, com produtores independentes, um arcabouço legal e uma entidade encarregada da regulação. A nova estrutura do setor britânico é considerada inédita para a indústria, por ter promovido a desverticalização e introduzido a competitividade na geração; mas é, ao mesmo tempo, preocupante, em razão do futuro do setor naquele país (Rodrigues & Dias, 1994, p. 37).

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Com a reforma do setor elétrico na Inglaterra, que precedeu a venda das empresas estatais e promoveu a separação das atividades de geração, transmissão e distribuição, surgiu, de acordo com Martínez (1997, p. 25) “...uma outra etapa entre a produção e o mercado consumidor - a comercialização”.

Para Aguiar (1998a, p. 3), as novas reformas no Reino Unido, introduzidas pelo Governo trabalhista em 1998, entre outros objetivos, visam a “maior equidade nos resultados da competição para os consumidores, proteger mais o consumidor e menos a competição, fortalecimento dos Conselhos de Consumidores, maior atenção ao meio ambiente e às políticas de eficiência energética, ampliar a presença da oferta e competição na comercialização”.

Outro exemplo é o da Alemanha, em que o sistema elétrico tem o predomínio de operadores privados. Conforme Aguiar (1998b, p. 14), as reformas na legislação daquele país, ocorridas em abril de 1998, consistiram em: “livre acesso à rede básica14 de transmissão; maior agilidade operacional no mercado aberto de eletricidade; incorporação de restrições ambientais no licenciamento de empreendimentos; controle de cartéis; anulação de direitos exclusivos em concessões”.

A esses modelos de reforma, “com a desagregação (unbundlin) das empresas elétricas por segmento de atividade ...”, se somam reestruturações no setor em diversos países, como a Noruega, Argentina15, Peru, Colômbia, Bolívia, Austrália, Nova Zelândia e Finlândia, além de diversos estados norte -americanos (Martínez, 1997, p. 27).

Assim, a indústria se alterou profundamente. “Em todo o mundo, cerca de 90 países atualmente passam por algum tipo de desregulamentação no setor elétrico” (Christofari, apud Lopes et al 1999). A quebra do monopólio, a competição no setor, a atividade de comercialização, a desverticalização, a existência de dois mercados distintos - um mercado atacadista e um varejista - e uma nova regulamentação16, mais severa e minuciosa para evitar práticas anticompetitivas, transformam radicalmente o setor nos países em que os governos, sob a égide da liberalização, propõem um novo papel para o Estado e uma nova inserção internacional para o país.

xcviii 4.2 A Formação do Setor Elétrico Brasileiro

A evolução do setor elétrico brasileiro nos anos recentes, a partir da década de 40, pós- guerra, revela um quadro caracte rizado pelo crescimento da população urbana e avanços da indústria, comércio e serviços. Naqueles anos ocorreu um “... choque entre as correntes favoráveis à nacionalização do setor elétrico e aquelas que defendiam o capital estrangeiro e o liberalismo” (Rodrigues & Dias, 1994, p. 59).

Devido a impasses em relação à política tarifária, as concessionárias retraem-se na expansão da capacidade instalada. Essa restrição de oferta de energia, associada à demanda crescente, provocou uma crise de energia elétrica, agravada pela estiagem de 1952 a 1955. O racionamento passou a ser prática corrente e, assim, o país sofreu a pior crise de energia elétrica de sua história.

Esse cenário fez a indústria de energia elétrica brasileira seguir a tendência geral de estatização ocorrida no mundo pós–guerra (1945). Isto ocorreu devido a fatores específicos daquele período, como a difusão do keynesianismo, que prepara o desenvolvimento econômico por meio de investimentos governamentais na infra-estrutura, e de procedimentos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que financiavam em condições vantajosas os governos dos países (Ministério de Minas e Energia, doravante designado MME, 1996).

Freitas (1997) explica, conforme a seguir, que os serviços públicos privados não são novidade neoliberal.

As telefônicas e as empresas de energia elétrica, por exemplo, eram privadas, de capital estrangeiro. Pouco ultrapassada metade da duração de suas respectivas concessões (...) já não lhes interessava continuar com investimentos que atendessem à demanda crescente. Queriam recolher lucros e pronto. Na passagem dos anos 50 para os 60, a crise nos serviços de telefonia e de luz estava em todos os Estados. (...) As deficiências no fornecimento de luz, no Rio e em São Paulo, fomentam um movimento de encampação que se inclui nas reivindicações de reformas estruturais (...). O Governo Militar fez um acordo de agrado da Amforp (American an Foreign Power). Geisel comprou a Light, a energia se tornou quase toda estatal e foi o setor de maior desenvolvimento realizado no decorrer da ditadura.

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Assim, surgem então empresas de iniciativa do governo federal e dos governos estaduais. Durante os anos 50 são exemplos marcantes: Minas Gerais (Cemig), São Paulo (Cesp), Rio Grande do Sul (CEEE), Paraná (Copel) e Santa Catarina (Celesc). Os investimentos federais nesse período são as usinas hidrelétricas de Furnas e Paulo Afonso.

Na década seguinte, teve início a federalização do setor, através da criação da Eletrobrás em 1961, companhia holding federal, destinada à coordenação de todo o sistema elétrico, funcionando também como banco de investimento. Inicialmente a Eletrobrás era composta pela Chesf (1945) e Furnas (1957), e depois foi integrada pela Eletrosul (1968) e Eletronorte (1973).

Enquanto ao longo da década de 50 quase todos os Estados haviam constituído empresas estatais, o processo de federalização ocorreu, conforme MME (1996), Rodrigues & Dias (1994) e Martínez (1997), através de fatos marcantes, conforme a seguir.

Criação, em 1960, do Ministério de Minas e Energia, através da Lei no 3.782, quando se organiza também o DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, implantado de fato em 1965.

Aprovação, em 1961, pelo Congresso, do projeto de criação da Eletrobrás.

Em 1964, a compra das concessionárias de distribuição do grupo americano American Foreign Power (AMFORP) pelo governo federal.

Lei no 5.899, conhecida como Lei de Itaipu, publicada em 1973, que outorgou à Eletrobrás a coordenação do sistema elétric o integrado, através do Grupo Coordenador da Operação Interligada – GCOI; a Lei determina a aquisição compulsória pelas concessionárias da energia gerada em Itaipu e atribui à Eletrobrás o papel de coordenação técnica, financeira e administrativa do setor elétrico.

Em 1974, uniformização das tarifas em todo o país, com a criação de um sistema financeiro compensatório (Reserva Global de Garantia - RGG) para as empresas com custos excedentes.

Em 1979, estatização da Light (Grupo Canadense Brascan que detinha a concessão para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro).

Em 1982, a Portaria MME no 1.617 oficializa o Grupo Coordenador do Planejamento do Sistema Elétrico – GCPS (MME, 1996; Rodrigues & Dias, 1994; Martínez, 1997).

A Eletrobrás também passa a ter sob sua responsabilidade a quota brasileira de Itaipu Binacional, o Programa Nuclear e o Cepel – Centro de Pesquisas Elétricas do Setor.

Leite (1998) explica a formação do setor elétrico brasileiro em três reformas dos serviços de eletricid ade:

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(...) a primeira mudança, de base tecnológica, ocorreu a partir dos anos trinta, com a promulgação do Código de Águas que estabeleceu a separação entre o direito de propriedade do solo, de um lado, e, de outro, o dos recursos hídricos existentes em sua superfície. (...) a demora na regulamentação do Código criou clima de incertezas. Reduziram-se os investimentos e os serviços entraram em decadência (...) o que levou o governo federal à primeira grande iniciativa de ação direta: a construção da usina de Paulo Afonso (1948). Excetuada esta iniciativa foi um quarto de século de relativo imobilismo. A segunda grande mudança, essencialmente pragmática, se iniciou com o presidente Kubitscheck, quando o suprimento de energia se havia tornado precário em quase todo o país. (...) Marcou época a construção da usina de Furnas, com ampla repercussão em vários Estados. (...) As crises políticas e econômicas (...) levaram o país ao impasse de 1964. Logo a seguir foi retomado o crescimento econômico bem como o processo de organização do setor de energia elétrica (...). A regulamentação dos serviços se aperfeiçoava e várias empresas se consolidavam econômica e financeiramente. Foi quase um quarto de século de progresso (...) o governo Geisel lança gigantesco programa de energia, com Itaipu, que já era compromisso binacional, e Tucuruí, além de ambicioso complexo nuclear. Comprou-se a Light. Os investimentos ultrapassavam a capacidade financeira das empresas e do próprio governo federal, que sofria novo impacto negativo com o choque de 1979. No domínio regulamentar instituíram-se a contenção e a equalização tarifárias, de trágicas conseqüências (...). Com a contribuição de alguns desmandos do governo começava a derrocada do setor elétrico. (...) Na terceira grande mudança, ora em curso, procura-se privatizar o sistema por motivos ao mesmo tempo ideológicos e pragmáticos...” (p. 9-10).

Assim, a indústria de energia elétrica se consolidou, fortalecendo-se no regime militar e sendo alimentada por financiamentos externos, formando-se um modelo híbrido de estatização de propriedade federal e estadual, com pequena participação privada, conforme pode-se verificar na tabela a seguir.

Tabela 1 - Divisão aproximada do mercado de energia elétrica (em 1996, em %)

PROPRIEDADE GERAÇÃO TRANSMISSÃO (b) DISTRIBUIÇÃO

Federal Estadual Privada 62 (a) 36 2 29 60 11 8 76 16 (a) Inclui a parcela brasileira e a paraguaia de Itaipu

(b) Percentual de linhas de transmissão em km.

Fonte: Ministério de Minas e Energia – MME (1996)

Segundo dados do MME (1996) o sistema elétrico brasileiro alcançou resultados notáveis, tendo expandido sua capacidade instalada de 5 GW em 1948 para 55 GW no final de 1995. Por outro lado, a indústria mantém uma estrutura de produção 96% em bases

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hídric as, com dois sistemas de transmissão interligados e sistemas de distribuição que atendem mais de 95% dos domicílios urbanos.

A tabela a seguir apresenta outras informações acerca da indústria elétrica brasileira.

Tabela 2 - Características do Setor Elétrico Brasileiro

Geração hidráulica 54.000 MW

Geração térmica 6.000 MW

Extensão linhas de transmissão (km) De 230 kV a 440 kV: 46.090

(total de 63.7606 km) Em 500 kV ou acima: 16.004

Elo de 600 kV (CC) 1.612

Unidades consumidoras 39,8 milhões

Unidades residenciais 33,9 milhões 26% do consumo

Unidades comerciais 5,3 milhões 13% do consumo

Unidades industriais 600 mil 46% do consumo

Residências atendidas 90%

Consumo ‘per capita’ 2.085 kWh/ano

Faturamento anual US$ 19 bilhões

Tarifa média de fornecimento R$ 83/MWh

Crescimento de consumo 6,5% a.a.

Fonte: Aneel (1998b) e ONS (1999).