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Capítulo I — A Civilização do Garimpo

2 Ficção de identidade

2.2 Um engenheiro visita o garimpo

Em 1879 Teodoro Sampaio era integrante da Comissão Hidráulica, também chamada de Comissão Milnor, formada pelo governo brasileiro e dirigida pelo engenheiro americano William Milnor Roberts, que tinha por objetivo estudar condições de navegabilidade fluvial do país. A missão científica entrou pela foz do Rio São Francisco, percorreu o seu curso contra as correntezas até as nascentes do que ele chamou de “mediterrâneo brasileiro”, depois fez o caminho de volta até Carinhanha. Neste ponto a equipe se dividiu em três. Uma delas seguiu por terra rumo a Serra do Espinhaço, em direção ao Rio de Janeiro. A segunda equipe, mais numerosa, fez a viagem de volta pelo São Francisco e a terceira, dirigida pelo próprio Teodoro Sampaio, seguiu por terra em direção à Chapada Diamantina, rumo a Salvador.

23 SPIX, Jonhann Baptist von, MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Op.cit., p. 126.

A travessia empreendida por Teodoro Sampaio nos sertões da Bahia, realizada sessenta anos após a viagem de Spix e Martius, nem por isso foi menos recheada de aventuras. A inexistência de estradas perdurava. As vicissitudes da travessia, portanto, continuavam as mesmas. A diferença estava no roteiro, já que a partir da Vila de Rio de Contas os pesquisadores alemães percorreram as terras entre o Paraguaçu e o Rio de Contas, com destino a Maracás e daí para São Felix e finalmente Salvador, enquanto que Teodoro Sampaio, antes de fazer este percurso, seguiu em direção a Mucugê e às terras do garimpo. Sua estréia no sertão baiano se deu atravessando o Rio São Francisco em plena batalha entre as forças governistas acampadas em Carinhanha, e cangaceiros entrincheirados no outro lado do rio, em Malhada. O tiroteio foi suspenso apenas para dar passagem ao vapor da Comissão, cuja comitiva foi saudada com fogos e aclamação por ambos os lados. Diante da incredulidade dos cientistas, os contendores do lado baiano do rio explicavam que as efusivas aclamações eram por conta da imparcialidade demonstrada pelos viajantes, muito apreciada pelos beligerantes.

A marcha de Teodoro Sampaio desde a divisa de Minas Gerais, rumo à Chapada, tendo Caetité como porta de entrada, é feita entre fazendas desertas e vilas abandonadas em razão da presença de jagunços na região. A cidade de Caetité se apresenta ao viajante com “aspectos de corte do sertão”, composta de gente “boa e culta”, cujas ruas são calçadas, algumas arborizadas, as casas no geral bem construídas e com água canalizada. Havia um paço municipal e cadeia, um teatro e um cemitério.25

Teodoro Sampaio fez importantes registros do perfil sociológico e histórico da região, entretanto seu relato tem forte viés cientificista, com muitos mapas e gravuras do relevo da

25 SAMPAIO, Teodoro. O Rio São Francisco e a chapada diamantina. Coleção de Estudos Brasileiros. 1938. p. 187.

região, acompanhas por minuciosa descrição sobre aspectos geológicos, que também estavam presentes no relato de Spix e Martius. Há em ambos os relatos, em igual quantidade, descrições da fauna e da flora, além de observações sobre o modo de vida da população e um peculiar deslumbramento com as belezas naturais da Chapada Diamantina. Para Teodoro Sampaio o trecho entre o Rio Brumado e o Rio de Contas é “todo ele panorama dos mais encantadores que temos percorrido”. A Vila de Rio de Contas já se lhe apresenta como decadente por conta do declínio das minas de ouro, embora ainda conserve nas suas construções de pedra e nos prédios públicos, sinais da opulência do passado. Quanto a Mucugê, predomina no olhar do pesquisador o mesmo tom de desagrado “Nada tem de pitoresco a vila, nem é lugar adequado para o assento de uma cidade. Não tem horizonte porque os montes a oprimem, rodeando-a por todos os lados. O lugar, mesmo, é um pouso de garimpeiros à beira do garimpo”.26

Teodoro Sampaio delimita as zonas diamantíferas da Bahia num raio de 370 quilômetros de comprimento e 228 quilômetros de largura e chega à conclusão de que as minas de diamantes se esgotaram para os métodos de exploração extremamente manuais de então. Ele chega a fazer um relato minucioso do modus operandi do garimpeiro e dos aspectos exótico e lendário relacionados ao garimpo. Uma das suas tarefas foi percorrer a Serra do Sincorá em busca da “lendária cidade abandonada”, que relatos de outros viajantes afirmavam existir na Chapada. A tentativa de achar a presumida cidade foi o objetivo da missão do Cônego Benigno José Carvalho e Cunha, designado para tal missão pelo Instituto Histórico. O Cônego Benigno buscou em vão a cidade suntuosa, de extremo luxo, a exemplo das lendas orientais, habitada por seres fantásticos, com prédios

26 SAMPAIO, Teodoro. Op. cit. p. .210.

monumentais e que cunhava até moeda própria, de puro ouro. Ao cabo das suas investigações Teodoro Sampaio conclui:

“O teatro de tantas maravilhas é de fato escrito com tal ou qual verossimilhança que admira. Aqui são os montes elevados e os campos despidos de vegetação arbórea, ao redor deles; aqui as trombas e as quebradas, que dão passagem difícil por entre pedras soltas; aqui se vêem as furnas ou lapas, cobertas com umas grandes lages e com figuras pintadas na mesma pedra, figuras idênticas às que se desenham na citada relação; aqui se encontram, nos campos, ratos em grande número refugiados nas furnas, não ratos de pernas curtas que saltam como pulgas, mas verdadeiros e importunos roedores que ninguém explica como vivem e se multiplicam nesses ermos”.27