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5 UMA MULHER SEM EXPLICAÇÃO

5.11 Um final surpreendente

De volta à vida de solteiro, Nacib passou a deleitar-se de forma ainda mais intensa com os prazeres que sua condição lhe podia ofertar: trabalhava o dia inteiro e passava boa parte da noite nos cabarés de Ilhéus. “Nacib debulhava ao acaso, nos cabarés, em casa de mulheres, variados encantos. Até mesmo com a nova rapariga de Coriolano dormira uma vez, na casa da praça. Uma cabrocha novinha, trazida da roça. Coriolano já não procurava saber se

era enganado. Assim biscateava Nacib aqui e ali, na sua velha vida de sempre” (AMADO, 2012, p. 317).

No começo, sentira muito a falta de Gabriela, mas, aos poucos, a ferida foi cicatrizando, a um ponto de não mais pensar nela.

Ela, porém, sofria. Sofria com a distância, sofria com a saudade, sofria porque não entendia: se nunca foram casados, por que não podia voltar à casa e à cama de seu Nacib?

Ninguém a entendia... o Capitão e Josué tentavam. João Fulgêncio decretara:

– Para que explicar? Nada desejo explicar. Explicar é limitar. É impossível limitar Gabriela, dissecar sua alma.

– Corpo formoso, alma de passarinho. Será que tem alma? – Josué pensava em Glória.

– Alma de criança, talvez – o Capitão queria entender.

– De criança? Pode ser. De passarinho? Besteira, Josué. Gabriela é boa, generosa, impulsiva, pura. Dela podem-se enumerar qualidades e defeitos, explicá-la jamais. Faz o que ama, recusa-se ao que não lhe agrada. Não quero explicá-la. Para mim basta vê-la, saber que existe (AMADO, 2012, p. 282).

De dia, quando Nacib estava no bar, Gabriela pulava o muro da casa de dona Arminda – que lhe acolhera depois que se separara de Nacib – antes que a cabrocha chegasse. Limpava, e arrumava a casa. Sentia saudade.

A culpa era dela, por que aceitara casar? Vontade de sair com ele na rua, de braço dado, aliança no dedo. Medo talvez de perdê-lo, de um dia ele casar com outra, mandá-la embora. Foi por isso, certamente. Fez mal, não devia aceitar. Antes fora a pura alegria (AMADO, 2012, p. 282).

Pensava no ocorrido.

Bateu-lhe com raiva, tinha direito até de matá-la. Mulher casada que engana o marido só merece morrer. Todo mundo dizia, dona Arminda lhe disse, o juiz confirmou, era assim mesmo. Ela merecia morrer. Ele era bom, dera-lhe apenas uma surra e a expulsara de casa. Depois o juiz perguntou se ela não se importava de desfazer o casamento, como se nunca tivesse casado. Avisara-lhe que assim não teria direito a nada do bar, do dinheiro no banco, da casa na ladeira. Dependia dela. Se não aceitasse, ia demorar na justiça, ninguém podia saber como o processo terminaria. Se ela concordava… Não queria outra coisa. O juiz lhe explicara: era como se nunca tivesse sido casada. Melhor não podia ser… Porque, sendo assim, não havia motivo pra seu Nacib tanto sofrer, pra seu Nacib se ofender. Com as pancadas, importava não… Mesmo se a matasse, não morria com raiva, ele tinha razão. Mas se importava de estar expulsa da casa, de não poder vê-lo, sorrir para ele, escutá-lo falar, sentir sua perna pesada em cima das ancas, os bigodes fazendo-lhe cócegas no pescoço, as mãos tocando-lhe o corpo, os seios, a bunda, as coxas, o ventre. O peito de seu Nacib como um travesseiro. Gostava de adormecer com o rosto enfiado nos cabelos do largo peito amigo. De cozinhar para ele, de ouvi-lo elogiar a comida gostosa. De sapatos, gostava não. Nem de ir de visita às famílias de Ilhéus. Nem das festas, dos caros vestidos, das joias verdadeiras, custando tanto

dinheiro. Gostava não. Mas gostava de seu Nacib, da casa na ladeira, do quintal de goiabas, da cozinha e da sala, do leito do quarto (AMADO, 2012, p. 282-283).

É importante perceber que Gabriela compreendia que tudo aquilo que fazia parte do universo da mulher casada; ela era capaz de perceber e compreender as regras sociais. Sabia que eram coisas importantes para Nacib, embora rechaçasse todas elas. Talvez aí esteja a chave da explicação do porquê de ela o tempo todo justificar Nacib. Ou seja, Gabriela não era uma demente; ela conseguia compreender as leis sociais, mas as questionava e não aceitava se enquadrar nessas regras arbitrárias e contrárias ao seu desejo. E uma das regras que mais questionava era a do machismo:

Só porque a encontrara na cama a sorrir pra Tonico. Que importância tão grande, por que tanto sofrer, se ela deitava com um moço? Não tirava pedaço, não ficava diferente, gostava dele da mesma maneira, e não podia ser mais. Ah! não podia ser mais! Duvidava [que] existisse no mundo mulher a gostar tanto de um homem, para com ele dormir ou para com ele viver, fosse irmã, fosse filhe, fosse mãe, amigada ou casada, quanto ela gostava de seu Nacib. Tanta coisa, esse barulho todo, só por que a encontrara com outro? Nem por isso gostava menos, menos o queria, menos sofria porque ele não estava (AMADO, 2012, p. 284).

Perceba-se que ela não culpava, nem a si nem a Nacib. Para ela, a culpa foi do casamento. E foi. Culpa da institucionalização que impôs regras até mesmo para a intimidade do casal. Mas, o golpe em Nacib, embora tendo se livrado, de modo espetacular da humilhação pública pela traição sofrida, fora forte: ficara não apenas sem a esposa, do cheiro de cravo, da amante e dona de casa; ficara sem a cozinheira, ainda mais em um período tão ímpar em sua vida: a inauguração do restaurante. Se se livrara com uma certa facilidade das amarras amorosas que o prendiam a ela, não era fácil deixar de sentir falta da cozinheira Gabriela. Contratara um chef de cuisine (AMADO, 2012, p. 301), de uma comida cheia de não me toques e um tempero esquisito... O cozinheiro sumiu! Culpa de Gabriela?! Deixemos isso para lá... o importante é que, na inauguração do restaurante, Gabriela salvou Nacib do vexame depois que ficou sem cozinheiro e ela, com seu tempero e sua cozinha regional, fora aplaudida por todos os convidados da inauguração quando esses quiseram conhecer o responsável por tamanho banquete.

Surpreendente? Não tanto quanto saber que, como antigamente, ela voltou a trazer-lhe o almoço, zanzar entre as mesas, sorrir para os fregueses; preparar os doces e salgados do bar, a cruzar a praça com suas velhas chinelas, rebolando seus quadris e, a noite, em sua cama, a perna a pesar-lhe no quadril, voltou a amá-lo e sussurra-lhe: moço bonito.

6 NOTAS FINAIS - APONTAMENTOS DE UMA CONCLUSÃO QUE TAMPOUCO

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