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Um Jornalismo que é “Literário”

RUMO AO IMPÉRIO DO OUTRO: VIAGEM E PERCEPÇÃO

1.2. A Observação do Outro: O Jornalismo Literário

1.2.2. Um Jornalismo que é “Literário”

Ao considerarmos o jornalismo literário, precisamos também esclarecer e aprofundar com algum cuidado a relação existente entre literatura e jornalismo, até

282 Op. cit. (1980b), p. 11. Ênfase do autor. Porém, vertemos a citação de Português do Brasil para

Português europeu.

283 Ben Yagoda confirma que o jornalista literário não trabalha sobre a História, mas, ao invés, sobre a

contemporaneidade ao dizer: «Our final journalistic criterion is currency – that a writer get on the story soon after it happened. The longer the gap, the more the resulting work edges into the realm of history», in Op. cit., p. 14.

porque, como José Lechner explica, uma afinidade existente entre uma e outro «é que ambos procuram, uma na ficção, outro na realidade, o interesse humano dos acontecimentos e a verdade do homem como protagonista»284. E, ademais, tal como

lembra Phyllis Frus, há, na realidade, textos nos quais as fronteiras entre a literatura e a reportagem se encontram completamente esboroadas285. Por conseguinte, à semelhança

dos autores que têm teorizado e defendido o jornalismo literário, também defendemos que este género de escrita a que nos referimos abarca uma natureza dúplice de pendor simultaneamente jornalístico e literário, facto que se compreende melhor se esclarecermos que o jornalismo literário assenta as suas fundações no romance realista da centúria oitocentista, partilhando, inclusivamente, com ele as mesmas atribulações relativamente à sua afirmação e implantação no mundo das letras.

Quem estabelece o paralelismo entre o surgimento conturbado do jornalismo literário e o romance realista é Tom Wolfe. E fá-lo sugerindo que:

By 1969 no one in the literary world could simply dismiss this new journalism as an inferior genre. The situation was somewhat similar to the situation of the novel in England in the 1850s. It was yet to be canonized, sanctified and given a theology, but writers themselves could already feel the new Power flowing.

The similarity between the early days of the novel and the early days of the New Journalism is not merely coincidental. In both cases we are [...] watching a group of writers coming along, working in a genre regarded as Lower Class [...] who discover the joys of detailed realism and its strange powers. Many of them seem to be in love with realism for its own sake286.

Com efeito, aproveitando o caso inglês avançado por Wolfe, o movimento realista que se ia consolidando na França e na Rússia encontrava barreiras à sua aceitação na Velha Albion. Matthew Arnold e Charlotte Brontë, por exemplo, condenavam a literatura que expunha cruamente a natureza humana e todas as suas imperfeições. Assim, obras como Anna Karenina (1877) de Tolstoi eram consideradas retratos da vida real e não obras de arte e autores como Flaubert ou Balzac, tão queridos da Geração de 70 e do Realismo luso, eram acusados de não possuirem veia artística e de enfatizarem os defeitos do Homem, algo desprovido de beleza287. No entanto, o

284 In Op. cit., p. 26. 285 Op. cit., p. x. 286 Op. cit., p. 28.

jornalismo literário e o Realismo não se assemelham somente nos constrangimentos associados ao seu nascimento.

Antes, sequer, de tecer a apologia do jornalismo literário, John C. Hartsock, o estudioso que tanto se tem preocupado em teorizar o mesmo, deixa-nos de atalaia para o facto de que «something memorable – of historical literary import – [...] ocurred in journalism practice during the fin de siècle»288, o que permite antever o valor fulcral

atribuído à premissa relativa à literatura. Ao focar o fin-de-siècle, Hartsock refere-se aos finais do século XIX e ao Realismo e, logo de seguida, apressa-se a afirmar que, nessa altura, se pressente que o romance realista e o jornalismo, esses dois géneros que se ocupam da vida observada, não eram suficientes para a abarcar e retratar, pelo que, assim, surgia o jornalismo literário, nascido da urgência cultural de se perceber um mundo em rápida transformação289. Aliás, ao lermos a «Advertência» a A Inglaterra de Hoje, não deixamos de notar que Oliveira Martins esperava impacientemente a publicação dessa sua obra porque, como o próprio declara:

Com a velocidade vertiginosa a que o mundo marcha no nosso tempo, a Inglaterra de 1892 pode muito bem não ser já a de 1893. Quem sabe as voltas que nos esperam! Bastam dois meses de guerra, para transtornarem por completo esta construção, instável a todos os respeitos, da Europa em que existimos» (IH, p. 8).

O discurso martiniano é, como observamos, pautado por um quase alarmismo provocado pela efemeridade da contemporaneidade, acentuado por vocábulos que traduzem estados instáveis, de mudança e transtorno. Ao dar à estampa quer os seus artigos sobre a Inglaterra, quer, posteriormente, a colectânea dos mesmos em livro, Oliveira Martins está, efectivamente, a dar eco à necessidade de se compreender um presente fugaz.

Ross Winterowd, por seu turno, problematiza a emergência do jornalismo literário de maneira mais veemente referindo que este novo género deve a sua existência a uma grave crise finissecular: a incapacidade manifestada pelos géneros tradicionais de representarem uma realidade que se tornava cada vez mais enigmática290. O jornalismo

literário surge da necessidade «for credibility that the traditional realistic novel can no

288 Op. cit., p. 1.

289 Idem, ibidem, pp. 21-22 e 14 respectivamente. 290 Op. cit., p. 77.

longer take for granted, given the absurdity of modern life»291. Por outras palavras, é no

esmorecer do século XIX que se conclui que, na verdade, existe um vácuo pronto a ser preenchido por um género que reúna em si o rigor jornalístico e as técnicas do romance realista a fim de proporcionar ao leitor uma visão da realidade que contenha bastante acuidade292. Além disso, compreenderemos melhor a interligação jornalismo-romance

realista se não olvidarmos que uma parte bastante significativa dos naturalistas oitocentistas foi também jornalista em algum momento das suas carreiras293, o mesmo

sucedendo, em grande medida, com os escritores portugueses da Geração de 70, habitualmente conotados com o Realismo-Naturalismo.

Percebe-se, então, que no ocaso da centúria oitocentista se deseja decifrar uma sociedade em rápida mutação. O cientismo da época olha também para a sociedade como objecto de estudo e, dissecando-a, intenta a compreensão de uma modernidade avassaladora. Por isso, «journalism and the realistic novel may be similar in this period because both were responding to the positivism of the world view prevalent at that time, namely its concern with [...] analysis and classification of human life»294. Eça responde

a esta necessidade de interpretação e, num documento redigido em 1879, a propósito da segunda edição de O Crime do Padre Amaro, nota que:

É por meio [da] laboriosa observação da realidade, [da] investigação paciente da matéria viva, [da] acumulação beneditina de obras e documentos, que se constroem as notas duradouras e fortes. Se as minhas são fracas e efémeras, é que eu não soube surpreender a verdade [...], e não provém decerto de que o método não seja eficaz.

A arte moderna é toda de análise, de experiência, de comparação. A antiga inspiração que em quinze noites de febre criava um romance, é hoje um meio de trabalho obsoleto e falso. [...] A nova musa é a ciência experimental dos fenómenos – e a antiga [...] está armazenada a um canto, sob o pó dos anos [...], do velho cenário romântico295.

Quando alude à observação da realidade, à investigação e à acumulação de obras e documentos, Eça afirma-se um realista que persegue a cientificidade e, no entanto, descreve já com bastante precisão o método usado pelo jornalista literário, coincidentemente o mesmo de que o escritor-viajante se socorre e que Ramalho advogara minuciosamente em John Bull. Alguns parágrafos adiante, ao formular a

291 Phyllis Frus, Op. cit., p. xx.

292 Cf. Ross Winterowd, Op. cit., p. 78. 293 Cf. John C. Hartsock, Op. cit., pp. 23 e 44. 294 Phyllis Frus, Op. cit., p. 58.

distinção entre a novela romântica e o romance realista seu contemporâneo, Eça também declara: «Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social»296. Similarmente também

o jornalista literário procede a um estudo da sociedade e, fulcro importantíssimo do nosso estudo, o que Eça, Ramalho, Oliveira Martins e Batalha Reis fazem nos seus escritos sobre a Inglaterra vitoriana é um estudo aturado do povo, da cultura e da sociedade inglesas, o que, como sabemos, é comum à literatura de viagens. Portanto, novamente encontramos paralelismos estreitos entre literatura de viagens e jornalismo literário uma vez que ambos seguem o mesmo método científico a fim de estudar o fenómeno social. O jornalismo literário, estabelecendo uma relação apertada entre literatura, jornalismo e ciência, torna-se, então, um método de estudo privilegiado da sociedade contemporânea.

Por outro lado, é notório que Eça está plenamente consciente do seu papel de intérprete da realidade quando nos afirma que «o correspondente toma a atitude de um revelador» (TI, p. 87). Ora, o autor é um correspondente noticioso no estrangeiro que, a fim de «revelar» a realidade estrangeira que presencia, deve estudá-la. Posição semelhante tem Batalha Reis ao divulgar que a sua função no Repórter «consiste em “informar a respeito dos costumes ingleses”» (RI, p. 84). Assim, neste contexto preciso, «revelar» e «informar» assumem-se como sinónimos.

Na verdade, tanto Eça como Batalha são pródigos em lembrar-nos repetidamente que a pedra de toque da sua correspondência jornalística sobre a Inglaterra é, precisamente, a análise da sociedade inglesa, o que se coaduna com os pressupostos realistas que já vimos Eça defender e que é corroborado por expressões como: «É necessário falar da Irlanda, falar da Liga Agrária, falar de Parnell...» (TI, p. 125) ou «Devendo mostrar-lhes [aos leitores] a opinião presente da Inglaterra» (ibidem, p. 87). Por sua vez, Jaime Batalha Reis afirma os seus objectivos de modo ainda mais declarado do que o seu amigo Eça. Logo na sua primeira «Revista», datada de 2 de Janeiro de 1888 declara, algo imodestamente, que:

A fisionomia da Inglaterra se poderá entrever no fim dum certo tempo através do véu das minhas correspondências, registando eu nelas os fenómenos que mais vivamente me ferirem, desde o facto político característico até à simples anedota (RI, p. 35).

Menos de um ano depois, mais concretamente a 1 de Dezembro, acrescentaria que se propunha «esboçar não só os acontecimentos mais importantes, mas as cenas e as modas mais características da vida inglesa» (ibidem, p. 114), expondo nitidamente qual o objecto e o método subjacentes aos seus artigos. Ao atribuir tanta importância ao registo dos fenómenos, cenas e acontecimentos da vida britânica, Batalha Reis evidencia o seu endividamento aos postulados realistas e ao cientismo que os rege (repare-se, aliás, na escolha vocabular criteriosa escolhida por Batalha a fim de manifestar a cientificidade da sua correspondência: «fisionomia», «fenómeno», «facto»). E assume essa dívida ainda mais agudamente quando confessa que «observar o que revela mais profundamente a vida e a essência dos costumes» (ibidem, p. 155) é a sua tarefa prioritária no que respeita o estudo dos modos ingleses. Esta indicação é esclarecedora quanto à sua incursão no mundo do Realismo, pois a visão era, na verdade, o sentido primordial de que se socorriam os realistas/naturalistas oitocentistas297. De facto, quando tece as suas considerações relativamente ao

Realismo/Naturalismo, Eça esclarece que o artista realista, contrariamente ao artista idealista, precisa de ver o objecto para poder escrever sobre ele. Mas, vejamos melhor o exemplo que o autor de Os Maias apresenta para nos elucidar quanto à pertinência da visão na elaboração do retrato realista:

Apresentam-se dois novelistas – o idealista e o naturalista. Tu dás-lhe o teu assunto: uma menina que se chama Virgínia e que habita ali defronte.

O idealista não a quer ver nem ouvir; não quer saber mais detalhes. Toma imediatamente a sua boa pena de Toledo, recorda durante um momento os seus autores, e, num relance, cria-te a menina Virgínia deste modo: na figura, a graça de Margarida; no coração, a paixão grandiosa de Julieta [...].

Dir-me-ão é mentira! [...]

É agora o escritor naturalista que a vai pintar. Este homem começa por fazer uma coisa extraordinária: Vai vê-la!...

Não se riam: o simples facto de ver Virgínia quando se pretende descrever Virgínia, é uma revolução na Arte! É toda a filosofia cartesiana: significa que só a observação dos fenómenos dá a ciência das coisas298.

297 Elena Losada Soler confirma este pressuposto quando considera: «La visión, sentido prioritario en la

novela realista» no seu estudo «Imágenes y motivos fineseculares en Alves & Cª. y en Su Único Hijo de Leopoldo Alas Clarín, in Carlos Reis (dir.), Op. cit. (2000), p. 98.

Portanto, o retrato realista, produto da observação e da aplicação do método cartesiano, é assimilado pelos jornalistas literários299 e, no caso presente, também pelos

escritores-viajantes.

Ramalho Ortigão, por sua vez, também não nega que deve o seu John Bull à observação, ou não fosse o subtítulo da sua obra: «Depoïmento de uma Testemunha Àcêrca de Alguns Aspectos da Vida e da Civilização Inglesa». Ademais, logo no primeiro parágrafo da mesma, declara que vai para a Inglaterra para «contemplar [John Bull] no próprio seio da [s]ua pátria» (JB, p. 7). Ora, «contemplar» e «testemunhar» são operações permitidas pelo sentido visual. A visão é tão primordial para este autor que, quando pretende descrever ao público um certo banqueiro que conheceu, refere os seus maneirismos peculiares, adiantando, todavia, que não jura que o que conta seja verdade, pois não viu, ao vivo, aqueles mesmos (ibidem, p. 73), ou seja, não valida a informação, pois não operou sobre o objecto o método científico. E, por conseguinte, o modus

operandi deste jornalista literário, pugnando para que a sua escrita reflicta o mundo real, enquadra-o nos parâmetros realistas defendidos pela Geração de 70.

Por último, não podemos passar em claro a constatação de que também Oliveira Martins deita mão de directrizes realistas, que apontam no sentido de se tomar o real como fulcro de escrita, quando aborda o objectivo por detrás da edição em livro de A

Inglaterra de Hoje. Este historiador considera pertinente a publicação dos artigos saídos no Jornal do Comércio «por darem [...] uma impressão sintética do estado actual de uma das três, ou quatro, grandes nações do mundo. Por isso o livro se chama A

Inglaterra de Hoje» (IH, p. 7). Sintetizando, o objectivo deste autor é, como fica claro, traçar o panorama da realidade britânica, pelo que o seu objecto de análise é essa mesma realidade. E dizemos análise, pois o próprio revela que, após reler e rever os seus artigos para aquele periódico carioca, os completou «com estudos anteriores» (ibidem).

Similarmente aos autores anteriores, também Martins salienta o papel importante da visão na elaboração do retrato. Aliás, de todos, será aquele que, porventura, mais se detém a descrever impressões visuais como a intensidade luminosa ou o tom exacto das cores, parte do seu estilo próprio como referíamos na introdução. Assim, quando considera que as suas notas sobre a Inglaterra servirão para os europeus continentais se conhecerem um pouco melhor, refere que «um dos métodos de observação [...] superior é o contraste» (ibidem, p. 9), isto é, enfatiza o sentido visual na

apreensão do real, enquanto que, simultaneamente, expõe uma das formas da observação científica, isto é, do método por si adoptado. Porém, não é menos verdade, que o olfacto é o outro sentido primordial dos realistas, como recorda Elena Losada Soler300, sendo também aludido por Oliveira Martins ao afirmar que para «farejar a

Europa» (ibidem) se deve ir à Inglaterra.

Como temos vindo a reiterar, não fora o romance realista emprestar as suas técnicas ao jornalismo e não se poderia falar na sua vertente literária. O que torna único o carácter do jornalismo literário é, precisamente, poder expor a realidade através de textos em que se incluam diálogos e descrições concretas e detalhadas que se aliam à construção cénica e à complexidade do retrato e que, por fim, revelem actividade, o que o afasta, imperiosamente, do jornalismo tradicional301. Contudo, pelo seu factor

jornalístico, não se pode incluir na categoria do romance. Estas conclusões de Hartsock, às quais amiúde nos reportamos, por serem posteriores à teoria de Wolfe e se apoiarem num corpo de estudos que não existia à altura da publicação de The New Journalism, estão bastante mais amadurecidas do que as do segundo, pelo que este estudioso pode falar do jornalismo literário como um género híbrido entre o jornalismo convencional e a literatura. Os estudos de Wolfe, ao invés, pela sua natureza pioneira, ainda catalogam o que ele apelida de «novo jornalismo» como um «estilo literário», enfatizando, dessa feita, a premissa literatura que encontramos no termo jornalismo literário. Aliás, este jornalista/escritor confessa que o que o despertou para a constatação da existência inquestionável do novo género jornalístico a que alude, e do qual se assume fervoroso paladino, foi o dar-se conta de que há um grande paralelismo entre o romance e o dito novo jornalismo, uma vez que este é capaz de usar diálogos e cenas da mesma maneira que aquele – a expressão exacta que Wolfe usa é, na verdade, «“novelistic” fashion»302.

Consciente desta hibridez inerente ao jornalismo literário, John Hellmann tenta destrinçar o jornalista literário do romancista realista e do efabulador salientando que o segundo é aquele escritor que diz: «All this did not really happen, but it could have», ao passo que o último afirma: «All this could never happen, so do not blame me if it does not seem real», para o primeiro declarar contundentemente: «All this actually did

300 In Carlos Reis (dir.), Op. cit. (2000), pp. 96 e 98.

301 Cf. John C. Hartsock, Op. cit., pp. 23 e 28, onde o autor se debruça sobre as técnicas do romance

realista utilizadas pelos jornalistas literários.

302 Op. cit., p. 22. Aqui o autor recorda que: «Specific devices, such as using scenes and dialogue in a

“novelistic” fashion [...] began to give me very grand ideas about a new journalism. As I saw it, if a new literary style could originate in journalism, then it stood to reason that journalism could aspire to more than mere emulation of those aging giants, the novelists». Como se constata, o autor não desdenha o facto de o jornalismo se apropriar de técnicas do romance, pois isso só contribui para o seu enobrecimento.

happen, so do not blame if it does not seem real»303. É importante desmontarmos o que

Hellmann refere quanto ao jornalista literário, pois verificamos que, quando menciona o facto de este trabalhar sobre o que aconteceu, está a considerar o jornalismo factual, enquanto que remete para um campo tendencialmente mais literário ao ressalvar que o produto final deste jornalista poderá soar a ficção.

Na verdade, por tudo aquilo que acabamos de referir, o jornalismo literário é uma entidade sobejamente complexa para que lhe fixemos limites precisos e inultrapassáveis. Trata-se de um género de difícil definição, à semelhança do que acontece com a literatura de viagens. Por um lado, encontramo-lo ligado ao jornalismo considerado factual, enquanto que, por outro lado, não o podemos destrinçar do plano literário. Com efeito, esta problemática de encontrar um nicho confortável onde colocar o jornalismo literário desemboca numa outra problemática, ainda hoje insolúvel, que se prende com a rotulação do próprio jornalismo em si. Se facções há que o consideram uma forma discursiva lateral à literatura, isto é, uma forma paraliterária ou um género híbrido304, outras há que o integram entre as categorias estéticas objectivas da

literatura305. Daqui se depreende que, quer se tome o jornalismo na sua acepção mais

lata ou na sua forma literária, aqui em questão, não se pode deixar de considerar que não existe teoria jornalística que não se preocupe em perceber até que ponto aquele(s) se inserem no campo abrangente da literatura. Desta feita, também não nos poderíamos abster de realçar o cariz literário deste género de que nos ocupamos. Todavia, para que possamos enfatizar, mais consistentemente, o facto de os textos em análise se inserirem nos parâmetros do jornalismo literário importa detalhar quais são, afinal, as suas características e relacioná-las com as da literatura de viagens.