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Um modelo de compreensão de leitura consensual: do leitor ao contexto

PARTE I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

2. Leitura: esboço de um conceito

2.3. Um modelo de compreensão de leitura consensual: do leitor ao contexto

Como acabámos de referir, se a psicologia cognitiva contribuiu de forma relevante para a compreensão dos processos envolvidos na aprendizagem e compreensão da leitura, ao centrar-se no leitor colocou de parte dois componentes essenciais: texto e contexto.

Jocelyne Giasson apresenta-nos o seguinte modelo, que se tornou cada vez mais consensual e no qual a maioria dos modelos e estudos mais recentes se têm baseado:

Fig. 5 – Modelo contemporâneo da compreensão da leitura (Giasson, 1993, p. 21).

Se nos modelos tradicionais de leitura a atividade de leitura se traduzia na lista sequencial de competências a ensinar de forma hierárquica e o domínio dessas competências separadamente significava dominar a leitura, este modelo afigura-se mais global e orientado para a integração das competências: a leitura é processo holístico e

Leitor - Estruturas - Processos Texto - Intenção do autor - Forma - Conteúdo Contexto - Psicológico - Social - Físico

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unitário. Compreende a interação entre as competências, pois uma competência de leitura separada do seu contexto perde uma parte do seu significado.

O sentido estava no texto e cabia ao leitor captar esse sentido e transpô-lo para a sua memória. Ler era compreender o que o autor escrevera sem qualquer liberdade de interpretação. O modelo de compreensão de Giasson coloca a criação do sentido no leitor que utiliza o texto, os seus conhecimentos e a sua intenção de leitura.

Olhando, agora, para a primeira variável deste modelo, o leitor, temos as seguintes componentes: as estruturas e os processos.

Fig. 6 – As componentes da variável leitor (Giasson, 1993, p. 25).

Entende-se por estruturas as características que possui o leitor (o que o leitor é), independentemente das situações de leitura. O leitor possui as seguintes estruturas cognitivas sobre a língua: conhecimentos fonológicos, que lhe permitem “distinguir os fonemas característicos da sua língua”; conhecimentos sintáticos, isto é, “a ordem das palavras na frase”; conhecimentos semânticos, consistem nos “conhecimentos do sentido das palavras e das relações entre elas” e os conhecimentos pragmáticos, através dos quais o leitor sabe “quando utilizar uma fórmula, em que tom falar a uma determinada pessoa, quem tratar por você, quando utilizar uma linguagem mais formal…” (Giasson, 1993, p. 26). Por outro lado, o leitor detém dentro das estruturas cognitivas os conhecimentos do mundo. Estes consistem na capacidade de relacionar os conhecimentos (prévios) sobre o mundo que vão influenciar a compreensão e a capacidade de aquisição de conhecimentos novos.

O leitor Estruturas Estruturas cognitivas conhecimentos sobre a língua Conhecimentos sobre o mundo Estruturas afectivas Processos Microprocessos Processos de elaboração Processos de integração Processos metacognitivos Macroprocessos

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Nas componentes do leitor, Giasson integra ainda a estruturas afetivas. As estruturas afetivas englobam a atitude geral face à leitura e os interesses desenvolvidos pelo leitor. Estas estruturas desempenham um papel tão relevante como as estruturas cognitivas (o medo do insucesso, a autoestima, etc. podem condicionar a capacidade de compreensão).

No que diz respeito aos processos, que integram a variável leitor temos ainda: os microprocessos, a nível da frase; os processos de integração, na relação entre as frases: marcas explícitas e relações implícitas; os macroprocessos, a nível do texto; os processos de elaboração, que vão além do texto – inferência – e os processos metacognitivos, que gerem a compreensão do texto. Os microprocessos definem-se no reconhecimento de palavras, leitura de grupos de palavras, microsselecção (informação a reter numa frase). Por sua vez, os processos de integração residem na utilização de: referentes (anáforas, catáforas), conectores, inferências baseadas em esquemas, entre outros. Os macroprocessos estão orientados para a compreensão global do texto, para laços que permitem fazer do texto um todo coerente, para a identificação das ideias principais, resumo e utilização da estrutura do texto. Os processos de elaboração “permitem aos leitores ir para além do texto, efectuar inferências não efectuadas pelo autor” (Giasson, 1993, p. 33). Por último, “os processos metacognitivos gerem a compreensão e permitem ao leitor adaptar-se ao texto e à situação” (Giasson, 1993, p. 33).

Da variável texto dependem diferentes comportamentos do leitor segundo a natureza dos textos. Assim, surge a necessidade de os classificar e esta classificação deve ser feita de acordo com a intenção do autor e os géneros literários. Segundo Giasson, este é um conceito geralmente reconhecido e bem aceite pelos professores. “O autor pode persuadir, informar, distrair” (Giasson, 1993, p. 36). De acordo com estas intenções, assim se classificam os textos como: textos informativos e persuasivos. No entanto, Giasson adverte que não devemos confundir intenção do autor com género literário, pois um autor pode ter a intenção de distrair e escolher um romance ou banda desenhada e pode querer informar e recorrer, da mesma forma, a uma banda desenhada.

A segunda componente da variável texto é a estrutura do texto e o seu conteúdo. Existem duas categorias que se distinguem pela estrutura: os textos que contam histórias ou acontecimentos e os textos que explicam um conceito ou princípios. Giasson, no que se refere às intenções de comunicação, recorre a Marshall (1984), que as distingue em três principais: agir sobre as emoções do leitor (poemas, contos, narrativas,…); agir

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sobre os comportamentos do leitor (caminhos a seguir, informações, modos de emprego, enunciados de problemas, conselhos de prudência,…) e agir sobre os conhecimentos do leitor: resumos, artigos, monografias, entre outros (Giasson, 1993).

A estrutura do texto está intimamente ligada ao conteúdo e “diz respeito ao modo como as ideias se organizam num texto, enquanto que o conteúdo remete para o tema, para os conceitos apresentados no texto” (Giasson, 1993, p. 36).

A terceira variável é o contexto, que se subdivide em psicológico, físico e social. Como contexto psicológico, entende-se as condições contextuais próprias do leitor – o seu interesse pelo texto a ler, a sua motivação, a sua intenção de leitura. De entre estas componentes, a última é a mais importante, pois determina aquilo que o leitor virá a compreender e a reter do texto. O contexto social compreende “todas as formas de interação [que se podem produzir] entre o leitor e o professor ou entre ele e os seus pares; as situações de leitura perante um grupo por oposição a situações de leitura individual por oposição a situações de leitura perante um grupo; as leituras sem apoio, por oposição às leituras orientadas” (Giasson, 1993, p. 42). Por contexto físico entende- se as condições materiais que envolvem a leitura: o ruído, o frio ou conforto, a cadeira, o silêncio, entre muitas outras condições. Estas condições são bem conhecidas dos professores, tal como o sublinha Giasson.

Resta-nos sublinhar, tal como a autora, que a compreensão na leitura resulta da “interacção entre o leitor, o texto e o contexto” (1993, p. 43) e quanto mais imbrincadas for esta interação maior será o nível de compreensão da leitura.