• Nenhum resultado encontrado

Parte II – A invenção da imagem do artista moderno

4. Um novo Michelangelo

Membros de uma importante geração de artistas franceses expirariam em 1875. O mundo, no entanto, não lamentaria tanto pela morte de Barye (em 25 de junho) que, durante a sua vida, havia alterado completamente o movimento expressivo da escultura animal, a potente anatomia da inércia, a tensão volumétrica da forma plástica do bronze. Tampouco lamentaria expressamente a morte de Corot (em 22 de fevereiro), que sem uma cortante ousadia pictural, havia, a seu modo, reinterpretado a pintura do Cinquecento italiano; havia também saboreado a fatura densa dos tons terrosos de paisagens amenas e úmidas. Jean-Baptiste Carpeaux, no entanto, teria no momento de sua morte (em 12 de outubro) a confirmação da prefiguração de seu destino, sinalizado desde sua chegada em Roma e sintetizado quando da execução de seu “Ugolin”. Mas a morte de Carpeaux naquele ano confirmava a conexão mágica entre ele e Michelangelo, e, mais do que isso, lhe faria identificar-se como o próprio Michelangelo moderno, em um fenômeno de encarnação do mestre florentino que finalmente encontrava seu tempo292.

Isso porque 1875 marcava também o período de comemorações que recordariam o quarto centenário do nascimento de Michelangelo. Tal coincidência não passaria discretamente diante dos olhos da crítica de arte, sobretudo daquela empenhada na atualização da biografia como gênero histórico-artístico por excelência, pois era essa mesma frente crítica que desejava encontrar o novo Michelangelo:

“Pouco tempo antes da morte de Carpeaux, o governo depositou sobre o leito do doente a roseta de oficial da Legião de Honra; ele não se emocionou mais porque seus pensamentos estavam já no infinito; sua carreira já estava terminada, ele não lamentava a vida que se tornava tão amarga para este mártir. Michelangelo, que inflamara o ardor deste jovem homem, fica para o velho de cinquenta anos o último culto no gênio do qual se impregnava novamente em sua alma de artista. Festejava-se precisamente em Florença o centenário deste ilustre entre os maiores. De seu leito doloroso, o pensamento de Carpeaux se enlevava em direção à Itália com os entusiasmos da primeira juventude. Conta-se que no dia do centenário, Carpeaux se fez levar no parque do príncipe Stirbey, onde o moribundo lançou um punhado de flores sobre uma estátua representando Michelangelo menino. Não é isto realmente belo e tocante?”293

292

Na imagem celebrativa da morte de Carpeaux publicada em Le Monde Illustré (ANEXO II, 11.1), uma figura que representa uma escultura ao lado direito parece ser o “Michelangelo jovem esculpindo a cabeça do fauno”, realizado por Cesare Zocchi em data desconhecida, atualmente localizado na Casa Buonarroti (ANEXO II, 11.2).

108

Se Michelangelo encarna a primeira figura canônica da história como artista melancólico, que necessita da solidão, mas também do artista que resiste em se tornar cortesão, movimento ao qual a maior parte dos seus contemporâneos se submete, resistente, antes de tudo, a qualquer tentativa de aprisionamento institucional, seria ele a exercer certo papel de paternidade de toda essa geração romântica que queria sua ascendência, e que duraria ainda até o século XX. Ocorre que, se Cristo é feito à imagem e semelhança moderna de seu pai, cuja face é desconhecida, o caráter divino do mestre florentino faz dele um potencial pai gerador de filhos igualmente à sua imagem e semelhança. Carpeaux é um artista martirizado, que sofre da dor de um condenado artístico como Cristo sofreu pela humanidade. O artista francês, no entanto, embora resistido (ou rechaçado) do círculo do Segundo Império, ao qual ele contraditoriamente serviu, encontrava-se, ao fim de sua vida, em um estado tal de debilidade física e financeira que é obrigado render-se ao convite do Príncipe Stirbey, seu maior colecionador, que legaria posteriormente à França toda a sua volumosa coleção, para expirar em seus aposentos294. Isso porque seria indigno que um artista da estirpe de Carpeaux morresse como um desconhecido miserável, como o seu futuro chegou a lhe apontar.

Porém, nessa infatigável busca pelo Michelangelo moderno, o artista mais regularmente associado ao mestre italiano seria Rodin, não obstante se distanciasse dele qualquer tentativa de assimilação de um perfil psicológico que os conectasse diretamente, mas sim, antes de tudo, devido às suas escolhas formais. O único aspecto no qual os dois se aproximariam espiritualmente seria no que diz respeito aos sucessivos fracassos do jovem artista, que parecia sofrer, por sua parte, muito mais das consequências desdobradas de um engessamento dos corpos de júri dos Salons europeus contra qualquer desalinhamento dos padrões ideais daquele academismo pasteurizado, do que, propriamente, de uma condenação de seu “anti-destino” artístico. Rodin seria, sem duvida, o maior artista francês da virada do século XIX para o XX, ao menos do ponto de vista de seu reconhecimento critico.

Em Bruxelas, onde residia, Rodin tomaria conhecimento da Florença festejante em memória de Michelangelo, que, a um só tempo, também buscava nele um artifício de equilíbrio nacional para uma frágil Itália recém-unificada295. O eco que soava até o jovem escultor devia-se possivelmente a mobilização de alguns franceses para transmitir aos seus concidadãos o que se passava em terras italianas. Em 1875 a Gazette des Beaux-Arts, por exemplo, publicaria uma tímida

294 Op. cit. GAËTAN, 2014, p. 276. 295

109

seleção de poemas de amor compostos por Michelangelo à sua admirada Vittoria Colonna296, mas no ano seguinte o público seria agraciado com um imenso dossiê no qual o mestre toscano era apresentado ao público através de suas diversas faces, analisadas por algumas personalidades que estiveram envolvidas nas comemorações do ano anterior, entre os quais o próprio Charles Blanc, editor-chefe da publicação, e o arquiteto Charles Garnier297.

Rodin seguiria para Florença no início de 1876, e, evidentemente, não participara dos três dias ritualísticos, conforme narrado por Roger Ballu298 e por Jules Salles299, cuja abertura contaria com um cortejo culminado na Piazzale Michelangelo300. Mesmo assim, Rodin estava decidido a interromper os trabalhos de “L’Âge de l’Airain”301 (ANEXO II, 12), que, malgrado tivesse ganhado um fôlego refrescado quando de sua volta à Bélgica, ela não o livraria de um novo insucesso, desta vez uma polêmica em torno do nu masculino e o seu limite de realismo e verossimilhança, aspecto que, indiretamente, reforçaria sua união ideal ao mestre florentino.

Apesar de toda a sua curta experiência como escultor ligado às artes decorativas e à sua incompreensão institucional, nada o fazia se diferir de toda a geração anterior, que compreendia o confronto com a arte italiana em seu solo pátrio como componente essencial de formação artística. Por outro lado, ele se diferia radicalmente do grupo dos assim chamados Neo-florentinos302, que se acreditavam utopicamente fiéis herdeiros da escultura do Quattrocento e, por isso, não desistiam da leviana certeza de que suas pesquisas artísticas conformavam-se com o purismo formal da linha

elementar que, em verdade, se tornava artifício codificado de uma configuração plástica infértil.

296 Op. Cit. RAYSSAC. 1875, pp. 5-18. 297 GBA. Tome XIII. 1876.

298 BALLU, Roger. Le quatrième centenaire de Michel-Ange. L’Art: revue hebdomadaire illustrée. 1875. Tome III. Première année, pp. 73-84.

299 SALLES, Jules. Les fêtes de Florence à l’occasion du IVe centenaire de Michel-Ange. Nîmes: Typographie Clavel- Ballivet, 1876.

300

No dia 12 de setembro de 1875, um domingo, iniciavam-se os festejos em memória de Michelangelo. Ambos os escritores mencionados narram a peregrinação ao fim deste primeiro dia até a Piazzale, onde se construiu, a partir do projeto do arquiteto Giuseppe Poggi, um monumento com a cópia em bronze do célebre David e das alegorias da Capela Médici, e frases emblemáticas fixadas em sua base. O rito de encerramento aos pés do monumento contou com discursos de diversas personalidades de academias de arte europeias e também do Brasil, representado, possivelmente, por Pedro Américo, que expunha neste momento a Batalha do Avaí ainda inacabada.

301 FERGONZI, Flavio. La scoperta di Michelangelo: qualche ipotesi sulla settimana fiorentina di Rodin e sulla sue conseguenze. In: Op. Cit. Michelangelo nell’Ottocento, 1996, p. 115

302 Para Le Normand-Romain, compuha este grupo Paul Dubois, Antonin Mercié, Alexandre Falguière, Eugène Delaplanche, René de Saint-Marceaux e a eles se uniria ainda o belga Charles Van der Stappen. – Cf. LE NORMAND- ROMAIN, Antoinette. Rodin et Michel-Ange: “Le fragmentaire, l‟hybride et l‟inachavé ». In. : Rodin et l’Italie. Sous la direction de Antoinette Le Normand-Romain. Academie de France à Rome : Edizzioni de Luca, 5 avril 2001 – 9 juillet 2001 – Catálogo de Exposição.

110

Rodin procurava na Itália a fonte de ampliação de seu atlas mnemônico, não somente através da estatuária clássica303, mas especialmente por Donatello, que ele já conhecia por algumas obras do Louvre, e Michelangelo, seu mestre, representado na França não somente pelos dois Escravos do mesmo museu, mas também pelas moldagens e cópias da capela da École des Beaux- Arts, que ele atentamente estudou. É preciso lembrar que a “Porte de l’Enfer”304 (ANEXO II, 13), obra em torno da qual todo o trabalho de Rodin vai se movimentar após sua encomenda, em agosto de 1880, seria, em grande medida, resultado de sua admiração pela “Porta del Paradiso”, que ele não precisou aguardar a tão sonhada viagem para conhecer. Rodin havia sido formado pela observação atenta da poesia do fragmento que a Revolução Francesa doravante obrigaria os artistas a aprender admirar. Ele e tantos outros artistas desde antes de sua geração, beneficiavam-se pelo efeito do intento do ministro Thiers para a abertura do Musée des Copies, em 1834, renovado décadas mais tarde por Charles Blanc, que via neste museu o atendimento de uma necessidade eminente305. No mesmo instante em que observava a moldagem da obra de Ghiberti, as moldagens das obras de Michelangelo que coabitavam a rotunda exerciam sobre ele um profundo impacto. E exatamente por essa razão, é absolutamente incerto datar o significativo volume de desenhos de estudo que Rodin teria executado das obras florentinas de Michelangelo, embora o artista reconheça que o efeito da cópia lhe tivesse sido potencialmente incomparável ao original306. Não existe por isso qualquer possibilidade de insinuação de anulação ou resistência de Rodin à contemplação e a experiência estética diante da própria obra, pois não se trata ainda do problema da reprodutibilidade técnica refletido no célebre ensaio de Walter Benjamin, retomado por Rosalind Krauss307 para analisar o fenômeno das obras de Rodin post-mortem. Isto, por outro lado, pode ser uma chave de compreensão, em consequência última, da origem de tal concepção em Rodin, e não do resultado a que esse problema levou.

A viagem que duraria cerca de dois meses, renderia alguns desenhos, e apenas uma carta de que se tem notícia, endereçada a sua companheira Rose Buret (ANEXO I, 6)308. Nela é explícita a total despretensão de Rodin ao universo literário e dela também se exime qualquer expectativa de revelação de alguma concepção artística prematura. Por outro lado, esta carta

303

Os mármores antigos Rodin já conhecia muito bem de suas visitas frequentes ao Louvre. Ainda assim, antes de seu retorno à Bélgica, Rodin vai a Nápoles para estudá-los.

304 A obra seria finalizada em 1917, sem que o artista, morto neste mesmo ano, visse o resultado de seu trabalho. 305 BOIME, Albert. Le musée des copies. GBA. Tome LXIV. 1964, pp. 238-247.

306 Cabe aqui antecipar o que o escultor escreve na carta: “Tudo o que eu vi de fotografias e de gessos, não dão nenhuma ideia da sacristia de St Lourenço”.

307 Op. Cit. KRAUSS, 1993, pp. 151 – 176. – Krauss, no entanto, já entende que existe um sensível descompasso entre a noção iluminada por Benjamin e o uso da reprodutibilidade por Rodin enquanto técnica de escultura.

308

111

inaugura uma mudança sensível, mas absolutamente fundamental, no tocante ao que Michelangelo havia se tornado para a arte francesa do século XIX. Quando o jovem artista, ao fim da missiva, afirma acreditar que o “grande mago” lhe deixara um pouco de seus segredos, é aí onde se localiza a dupla face do entendimento de Michelangelo que, juntas, sinalizariam o futuro do significado que o mestre incorporaria para a arte moderna.

Se de um lado permanece vívida a imagem de Michelangelo como sacerdote místico que detém o segredo alquímico capaz de dar vida à forma inanimada, Rodin faz conviver com esta concepção a ideia segundo a qual a obra do mestre florentino corresponde a uma fábrica interminável de “estruturas e esquemas” formais articulados. Embora Rodin mostre-se desconcertado ao procurar nos “alunos de Michelangelo” as interpretações que, de certo modo, o livrariam do trabalho de acessá-lo diretamente, mas nada encontrar, é essa busca inalcançada que o força a reinventar em sua imaginação as “estruturas e os esquemas” que o permitirão entendê-lo. Pois lhe importa não mais o estudo da obra em si mesma, mas o que a sua imaginação lhe fornece a partir de uma longa e minuciosa observação. A tarefa não recai sobre suas mãos a exercitar no papel tudo aquilo que observa in sito tal como as moldagens em Paris já lhe ofereciam suficientemente. O que lhe importava era o resultado do que a conjunção do seu olhar com a sua imaginação iria lhe oferecer como recurso para a pura abstração da obra que o levaria a compreendê-la em sua forma essencial.

Esta carta é, portanto, inusitada à medida que ela não anuncia o pensador de arte que Rodin viria a se tornar mais tarde. Talvez, por essa imprevisibilidade, seja mais eficaz entender tal documento a partir de um movimento contrário ao que a sua leitura nos suscita, isto é, a partir daquilo que ela não representa. Isso porque, em primeiro lugar, Rodin sequer faz menção a um non- finito revelador, de onde emerge uma nova concepção de massa plástica, como desejaria toda a crítica de arte que identifica em algumas de suas obras a descendência direta do mestre florentino. No tocante a esse aspecto, ainda que evidentemente presente neste artista, ele sequer havia sido o seu preconizador. Basta lembrarmo-nos da epifania de Delacroix na floresta de Chaprosay diante de um carvalho colossal, conforme mencionado no capítulo anterior.

Em segundo lugar, é preciso superar a noção engendrada na mencionada nota de Delacroix, mas cristalizada pelas obras mais maduras de Rodin, já indefectivelmente como Michelangelo reencarnado. Trata-se da equivocada convicção de que o non-finito corresponde a um estado inerente à obra, subentendendo que em alguma medida fez parte do que poderia se chamar a essa altura do século de um “projeto michelangiano”, a eleição de um estado de suficiência da obra

112

de arte. Como bem compreendeu Wittkower, “à oposição de Michelangelo, cujas obras inacabadas não eram efetivamente terminadas, Rodin criou figuras fragmentares que são a obra finita. Um controle também afastado do ato criador exigia do artista uma forma nova e, para tudo dizer, moderna de introspecção”309.

É ainda válido ratificar que, quando Rodin refere-se a Michelangelo como “ce grand magicien”, ele não o transforma em um filósofo místico conforme a orientação de Balzac na criação do velho Frenhoffer, e talvez esteja justamente neste descompasso o maior abismo entre os artistas. Pois toda a angústia que emerge do contato potente do homem com o mármore, aspecto este que marcaria a imagem de Michelangelo desde seus vivants até hoje (em grande medida operado pelo próprio artista), é o fator que se impõe como marcado afastamento entre ambos. Rodin, que jamais pegou em um cinzel e nunca teve habitando em sua mente figuras colossais, entenderia a obra de Michelangelo como um repertório de formas anatômicas, atualizando todo o elogio à questão da varietà, ao qual lhe foi associado desde o célebre cartão da Batalha de Cascina, culminando no afresco do Juízo Final. Ambas as obras, contudo, não provocariam em Rodin uma impressão equiparável ao que a Capela Médici lhe despertaria.

A isso se soma o entendimento matérico-formal que Rodin desenvolve tardiamente a respeito de seu mestre eleito, conforme ele explicita na entrevista concedida a Paul Gsell. Ao estabelecer um limite instransponível entre Fídias e Michelangelo evocando, analogamente, o equilíbrio antigo e a violência presente no segundo, conservando assim uma das noções basilares a respeito deste artista desenvolvida ao longo do século XIX, completa Rodin: “a arte de Michelangelo criou estátuas de uma aparição, de um bloco. Ele mesmo dizia que apenas eram boas as obras que poderiam fazê-las rolar do alto de uma montanha sem nada quebrar; e, em sua opinião, todo o que se foi destruído em tal queda era supérfluo”310

. Embora a suposta afirmação de Michelangelo mencionada por Rodin mais pareça compor a longa galeria de mitos apócrifos sobre o mestre, ela demonstra com clareza e sintetismo o modo como o escultor francês afastava de Michelangelo a sua assimilação como artista melancólico, para dar protagonismo ao que ele entendia como razão formal de sua obra311.

309 WITTKOWER, Rudolf. Qu’est-ce la sculpture? Principes et procédures de l‟Antiquité au XXe siècle (1977). Paris: Macula, 1995, p. 280.

310 RODIN, Auguste. L’Art. Entretiens réunis par Paul Gsell (1911). Paris: Bernard Grasset, 2012, p. 128. 311

Rodin reforçava a opinião escassa no século XIX de que Michelangelo não foi de modo algum um artista melancólico. Defendendo a hipótese de que Michelangelo é o último dos góticos, assim completa Rodin: “Para dizer a verdade, Michelangelo não é, como por vezes se sustentou, um solitário na arte. Ele é o resultado de todo o pensamento gótico. Diz-se geralmente que o Renascimento foi a ressureição do racionalismo pagão e sua vitória sobre o misticismo

113

Bem observara Wittkower que Adolf von Hildebrand, contemporâneo de Auguste Rodin e seu grande admirador, além de grande representante do formalismo germânico, contribuiria sobremaneira para o processo pelo qual Michelangelo passaria na segunda metade do século XIX, ainda que reconheça o historiador as sensíveis, mas fundamentais, nuances nos modos como cada um deles compreenderia o teor formal da obra do mestre florentino. Tempos mais tarde, a propósito da afirmação de Henry Moore na entrevista para o catálogo da exposição de Rodin no Arts Council (1966-1967), quando declarou que “Rodin foi o único artista desde Michelangelo que realmente compreendeu Michelangelo”, afirma Wittkower: “É estranho que Moore, um escultor nato, pudesse se enganar a este ponto. Segui-lo-emos, contudo, quando ele diz que Michelangelo foi sem nenhuma dúvida o escultor que mais teria influenciado Rodin”312. É preciso superar a ingênua noção de influência de um artista sobre o outro, tanto quanto é preciso desconfiar do ponto pacífico que tende a fazer tábula rasa da referência michelangiana para Rodin. Não é o caso de enfrentar a história da escultura entre Michelangelo e Rodin flertando com o pessimismo historiográfico moderno, que fez liberar de Malraux, a afirmação de que “a partir da morte de Michelangelo até a arte moderna, a escultura, sem exceder Rodin, torna-se um diálogo com o passado”313. Em parte ele tem suas razões, pois nada é capaz de abalar, por exemplo, a fonte formal que o pensieroso da Capela Médici (Figura 19) exerceu sobre o escultor francês na concepção de “Le Penseur” (ANEXO II, 14), em 1902-1903. Mas nada também subverte a certeza de que o non-finito foi fator exponencial para promover um questionamento generalizado sobre o lugar categórico da escultura como arte da imitação, problema que impulsionou os desdobramentos da história da escultura até, pelo menos, Brancusi. Mas a relação de Rodin com a Itália, de um lado, e com a escultura, de outro, seria sintomática para estabelecer definitivamente o lugar de Michelangelo como artista do passado, mas também artista de um futuro sempre inalcançável.

da idade média. Isto é parcialmente justo. (...). Este é manifestamente o herdeiro das imagens do século treze e quatorze”. In.: Idem, p. 130. (TN)

312 Op. Cit. WITTKOWER, 1995, pp. 269-270.

313 MALRAUX, André. Introduction ao Premiere Musée Imaginaire de la Sculpture Mondiale (1952). In : Écris sur

114

Duas considerações finais

1.

MICHELANGELO. (28.1.1857)

Michelangelo. Podemos dizer que se seu estilo contribuiu para corromper o gosto, a frequentação de Michelangelo exaltou e elevou sucessivamente por sobre elas mesmas todas as gerações de pintores que vieram depois dele314.

Quando Eugène Delacroix escreve as palavras acima, seu objetivo é utilizá-las como

Documentos relacionados