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Cônicas de Apolônio, I.45.

2.3.2. Um olhar para outras culturas

Keller (2005), em seu estudo sobre o modo como os diagramas eram usados na Índia do século VII d.C, traz um comentário de Bhaskara sobre o Ảryabhatĩya e faz uma distinção entre figura e diagrama. Enquanto figura é a idéia abstrata de um objeto matemático, diagramas são desenhos que representam tais idéias.

No decorrer de seu texto, o autor vai mostrando como, na Índia Antiga, figura e diagrama tornam-se inseparáveis e até mesmo indistinguíveis. Eles são de tal forma inseparáveis que um complementa e confirma o que o outro diz. “Parece que os diagramas eram usados para reafirmar definições e definições permitem a construção correta de diagramas21”. (Keller, 2005, p. 294. Tradução Livre).

Nessa cultura – a da Índia Antiga – os diagramas eram importantes à compreensão do raciocínio matemático que está sendo explicitado nos textos.

Keller, baseando-se na versão impressa do comentário de Bhaskara, de autoria de K. S. Shukla (1976) e no manuscrito da Kerala University Oriental Manuscripts Library (KUOML), confronta as imagens visuais e nos traz indicações de como os diagramas eram partes centrais do comentário de Bhaskara.

Bhaskara, em seu comentário do Ảryabhatĩya, segue uma estrutura de texto que contém: uma sentença introdutória, um comentário geral, exemplos resolvidos, representação e procedimentos. A parte que diz respeito à

20 Redefines the infinite, continuous mass of geometrical figures into a man-made, finite, discrete perception.

Of course, this does not mean that the object of Greek mathematics is finite and discrete. The perceived diagram does not exhaust the geometrical object. This object is partly defined by the text, e.g. metric properties are textually definite. But the properties of the perceived diagram form a true subset of the real proprieties of the mathematical object. This is why diagrams are good to think with.

representação é a que abre possibilidades para que possamos compreender a prática dos diagramas na Matemática da Índia que, segundo Keller, têm relação intrínseca com o texto. Essa representação é acompanhada por um raciocínio – que Bhaskara denomina procedimento – em que a resolução do exemplo é exposta. Os diagramas expressam situações diversas e podem ser figuras geométricas simples, complexas, representação de objetos tridimensionais ou de situações concretas (problemas de aplicação). Mostramos, na seqüência, as figuras F1, F2, F3 e F4 como respectivos exemplos desses usos. Buscamos colocar as figuras que aparecem na edição impressa ao lado das que aparecem no manuscrito, como faz Keller em seu texto.

Figura F1. (Exemplo de figuras geométricas simples)

Figura F2 (Exemplo de figuras geométricas complexas)

21 We have seen that diagrams could be used to rectify definitions, and conversely definitions would have

Figura F3 (Exemplo de representação de objetos tridimensionais).

F4 (Exemplo de representação de situações concretas22)

22 Este problema é apresentado pelo autor como o problema do “Hawk and rat”, no entanto, nós o

conhecemos como o problema do “gavião e da cobra”. O gavião está no topo de um poste e vê uma cobra que deve correr para a sua toca localizada no pé desse poste.

Keller nos chama a atenção para os desenhos mostrados no manuscrito. Podemos observar que eles são desenhados em pequenas “caixas” e não têm precisão ou proporção. Não são raras, porém, as ocasiões, no comentário, em que Bhaskara descreve técnicas e ferramentas necessárias para a construção dos diagramas. Esse fato abre possibilidades de interpretação sobre a construção dos diagramas e Keller sugere que é possível que os diagramas tenham sido desenhados pelo matemático, nas suas superfícies de trabalho,23 com precisão e, depois, copiados – até mesmo por escribas – para os manuscritos. Essa interpretação é possível porque, segundo Keller, o próprio Bhaskara sugere que há casos em que a precisão é requerida. E quais seriam esses casos?

Os diagramas assumem, ao longo do comentário de Bhaskara, diferentes funções. Na maioria dos casos, eles são parte dos exemplos resolvidos, mas eles podem estar sendo usados para: especificar uma definição, fazer um resumo do processo, indicar um processo segundo o qual um procedimento é desenvolvido ou mesmo para uma prova.

Keller afirma que o vocabulário pode sugerir uma série de representações

e, nesse caso, os diagramas são usados por Bhaskara para limitar ou induzir a uma imagem mental apropriada à situação.

Como resumo de um processo, Bhaskara usa o diagrama para mostrar o que é conhecido e o que é requerido no problema. O diagrama indica os passos para o raciocínio. O diagrama não mostra o processo, mas pode ser usado como recurso heurístico, guiando o procedimento.

Como ilustração do que está sendo dito, vamos considerar um dos exemplos que Keller discute. Nas figuras abaixo, é requerida a área do triângulo24. São conhecidos seus lados. Vemos que, nos desenhos que aparecem no manuscrito, as alturas são traçadas nos triângulos, porém nenhum valor está associado a elas. Isso mostra o modo como o diagrama sugere o que deveria ser calculado: a altura do triângulo.

23 Keller nos descreve as “superfícies de trabalho” tal como Netz o faz para os gregos. Elas eram como

No verso 9 do comentário, Bhaskara considera a área de um triângulo cujos lados são dados: 13, 15 e 14 e traz uma prova que considera o diagrama abaixo.

É dito que a área do triângulo requerida é “a soma das metades das áreas dos campos retangulares. Esta área (do trilátero) é a soma das metades das

24 Keller não usa a palavra “triângulo” mas sim “trilátero” pois, segundo ele, referíamo-nos às figuras

áreas dos dois (retângulos), um de largura 5 e comprimento 12, o outro de largura 9 e altura 1225”. (idem, p. 297. Tradução livre).

O diagrama resume o problema: são dados os lados e a figura mostra o triângulo inscrito num retângulo. A altura do triângulo divide-o em dois triângulos retângulos cuja área equivale a metade dos retângulos nos quais o primeiro foi dividido. Keller diz que o diagrama que ilustra o processo pode também ser usado para expressar o processo, ou seja, ele pode ser um recurso de comunicação do pensar do matemático para a resolução do problema.

Mas e quanto a prova?

Keller diz que o comentário de Bhaskara exige um tipo de raciocínio específico: a verificação. Ele discute procedimentos que justificam regras usadas por Ảryabhatĩya, porém não faz provas formais, no sentido que as conhecemos hoje, ou como as que são tratadas nos Elementos de Euclides. A palavra prova é usada para se referir ao diagrama em que se está trabalhando. Por exemplo: ao falar da semelhança de triângulos, Bhaskara diz que, para encontrar a medida de um determinado lado do triângulo, é possível recorrer à regra de três. Ele escreve:

“para mostrar a prova da regra de três, um campo é representado26” (idem,

p. 299. Tradução livre). Segue-se, então, um diagrama.

Keller conclui que, o que para nós é fundamental na exploração geométrica, a prova, para Bhaskara é apenas um recurso de linguagem já que a verificação está sendo dada pelo diagrama. Destaca, porém: reconhecendo que, se o trabalho se dava sobre uma superfície empoeirada e as explorações eram orais, nada se pode afirmar sobre as provas sem que se fantasie o processo. O que temos de informações escritas nos levam a crer que, na Matemática da Índia Antiga, dificilmente se pode separar definições de diagramas sem que a significação do trabalho seja perdida.

Indicações do significado dos diagramas ou das figuras na organização matemática de outras civilizações podem ser encontradas, por exemplo, no trabalho de doutorado de Gaspar (2003). A autora faz um estudo que mostra como

25 Or else, its area is the sum of half the areas of two rectangular fields. This area (of the trilateral) is the sum

of half the areas of these two (rectangles), the one whose width is five and length twelve, and the second one also, whose width is nine and length twelve.

as figuras foram significativas ao cálculo de áreas e volumes em diferentes culturas. Ela descreve processos específicos para construções de figuras geométricas que são usados, por exemplo, na solução de problemas de construção de altares. Gaspar destaca que, nas civilizações antigas, como por exemplo na Babilônia, nenhum teorema ou prova explicita é encontrado. A geometria Egípcia dá ênfase às aplicações práticas e investigações de propriedades geométricas.

Uma nova questão, entretanto, nos intriga: consideramos os estudos de Netz de 1999, o trabalho de Gaspar, de 2003, e ouvimos Keller em seu artigo publicado em 2005. O que mais há, em termos de discussão, sobre os diagramas? Essa questão nos levou ao workshop da Universidade de Pisa, que apresentamos a seguir.

2.3.3. Os diagramas nos contextos atuais: Workshop na Universidade

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