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UM OLHAR SOBRE AS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL

DESIGUALDADES RACIAIS E POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA

UM OLHAR SOBRE AS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL

Não é mais novidade para as ciências sociais, para a sociedade, para os entes estatais e organismos multilaterais que o Brasil é um país de imensas desigualdades sociais. Desigualdades no acesso à renda e aos direitos definidos como fundamentais (ou seja, o mínimo que todas as pessoas residentes no Brasil devem ter acesso), como educação formal, cuidados com saúde, assistência e previdência social, habitação, informação e bens culturais. Desigualdades entre as regiões, entre os gêneros e entre os grupos étnico-raciais. Desigualdades, que são, por um lado, resultado de processos sociais, culturais, econômicas e políticos e, por outro lado, produtoras de pobreza, miséria, exploração e subordinação, cuja elucidação deve ser buscada na história e nas dinâmicas dessa sociedade.

O Brasil disputa com outros poucos países a posição de mais injusta distribuição de renda do planeta. O quadro de desigualdade social explicitado pelos indicadores sócio-econômicos é perverso e, pior ainda, é historicamente persistente, quase como se vivêssemos num regime de castas. Para alguns grupos sociais a mobilidade social é muito menor que para outros.

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Este quadro de desigualdade estrutural e estruturante resiste ao tempo e vem mantendo-se estável ao longo da nossa história. Trata-se, portanto, de um quadro que não é resultado de problemas conjunturais, mas de um quadro que, na história brasileira, persiste até mesmo em momentos de crescimento econômico. Pesquisas e análises realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e por universidades e organizações não- governamentais, além da existência de diversos movimentos sociais populares, denunciam tal desigualdade e sua gênese.

Pode-se dizer que no Brasil as desigualdades fazem parte da formação histórica, das dinâmicas da sociedade e suas instituições. Há uma espécie de lógica estabelecida nessa sociedade que produz e mantêm estáveis, ao longo da história, hierarquias, possibilidades e lugares sociais. Essa lógica social é composta por um conjunto de preconceitos e práticas sócio-culturais cristalizadas que atuam na produção e manutenção das assimetrias e hierarquias que podem ser observadas nas relações sociais. Aliados à dinâmica de acumulação e expansão do capitalismo brasileiro, que Francisco de Oliveira interpretou como um modo de acumulação de base pobre55, a forma de funcionamento das instituições impõe às camadas populares, principalmente aos chamados afrodescendentes, barreiras sociais e

55 Segundo Francisco de Oliveira (2003, pág. 55-60), a evidente desigualdade, própria da extensão do capitalismo no Brasil, “é produto antes de uma base capitalística de acumulação razoavelmente pobre

para sustentar a expansão industrial e a conversão da economia pós-anos 1930...Nas condições concretas (...), o sistema caminhou inexoravelmente para uma concentração de renda, da propriedade e do poder”.

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“barreiras raciais que são obstáculos à sua participação na economia, na sociedade civil, na cultura, no Estado” (Fernandes, 1989, p. 23). Nas relações sociais concretas observa-se que além da divisão social em classes, própria da dinâmica do capitalismo, o racismo, o preconceito e a discriminação racial aparecem, na mesma forma, como questões centrais para o entendimento dessa lógica social que determina inclusões diferenciadas, hierarquização racial, pobreza e miséria em níveis inaceitáveis.

No Brasil pobre pode ser, além de uma expressão das relações de classe, também uma “metáfora para a raça” (Guimarães, 1999, p. 35), na medida em que no Brasil “as desigualdades de classe se legitimam através de uma ordem estamental que está umbilicammente ligada ao racismo” (idem, p. 13).

A desvantagem enfrentada pelas camadas sociais populares é imensa e, neste âmbito, quando se verificam as condições de grupos como homossexuais, deficientes físicos e, sobretudo, negros a situação agrava-se ainda mais. O princípio constitucional “todos são iguais perante a lei”, que indica que no Brasil todos os cidadãos são portadores dos mesmos direitos, diante da realidade concreta se transforma em letra morta. De fato, o que se verifica na sociedade brasileira é a existência de direitos formais que não se constituem no plano material e que, historicamente, tem sido motivo de surgimento de vários grupos, organizações, associações e movimentos sociais que, na sua prática de lutam, questionam as significações e dinâmicas sociais, exigem a universalização e efetivação de direitos e, o que nos parece mais importante, colocam em questão os fundamentos da própria

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sociedade. Grande parte dos movimentos sociais são expressões dos sem (sem terra, sem teto, sem renda, sem educação, sem universidade, sem direitos, etc.), reivindicam direitos previstos em leis e se organizam para melhorar as condições de vida das pessoas e grupos sociais que representam.

Os diversos indicadores sociais (riqueza, renda, acesso à saude, à educação, entre outros) mostram numericamente a dimensão da desigualdade, do desrespeito social, os efeitos perversos do preconceito e da discriminação racial, a desigual apropriação da riqueza coletivamente produzida, da remuneração e da renda, dos serviços públicos, das oportunidades educacionais. E a pobreza, que coloca o país em uma posição muito distante do que seria razoável em termos de justiça social, está diretamente relacionada à desigualdade social, pois é, em grande medida, produto dela: uma desigualdade decorrente de um pacto social oligárquico, corporativista, racista e discriminatório que, apesar da igualdade proclamada na constituição formal, estabelece concretamente cidadanias distintas e, por conseguinte, direitos, possibilidades e tratamentos distintos aos diversos grupos sociais.

Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, no Brasil os 10% mais ricos se apropriam de 43,2% da renda (os outros 90% ficam com 57% da renda), enquanto que os 10% mais pobres se apropriam de 0,96%; a renda dos 20% mais ricos é 19,3 vezes maior que a renda dos 20% mais pobres56. Em outros indicadores, como educação, saúde e moradia, as desigualdades são também muito

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acentuadas. No acesso à estruturas de comunicação e informação, a desigualdade é ainda mais acentuada: o Brasil consegue ser um dos países do que, proporcionalmente, possui o maior acesso à internet, mas esse acesso ainda muito superior nas chamadas classes A e B e muito baixo nas camadas pobres, o que denota um nível elevado de concentração das possibilidades da chamada “inclusão digital”, fundamental no mundo contemporâneo57.

Embora a desigualdade no Brasil esteja diminuindo a partir das políticas sociais implementadas pelo governo federal a partir de 2003. O Brasil continua sendo o país mais desigual da América Latina.

Todos esses indicadores, se desmembrados por região, gênero e cor/raça, acentuam ainda mais a desigualdade social no Brasil. Os negros, por exemplo, constituem 50,6% da população, mas correspondem a 73,7% dos 10% mais pobres, enquanto os brancos são 82,7 dos 1% mais ricos58. Ao que parece, ser negro no Brasil implica em maior possibilidade de ser pobre; a diferença entre a escolaridade média de um jovem negro e um jovem branco de 25 anos é, há várias gerações, de 2,2 anos (o que ajuda a confirmar que a desigualdade no Brasil é estrutural e constituinte da sociedade); entre os negros o analfabetismo é mais que duas vezes maior do que entre os brancos; em todos os níveis de ensino (fundamental, médio e superior) a proporção de pretos e pardos está abaixo da sua proporção na população. “A pobreza no Brasil é negra...de forma inquestionável, a desigualdade racial

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Comitê Gestor da Internet no Brasil, Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (http://www.cetic.br/).

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encontra-se no núcleo duro da desigualdade social e econômica” (Henriques in Ashoka, 2003).

NATUREZA E NATURALIZAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NA