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Um olhar sobre o escravismo e a diáspora africana na América Latina

5. FASE 1: ANÁLISE DO CONTEXTO SOCIOHISTÓRICO

5.1 Um olhar sobre o escravismo e a diáspora africana na América Latina

Stuart Hall (2003), em sua obra Da Diáspora – identidades e mediações culturais, analisa as questões diaspóricas, o conceito de etnia, o multiculturalismo, o pós-colonialismo dentre outros assuntos sempre acrescentando dados de sua experiência pessoal. Para ele, a diáspora é representada como parte do homem e responsável pelo surgimento da grande diversidade de identidades, pois o indivíduo que se desloca numa situação diaspórica não o faz por esporte, prazer ou turismo, mas sim porque se vê obrigado a tal. Essa situação forçada colabora intensamente para o processo de miscigenação e a formação de identidades formadas pelo choque e deslocamento cultural do indivíduo, especialmente na América Latina. O autor aborda especificamente a cultura negra e a figura do homem negro, pontuando que nem o modernismo nem o pós-modernismo deram conta de abarcar essa cultura, que para muitos, ainda é vista como meramente popular, de massa, menos valorizada. No entanto, segundo Hall, essa cultura é responsável, mesmo que de forma contraditória, pela forma dominante e histórica da cultura global.

Nesse sentido, a diáspora africana é um fenômeno que deve ser analisado pelos aspectos político, social, ideológico e econômico. Calcula-se que 12 milhões de africanos escravizados aportaram no Novo Mundo entre os séculos XV e XVI. A população da África permaneceu estagnada, em cerca de 100 milhões de habitantes, pois, as pessoas chegadas nas Américas como cativas, morriam, tanto nas caçadas empreendidas pelos aprisionadores, ou no transporte e, principalmente, nas guerras fomentadas dentro dos navios negreiros. Conforme Luz (2003, p. 199) o embarque nos tumbeiros era dramático, pois significava o rompimento definitivo com sua terra natal e quando os prisioneiros se rebelavam, eram trucidados. Podemos ainda ressaltar que o estatuto jurídico do escravo incluía-os na qualidade de semoventes, isto é, equiparados a bois, cavalos e etc. A reposição de escravos era constante devido às mortes, as vidas encurtadas. A diáspora teve, portanto, uma grande importância para a África, assim como para todas as Américas. Os netos dos africanos escravizados que foram trazidos para cá compõem uma parcela considerável dos povos africanos. Em alguns países, como o Haiti e a Jamaica, são a esmagadora maioria da população. Em outros, como nos EUA, são perto de 40 milhões31. No Brasil, já se sabe que somos mais da metade. O antropólogo da UFF (Universidade Federal Fluminense) Julio César de Sousa Tavares32 mostra que:

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BBC.Brasil.com (22 de janeiro de 2003)

Uma pesquisa recente na área da economia revelou que, para cada mil habitantes ricos no planeta, existem 101 milhões de pobres e miseráveis. Desse total, 90% pertence à população não-branca (que não inclui apenas os negros). A diáspora nos coloca diante de um problema global. Não devemos achar que a solução para a situação da população de afro-descendentes no mundo será uma solução em níveis nacionais. (Agência FAPESP, 2005)

O triângulo comercial África-Europa-América Latina construiu uma base importante do colonialismo durante muitos séculos e, como uma parte dos pesquisadores afirma, foi uma fonte financiadora da industrialização e posterior riqueza européia. Ao mesmo tempo, chegaram à América milhões de africanos que trabalharam como escravos nas plantações, nos trabalhos domésticos ou nas minas de ouro. Com a abolição da escravatura, o trato com os antigos escravos e seus descendentes permaneceu de múltiplas formas caracterizado pela exclusão. Para isso contribuíram, entre outros, as teorias raciais provenientes, em sua maioria, da Europa. As interações Europa-África-América caracterizam, além disso, o desenvolvimento de uma diáspora africana na América Latina.

Para as questões a serem pesquisadas neste trabalho, são interessantes as comparações provenientes da expansão de identidades afro-americanas e de formas de expressão cultural que, na sua maior parte, no Brasil, e no Caribe, caracterizam, com força cada vez maior, o terreno cultural. Os primeiros resultados científicos sobre a literatura afro- brasileira e os estudos comparativos sobre Brasil e Caribe já estão disponíveis.

No Manifesto do 2º Encontro de Intelectuais de África-América, realizado em 2007 em Caracas, os estudiosos do assunto reconhecem que a luta pela apropriação dos espaços estabelecidos nos territórios da África, da América Latina e do Caribe, por parte das potências estrangeiras, constitui um dos maiores saques realizados, após o tráfico de negros, crime de lesa-humanidade que esvaziou o ventre da África durante cinco séculos e submeteu mais de trinta milhões de seres humanos a uma bestial escravidão33. Autores como Bonicci (1999, p.13) descrevem os efeitos devastadores do colonialismo na região caribenha:

As sociedades primordiais dos indígenas das ilhas do Caribe foram completamente exterminadas nos primeiros cem anos de descobrimento. A população atual das Índias Ocidentais veio da África, Ásia, Oriente Médio e Europa através do deslocamento, exílio ou escravidão. De todas as sociedades colonizadas, talvez a sociedade caribenha seja a que mais sofreu os efeitos devastadores do processo colonizador, onde o idioma e a cultura dominantes foram impostos e as culturas de povos tão diversos aniquiladas.

Conforme Coniff and Davis (1994, p. 76), as ilhas do Caribe receberam cerca de quatro milhões de escravos durante a época da colonização, um pouco menos do que os que chegaram ao Brasil. Durante o século XVI, cerca de dois mil escravos chegavam ao Caribe anualmente. Um século depois, a importação anual aumentou para treze mil. O auge desse tráfico foi no século XVIII com uma média de importação de sessenta mil escravos por ano. Esses números permaneceram altos até a década de 1840, caindo depois na década de 1860. Nesse período, os escravos africanos e sua prole exerceram um papel fundamental na construção do Caribe. Todas as atividades econômicas da região, fossem quais fossem, utilizavam de algum modo a força da mão-de-obra escrava.

Os africanos nas Américas experimentaram a dor da separação, a distância e os maus tratos. Trabalhavam em climas e condições diferentes das que tinham na África. Às vezes eram transportados para lugares muito distantes como, por exemplo, de Moçambique para Louisiana. Eles vivenciaram a angústia de ficar sem contato com as cerimônias ancestrais de enterrar seus mortos, o que para eles era muito importante para o bem-estar espiritual e religioso. Finalmente, o legado mais deplorável da era da escravidão: o racismo que se arraigou firmemente no comportamento e nas atitudes dos euro-americanos e evoluiu diferentemente em cada região.

Observamos que, por meio da diáspora africana e da colonização, o Brasil e o Caribe se apresentam como regiões de profundas ligações onde as manifestações culturais de matriz africana ou indígena ficaram ocultas, negadas sob o estigma da bárbarie e do escravismo. Portanto, as duas regiões têm elos culturais e políticos resultantes de um passado colonial comum e das relações mantidas entre essas regiões no atual processo de globalização.

5.2 Uma breve história do Caribe: um povo dividido pela veia, pelo escravismo e